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Selam, mais um fóssil do Australopithecus afarensis

A última edição da revista Nature descreve a descoberta da equipa liderada por Zeresenay Alemseged, um paleoantropólogo do Max Planck Institute for Evolutionary Anthropology em Leipzig. A equipa encontrou o fóssil mais completo de um exemplar do Australopithecus afarensis, a que chamaram Selam ou DIK-1-1, o fóssil com 3,3 milhões de anos de um bébé de 3 anos encontrado em Dikika na Etiópia, uns quilómetros apenas do sítio arqueológico em que foi descoberto em1974 o fóssil de Lucy, o primeiro exemplar encontrado desta espécie.

Lucy é o membro mais antigo da linha de bípedes que levou, cerca de quatro milhões de anos mais tarde, aos humanos modernos. E, como veremos, os homínideos «Lucy» apresentavam uma série de características morfológicas intermédias entre os outros primatas e os humanos.

Aproveito o ensejo para corrigir um equívoco muito disseminado, que os «humanos são descendentes dos macacos», equívoco muito aproveitado pelos criacionistas embora seja totalmente errado. Os homínideos não são descendentes dos macacos; aproximadamente há 5 milhões de anos atrás, a árvore filogenética humana e a dos chimpanzés dividiu-se em ramos distintos a partir de um ancestral comum. Os macacos modernos, são deste modo apenas os nossos parentes evolutivos próximos, não são nossos ancestrais. Assim esse axioma utilizado e abusado pelos criacionistas é tão absurdo, como todos os seus argumentos, como dizer que alguém é descendente de um primo.

Voltando ao Selam, nomeado a partir da palavra etíope para paz, embora muitos mais exemplares do A. afarensis tenham sido descobertos, este exemplar de um bébé afarensis, cuja idade foi estimada em 3 anos, é o mais completo descoberto, e inclui a escápula ou omoplata, osso nunca encontrado antes. A escápula do A. afarensis apresenta características intermédias entre a escápula dos homens e macacos modernos que permitem concluir que este nosso antepassado remoto estava a perder as suas capacidades de locomoção nas árvores.

E de facto, uma análise do esqueleto de Lucy tinha permitido chegar à conclusão que Lucy exibia bipedalismo. Os membros inferiores do Australopithecus afarensis não eram simiescos e são quasi indistinguíveis dos membros inferiores humanos. Nos humanos, por exemplo, os ossos do calcanhar têm uma almofada alargada composta de osso esponjoso que absorve o impacto gerado pelo bipedalismo. O calcanhar do esqueleto de Lucy exibe esse osso esponjoso enquanto os macacos, que se movem apoiando-se nas articulações interfalângicas (dedos), não apresentam essa almofada óssea. O fémur de Lucy, embora proporcionalmente mais longo que nos humanos modernos, exibia uma série de características claramente humanas. Nos humanos, o colo do fémur apresenta um centro esponjoso que absorve o impacto de caminhar e uma camada mais espessa de osso compacto no topo da articulação para suportar o esforço. Nos macacos, este arranjo é totalmente diferente; o colo do fémur é quase completamente sólido, apresentando apenas um pequeno núcleo central de osso esponjoso.

O fémur dos macacos apresenta uma quilha larga ao longo da parte superior do colo onde se une com o receptáculo da anca. O fémur do Australopithecus afarensis é idêntico neste arranjo ao fémur humano. É na cintura pélvica, no entanto, que as características humanóides e o bipedalismo do Australopithecus afarensis são mais claramente evidentes. Na realidade, a cintura pélvica do Australopithecus afarensis, com o seu sacro proporcionalmente mais largo que o dos humanos modernos, era mais adequada ao bipedalismo que a nossa. Nos humanos um sacro tão largo estreitaria o canal de parto e tornaria impossível o parto, o que não acontecia no Afarensis que apresentava uma dimensão craniana muito inferior.

Este trilho de pegadas de hominídeos, descoberto em 1978 por Mary Leakey numa camada de cinzas vulcânicas com mais de três e meio milhões de anos, num sítio próximo de Laetoli na Tanzânia, mostra claramente mostram que a espécie que deixou estas marcas caminhava de forma bípede eficientemente, como um humano. Não há evidência de um polegar divergente como apresentado pelos macacos, e foi encontrado um arco plantar muito similar ao humano. Um modelo do pé do A. afarensis reconstruído a partir dos ossos fósseis recuperados, encaixa-se perfeitamente nas pegadas de Laetoli.

O osso hióide (o Hyoideum ou osso da língua) do Selam, por outro lado, apresenta mais semelhanças com o análogo nos chimpazés modernos o que implica uma capacidade de vocalização muito próxima da dos macacos e que um longo caminho evolucional foi percorrido para o desenvolvimento das nossas capacidades discursivas.

Não há ainda reacções dos criacionistas a esta descoberta que comprova claramente o carácter transicional do Afarensis, provavelmente vão continuar a negar todas as características humanóides do Afarensis e pretender que este é apenas mais um macaco e que as pegadas de Laetoli foram feitas não pelo A. Afarensis mas por um homem igualzinho aos homens modernos, criado à imagem de Deus!