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Dia: 19 de Junho, 2006

19 de Junho, 2006 Carlos Esperança

À conversa com o pregador João César das Neves

A homilia, de hoje, do santo pregador católico, João César das Neves, é portadora de avanços teológicos (V/ Diário de Notícias) no que diz respeito ao domicílio do Inferno (sito no Céu em regime de sublocação).

JCN – Vivemos numa daquelas raras épocas que não sabe bem o que pensar acerca do Céu e do Inferno – diz com a sabedoria dos eleitos, do Papa e da irmã Lúcia. Deixa-nos a convicção de que sabe muito bem, não por ouvir dizer, mas, tal como Bush, por falar com Deus.

Diário Ateísta: (em pensamento) O raio dos alcalóides!

JCN – O segundo elemento desta questão é que Deus nos ama apaixonadamente, a todos e a cada um, porque «Deus é amor» (1 Jo 4, 8 e 16). Assim, na Sua própria natureza, Deus quer a total felicidade para qualquer pessoa. Isso significa que Deus não condena ninguém. Ele leva sempre todos para o Céu.

D. A. – Com a paixão, Deus manda guerras, terramotos, maremotos, epidemias, pragas e outras manifestações da sua infinita bondade para mais depressa chamar as pessoas ao gozo da sua divina companhia.

JCN – Deus quer a total felicidade para qualquer pessoa. Isso significa que Deus não condena ninguém. Ele leva sempre todos para o Céu.

D. A. – Então o Inferno está às moscas!?

JCN – Tal significa que há zonas do Céu em que o egoísmo elimina o amor, em que a violência e o prazer são os objectivos, em que o orgulho expulsa o próprio Deus. A essas zonas do Céu chama-se Inferno.

D. A. – (verificando que Deus se converteu à economia de mercado e aproveita o direito de sublocação) – Então o Diabo existe?

JCN – Claro que existe.(…) De facto, quando deixámos de acreditar nessa personificação maléfica, baixámos as defesas e passámos a tolerar algumas das suas manifestações mais horríveis. Aborto, depravação, pornografia, gula, arrogância, e muitas outras, são hoje vistas como anedotas, expressões de personalidade, traços culturais, comportamentos excêntricos. Por isso o Diabo nunca foi tão visível como desde que deixámos de falar dele.

D. A. – Ah! E isso do lago do fogo, do Juízo final, dos condenados?

JCN (com evangélica paciência) – Trata-se simplesmente de uma forma sugestiva e colorida de dizer o mesmo, como uma mãe que assusta o filho com o papão se ele mexer em fósforos ou fichas eléctricas. O nosso tempo age como o rapazola insolente que, descobrindo que não há papões, vai meter os dedos na tomada de corrente.

Nota: As frases de JCN e algumas do Diário Ateísta são da homilia de hoje – «Ideias claras sobre o essencial».

19 de Junho, 2006 pfontela

Declaração de Guerra

Há quem se ofenda com a forma como muitos autores deste espaço tratam a religião organizada, considerando que estamos aqui a destilar veneno por puro prazer. A realidade da situação é bastante mais complicada que isso. Posso estar à vontade para dizer que o meu ateísmo nada tem de emocional, não me tornei ateu porque senti uma grande injustiça no mundo ou porque tive uma vida difícil e ninguém atendeu as minhas orações; Tornei-me ateu pelo empirismo, pela impossibilidade de aceitar dogmas, sejam eles de que natureza forem. Só os factos e indícios importam.

Mas isso por si só não chega para entender a minha participação neste espaço, muitos dos meus posts têm um teor que mais que ateu é 100% anti-clerical. E isso justifica-se com poucos argumentos: se o empirismo é a base do meu ateísmo o conservadorismo, obscurantismo e, acima de tudo, o ódio negro que vejo a grandes religiões organizadas debitar sem qualquer pudor ou bom senso tornaram-me ferozmente anti-clerical, e como cresci em Portugal sou principalmente anti-católico. Não tenho que me envergonhar das posições que tomo! Como cidadão da República estou a cumprir o meu dever cívico ao lutar para que o ódio religioso se extinga e que a manipulação política do estado por parte de organizações religiosas chegue ao seu fim.

Reconheço a boa vontade daqueles que tentam chegar a uma posição intermédia e que pensam ainda ser possível chegar a um acordo com as formas mais violentas de crença e clericalismo, mas também sei ver a sua ingenuidade. Há príncipos que não se podem negociar já que ao fazê-lo estamos a comprometer tudo o que somos (ex: não podemos ceder a pressões religiosas para suprimir vozes críticas ou regressaremos ao jogo do gato e do rato com uma censura religiosa imposta por meia dúzia de fanáticos que gostam de brincar aos inquisidores).

Não negociarei a liberdade (minha ou dos outros). Não negociarei a genuína dignidade humana (aquela que deriva do uso da razão – e não a falsificação que Roma nos quer impingir). Não renegarei o meu legado iluminista! Nao haverá “paz” entre os dois lados enquanto:

– Organizações religiosas abusarem do seu estatuto legal e da sua plataforma pública para lançar a ataques à razão e atiçar ódios ancestrais.
– Os abusos religiosos (camuflados enquanto liberdades religiosas) continuarem impunes.
– Todos os campos da ciência e da técnica não forem completamente liberados de amarras religiosas.
– Todas fés não renunciarem a todos os projectos de natureza política.
– As religiões tentarem mascarar os seus ódios e vicios com falsas virtudes.
– A religião não for totalmente confinada à esfera pessoal, que é a sua única posição possível numa sociedade livre.

Isto é um conflicto entre duas formas de ver o mundo, em que a negociação está fora de questão. Para o indivíduo, enquanto ser livre, poder prosperar e atingir os seus objectivos é necessário que a divisão que separa a política, a ciência e a lei da religião seja a mais forte possível. Sobre este ponto todos os defensores da laicidade têm a obrigação de travar o seu último combate – se tal for necessário.

19 de Junho, 2006 Carlos Esperança

A mentira da religião

A mentira, se não for contestada, triunfa e torna-se obrigatória se ninguém se opuser. A origem divina do poder apenas foi abandonada quando a correlação de forças se alterou a favor do voto popular, universal e secreto.

A liberdade religiosa conquistou-se com a derrota dos detentores do deus verdadeiro, imposto por métodos persuasivos que tornaram mais prudente a crença do que a dúvida.

O progresso é o caminho percorrido por homens e mulheres em busca da verdade, que exige sacrifícios, contra os preconceitos da fé, que dispõe de cumplicidades poderosas.

Até hoje, o progresso tem feito o seu caminho, às vezes com recuos brutais, mas quase sempre como prenúncio de novos avanços. Mas ninguém tenha ilusões, não há vitórias definitivas nem democracias vitalícias.

A religião é a superstição estruturada e hierarquizada. As religiões começaram por ser movimentos populares e acabaram em empresas de cuja sobrevivência depende o clero.

Não há lei sem sanções tal como não há Deus sem castigos. A ignorância, a angústia e o medo são ingredientes que dão vigor à fé e a punição e o terror são a força que perpetua o poder do clero.

Os homens vivem bem sem Deus mas este não pode prescindir daqueles. Padres, rabis e mullahs terão de procurar ocupação quando as religiões do livro fizerem companhia aos deuses gregos e romanos que dividiam entre si as virtudes e os defeitos dos homens.

A pouco e pouco as mentiras judaico-cristãs vão sendo desmascaradas, bem como o seu plágio mais grosseiro – o islão. As religiões não resistem à erosão do tempo e ao avanço da ciência, mas, à semelhança das feras, serão ferozes no estertor.