Loading

Dia: 24 de Maio, 2006

24 de Maio, 2006 Ricardo Alves

O pensamento de Josemaría Escrivá (1): humilhação

A principal obra de Josemaría Escrivá, o fundador do Opus Dei, chama-se Caminho e consiste em 999 «considerações espirituais». É uma leitura imprescindível para quem queira compreender a autêntica «lavagem ao cérebro» a que esta organização submete os seus membros.

Os temas recorrentes do livro (para além do apelo à oração e outras trivialidades cristãs) são a humilhação e a obediência. A intenção, como se compreende pela leitura do livro e pelas descrições conhecidas do funcionamento interno da organização, é a mesma de qualquer outra seita em que se submete o indivíduo para melhor o utilizar: destruir tudo o que estrutura a personalidade do sujeito, nomeadamente o seu orgulho e os seus instintos, fazendo dessa terraplanagem da personalidade uma virtude, e recompensando-a com a progressão dentro da organização. As citações seguintes, todas retiradas do livro Caminho, ilustram a glorificação da humilhação segundo Josemaría Escrivá.

  • «- Nega-te a ti mesmo. – É tão belo ser vítima.» (175) «Quando te vires como és, há-de parecer-te natural que te desprezem.» (593) «Não te esqueças de que és… o depósito do lixo. (…) Humilha-te; não sabes que és o caixote do lixo?» (592) «Não és humilde quando te humilhas, mas quando te humilham e o aceitas por Cristo.» (594) «Mortificação interior. – Não acredito na tua mortificação interior, se vejo que desprezas, que não praticas a mortificação dos sentidos.» (181) «Onde não há mortificação, não há virtude.» (180)

Escrivá encoraja os seus seguidores não apenas a humilhar-se ou a fazer humilhar-se por outros (convido o leitor a imaginar a cena…), mas convence-os também a procurar activamente a dor moral e até física que, numa inversão de valores típica do pensamento católico, considera «bendita».

  • «Bendita seja a dor. Amada seja a dor. Santificada seja a dor… Glorificada seja a dor!» (208) «Se sabes que essas dores – físicas ou morais – são purificação e merecimento, bendi-las.» (219) «Não esqueças que a Dor é a pedra de toque do Amor.» (439)

Escrivá encoraja ainda os seus adeptos a reprimirem ferozmente os instintos mais naturais de qualquer animal (comer e procriar), elevando sempre a repressão destes instintos a virtude. É evidente que quer os prazeres da cama quer os prazeres da mesa podem desviar as suas ovelhinhas do rebanho, e «perdê-las» da seita…

  • «Quando te decidires com firmeza a ter vida limpa, a castidade não será para ti um fardo: será coroa triunfal.» (123) «O matrimónio é para os soldados e não para o estado-maior de Cristo. – Ao passo que comer é uma exigência de cada indivíduo, procriar é apenas uma exigência da espécie, podendo delas desinteressar-se as pessoas individualmente. (…)» (28) «A gula é um vício feio. (…)» (679) «À mesa, não fales de comida; isso é uma grosseria, imprópria de ti. (…)» (680) «No dia em que te levantares da mesa sem teres feito uma pequena mortificação, comeste como um pagão.» (681)

Portanto, qualquer membro do Opus Dei se deve privar, em todas as refeições, de enchidos ou de açúcar no café, de água ou de vinho, de sobremesa ou de prato principal, como forma de «mortificação». Assim se assegura que o membro não se distraia perante uma mesa cheia de bons petiscos e bons vinhos. (Felizmente existe o contrário desta vida castradora: as delícias do hedonismo…)

O corpo, porque pode levar o jovem a desviar-se do caminho, é visto, obviamente, como um inimigo a tratar com violência, e a auto-tortura é inevitavelmente considerada uma virtude.

  • «Se sabes que o teu corpo é teu inimigo, e inimigo da glória de Deus, por sê-lo da tua santificação, porque o tratas com tanta brandura?» (227)

Convencido o jovem de que é «lixo», destruído o seu amor-próprio e controlados os seus instintos mais naturais, o «lixo» pode ser reciclado. Como? Obedecendo…

  • «Padre: como pode suportar todo este lixo? – disseste-me, depois de uma confissão contrita. Calei-me, pensando que, se a tua humildade te leva a sentires-te isso – lixo, um montão de lixo – ainda poderemos fazer algo de grande da tua miséria.» (605)

É neste ponto, quando a personalidade do jovem está submetida, que Escrivá lhe recomenda que se entregue aos pés de um «director espiritual» que o dirija, pense por ele, escolha livros por ele, e possivelmente lhe dê ordens não apenas «espirituais»…

(continua)

24 de Maio, 2006 Palmira Silva

Código da Vinci: a saga continua

O ministro de Informação indiano, Priya Ranjan Dasmunsi, que a meio da semana passada adiou a estreia do «Código da Vinci» neste país, viu o filme na companhia dos dignitários católicos que pretendiam a proibição do filme no país laico e de população maioritariamente hindu (os católicos são menos de 2%), mas não encontrou algo ofensivo nele.

Assim, embora Donald D’Souza, o dignitário mor da Conferência Episcopal indiana, tenha afirmado que o filme é «inaceitável para a comunidade cristã da Índia», o filme poderá ser visto neste país a partir de sexta-feira, sem cortes, mas com dois imponentes avisos, um no início e outro no final do filme, informando os espectadores de que se trata de uma obra de ficção sem qualquer semelhança com a «verdade histórica» por insistência da Conferência de bispos católicos. Para além disso, a pedido dos mesmos, será interdito a menores de 18 anos, já que os ilustres dignitários, que insistem na necessidade de impingir a sua mitologia em crianças o mais cedo possível, consideram que apenas adultos «sabem distinguir a realidade da ficção».

Os avisos afirmam «Os caracteres e incidentes retratados e os nomes indicados são fictícios e qualquer semelhança com nomes, caracteres e história de qualquer pessoa é pura coincidência e não intencional».

Apenas no estado maioritariamente católico, Nagaland, cujas autoridades expressaram um «ressentimento sério» contra o governo central por este ter permitido a exibição do filme, este será banido. De facto, a Igreja Católica detém uma influência política importante neste estado indiano, cujo principal partido separatista, o NSCN, tem como slogan «Nagaland para Cristo». No entanto, em Kerala os católicos locais tentam igualmente que o filme seja proibido. Em Meghalaya o partido maioritário da coligação local já expressou a sua oposição à permissão de exibição do filme pelo Central Board of Film Certification.

De igual forma, uma organização de direita hindu, o Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), aproveitou os protestos católicos, que supostamente apoia, para contestar a laicidade do estado e criticar o que considera ser o tratamento preferencial concedido a esta religião ultra-minoritária na Índia, enquanto «A reacção do governo não foi a mesma no que toca a ferir os sentimentos hindus, nomeadamente nos filmes ‘Water’ e ‘Fire’». Estes filmes de Deepa Mehta provocaram fortes reacções dos radicais hindus que queimaram efígies de Deepa Mehta em protesto pelo facto de os filmes não terem sido censurados.

Não se sabe ainda a reacção do Fórum Social Católico (CSF) da Índia que convocou uma greve de fome por tempo indeterminado, em protesto pela estreia no país do filme, e que que pretende ensinar a Dan Brown o respeito pela mitologia católica oferecendo uma recompensa pela sua cabeça.

De facto, o seu dirigente Joseph Dias iniciou uma «greve de fome até à morte» e convidou outros devotos católicos a juntarem-se à iniciativa prometendo não se alimentar (não especificando se as hóstias são consideradas alimento) até o filme ser proibido. Agora que a sua pueril chantagem não funcionou o devoto católico ainda não se pronunciou sobre a continuidade da greve…

24 de Maio, 2006 Carlos Esperança

Quo Vadis Ratzinger?

Em tempos de JP2, um clérigo ilustrado mas rural, poliglota e crente em Deus, a ICAR tornou-se ainda mais conservadora, adoptou a teologia do preservativo e mostrou-se insensível à SIDA e a outras doenças sexualmente transmissíveis.

JP2 era um provinciano habituado a viver em ditadura, um crente que julgava de origem divina a Bíblia e acreditava na Senhora de Fátima. Se fosse cientista era uma alimária, sendo Papa foi um místico.

A intolerância era apanágio do múnus e da formação, a postura misógina uma exigência do Evangelho e a moral sexual um misto da repressão própria e dos desvarios dos santos doutores da Igreja católica.

Recalcitraram alguns teólogos e outros clérigos que não tinham o espírito embotado da atrasada Polónia. Com a ajuda do cardeal Ratzinger a todos calou. Afastaram-se uns, submeteram-se outros e foi a mais reaccionária e política das seitas católicas – o Opus Dei -, que marcou ideologicamente o pontificado de JP2.

Após a deprimente exploração da decrepitude do autocrata, falhado o último suspiro em directo para as televisões, a Cúria encenou o espectáculo fúnebre com pompa e propaganda. Fizeram-lhe um lindo enterro, como soe dizer-se.

O inquisidor de serviço fez-se Papa e o Opus Dei reforçou o poder. O conservadorismo e a luta política contra as decisões democráticas dos povos ganhou novo fervor e uma conjura internacional está a ser preparada contra a laicidade e o secularismo.

Bento 16 é um Torquemada actualizado. A SSPX do excomungado bispo Lefebvre dá-se com o inquisidor Ratzinger como Deus com os anjos, como se diz em jargão pio.

Não é estranho que não haja dissidentes? Ou a ICAR já não representa ninguém ou o controlo ideológico e a repressão impedem a discordância teológica.

Roma está cada vez mais parecida com Meca. Os prosélitos da Bíblia são clones dos suicidas islâmicos e o clero de um e outro antro é cada vez mais parecido no desvario, na intolerância e na ânsia de poder.

A fé é um veneno perigoso.