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Dia: 27 de Fevereiro, 2006

27 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

O Vaticano e o Islão – II

Que Ratzinger advoga implicitamente um retorno aos «gloriosos» tempos medievais em que Roma dominava todos os aspectos da vida europeia é absolutamente claro no seu livro, «Sem raízes» (Without Roots), escrito com Marcello Pera, presidente do Senado italiano e membro do Forza Italia de Silvio Berlusconi, em que nos é «explicado» como o secularismo, isto é a laicidade, e o multiculturalismo estão a matar a Europa e como apenas o regresso ao fundamentalismo cristão pode salvar a Europa.

Num livro que explora os medos da actualidade europeia, Ratzinger afirma que a laicidade e consequente recusa da herança cristã (isto é, ser o Vaticano a reger a Europa) deixa a Europa incapaz de responder à ameaça islâmica. Porque a resposta à ameaça islâmica é mostrar que o cristianismo é melhor que o islamismo. A incapacidade de resistir a um Islão, que segundo o livro declarou e conduz uma guerra ao Ocidente, é ditada pela abominável laicidade que impede os europeus de assumirem e afirmarem a superioridade do cristianismo!

Entre os pontos abordados no livro, que ainda não li na totalidade, há alguns que merecem destaque. Nomeadamente

-Como a falta de valores cristãos pela Europa e a sua falta de identidade explica porquê tantos europeus se opuseram à segunda guerra no Iraque e à iniciativa «democrática» de George W. Bush no Médio Oriente;

-E porquê os católicos têm de admitir que o diálogo inter-religiões promovido pelo concílio Vaticano II falhou (e deve ser abandonado).

Assim a ICAR deixou de se rever na Nostra Aetate, que exortava «os seus filhos a que, com prudência e caridade, pelo diálogo e colaboração com os sequazes doutras religiões, dando testemunho da vida e fé cristãs, reconheçam, conservem e promovam os bens espirituais e morais e os valores sócio culturais que entre eles se encontram» e na Dignitatis Humanae, que reconhecia o direito à liberdade de religião. Como seria expectável da eleição do autor do Dominus Iesus.

A mudança do discurso ecuménico do Concílio Vaticano II, mais um indício da negação crescente deste, é facilmente confirmada nas recentes emanações do Vaticano em relação à guerra dos cartoons. De facto, depois de criticar a publicação dos cartoons aproveitando o incidente para exigir «respeito» pelas religiões, mais concretamente nas palavras de Bento XVI, «É necessário e urgente que as religiões e os seus símbolos sejam respeitados e que os crentes não sejam alvo de provocações que firam a sua iniciativa e os seus sentimentos religiosos», o Vaticano adverte agora que se o Islão exige respeito pela sua religião então tem de respeitar as restantes.

«Se nós dizemos aos nossos que não têm direito a ofender, temos de dizer aos outros que não têm o direito de nos destruir» declarou em Roma o Cardeal Angelo Sodano, o secretário de estado do Vaticano.

«Nós devemos frisar sempre a nossa exigência de reciprocidade» reforçou o ministro dos Negócios Estrangeiros o arcebispo Archbishop Giovanni Lajolo ao Corriere della Sera, em uníssono com Bento XVI que na sua recente conversa com o embaixador de Marrocos frisou que a paz só pode ser assegurada pelo «respeito pelas convicções religiosas e práticos dos outros, de forma recíproca em todas as sociedades».

Atentando à declaração do Cairo dos direitos humanos no Islão, mais concretamente ao seu artigo 10:

Artigo 10
O Islão é a religião da natureza não conspurcada. É proíbido exercer qualquer forma de compulsão no homem ou explorar a sua pobreza ou ignorância para o converter a outra religião ou ao ateísmo

parece-me complicado que a reciprocidade exigida pelo Vaticano se consubstancie no que pareceria linear das palavras dos dignitários máximos do Vaticano.

A linha de acção proposta pelo Vaticano é mais explícita se atentarmos ao que dizem os dignitários intermédios, nomeadamente às palavras do bispo Rino Fisichella, reitor da Pontifical Lateran University, uma das Universidades que treinam padres de todo o mundo, «Devemos pressionar as organizações internacionais para que as sociedades e estados de maioria muçulmana enfrentem as suas responsabilidades».

Diria que as palavras do monsenhor Velasio De Paolis, secretário do Supremo Tribunal do Vaticano, nos esclarecem melhor sobre o que significa este enfrentar de responsabilidades:

«Já chega deste oferecer da outra face! É nosso dever defendermo-nos».

A mesma reacção da Associação Cristã da Nigéria (CAN), bem expressas pelo seu dignitário máximo, o arcebispo Peter Akinola, «Podemos nesta altura recordar aos nossos irmãos muçulmanos que eles não detêm o monopólio da violência nesta nação». Como se viu

27 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Deus e deuses

Gosto dos deuses gregos e do plágio que deles fizeram os romanos. Quando se tornam mitos os deuses ficam simpáticos, enquanto vivos são perigosos.

Os deuses, numerosos, tinham força, graça e beleza. Tinham sexo e reproduziam-se. Eram humanos e tornaram-se agradáveis, talvez por terem caído em desgraça.

O deus monoteísta, protector de tribos convencidas de serem o povo eleito, juntou em si o pior que os homens tinham e o mais execrável de que só deus é capaz.

Os homens, às vezes, são cruéis, deus é sempre e mantém-se eternamente vingativo. Os homens são machistas, prepotentes e arrogantes, deus é tudo isso, divinamente, e muito mais. É misógino e tem o culto da personalidade.

Deus gosta de orações, sacrifícios e jejuns. Adora liturgias idiotas em hebraico, árabe ou latim. Deseja ver pessoas de joelhos ou de rastos. É um déspota de baixo nível e egoísta de alto coturno.

De tanto assustar os homens foram-se estes cansando dele e deixam-no morrer, devagar, como quem esquece o algoz, se emancipa do opressor e prefere a liberdade à obediência e a felicidade de um só dia à glória da eternidade.

Progressivamente, os homens sobrepõem os seus direitos aos caprichos divinos, trocam a teocracia pela democracia e a vontade individual prevalece sobre a de deus. Este não vive sem o clero, a sua guarda pretoriana que lhe interpreta a vontade e a impõe à força.

A única desculpa de deus são os homens que o criaram e os parasitas que vivem dele.