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Dia: 13 de Dezembro, 2005

13 de Dezembro, 2005 fburnay

Momento Zen de Segunda-Feira (III)

Como se não chegasse já a trapalhada, JCN prossegue dizendo que «não foi apenas a Física a revelar-se assustadora». E se eu não sabia que a Física era assustadora, fiquei também a saber que o Livro Vermelho de Mao é um produto do conhecimento científico! O despropósito faria corar o leitor que desconhecesse a tradição semanal de JCN. É que o Partido Comunista Chinês fez «uma avaliação lúcida da situação international e interna com base na ciência do marxismo-leninismo», como se lê num dos capítulos do livro de Mao.

Aqui JCN dá um valente tiro no pé – primeiro o marxismo-leninismo não é uma ciência; segundo, se era esta a “Ciência” a que se referia Schumpeter, então toda a anterior análise não só confirma a tal apropriação de linguagem de que falei como mostra que o contexto é completamente alheio ao de JCN. Mas o livre-debitador ou não repara nisso ou não quer reparar. O marxismo-leninismo e a teoria de superioridade racial nazi arrasaram ainda mais do que a bomba atómica, diz-nos JCN, certamente convencido que essas duas “teorias” são produtos da Ciência.

Não se tendo cansado de se contradizer, JCN continua, pondo desta vez em cena a mui famosa e pós-modernista «perda de objectividade da própria Ciência». Sim, porque a Ciência foi eleita a crença, uma forma de fé. E se o foi, de facto, por quem não a compreende não o foi certamente por culpa da própria Ciência. Depois da “pulverização” do conhecimento anterior chega o “relativismo” do debate científico – onde todos discutem sem que ninguém chegue a conclusão nenhuma. Isso é próprio dos meios pseudo-intelectuais ou movidos por interesses políticos, onde os sofismas valem mais que os factos. Mais uma vez, a apropriação indevida do calão tecno-científico por todos os que se querem fazer ouvir mancha a honra da Ciência, que nada tem a ver com isso! Quem paga é a reputação de cientistas sérios, que produzem Ciência a sério, longe das charlatanices de meia tigela dos que se pretendem sérios e rigorosos…

E JCN atira para o campo das discussões infrutíferas uma data de questões que o atormentam certamente: a natureza da homossexualidade, a origem da vida, etc., misturadas com questões de ordem sociológica como a frivolidade das dietas ou a estabilidade matrimonial, dizendo que está-se ainda mais confuso hoje do que no passado… Há 100 anos não se conheciam sequer as hormonas sexuais! O clítoris era alvo de fabulações psicológicas! A homossexualidade era desordem psicológica grave! Obviamente que na completa ignorância não há confusão absolutamente nenhuma – pois se não há conhecimento! Talvez para JCN haja coisas nas quais não se deva mexer – se para a Igreja todas essas questões estão resolvidas há séculos, de que maior prova de estabilidade precisamos?

Para finalizar JCN acusa a demagogia e o discurso pós-modernista. Dois métodos que usou sem descanso ao longo de todo o texto, diga-se! E JCN tem uma tal aversão à Ciência que nos remata com uma expressão da qual nunca me esquecerei:

«Em Oitocentos via-se o laboratório como em Setecentos se tinha visto o oratório. Novecentos descobriu-se num velório.»

Que posso eu concluir? Que para JCN a Ciência é a própria Morte! Nada traz senão destruição e confusão para os povos: bombas, ditaduras, caos! Substitui-se a Religião e veja-se no que deu! O Apocalipse! O relativismo dos valores! Nada a registar nos últimos 100 anos de Ciência senão um cinzento e triste velório condolente!

Aqueles que tentam denegrir a Ciência nunca o fazem sem defender a ignorância. Isto à custa da reputação daqueles que todos os dias trabalham para fazer do nosso mundo um sítio melhor e que acarretam uma injusta fatia da culpa do mau uso do conhecimento que nos dão. Esquecendo por completo todas as vidas que se salvaram graças à Ciência, desde a vacina para a raiva de Pasteur ao transplante de corações, passando pela cura da lepra, pela aspirina, pelos progressos feitos na agricultura, pelas tecnologias que melhoram as condições de trabalho de milhões de pessoas pelo mundo fora e, sobretudo, pela mais valia que é o espírito crítico – imprescindível para a Ciência e para a Humanidade.

João César das Neves devia ter vergonha. Tem medo da Ciência, aversão aos seus progressos e uma grande fé certamente. Mas o que devia ter era vergonha.

13 de Dezembro, 2005 fburnay

Momento Zen de Segunda-Feira (II)

No seguimento das suas elaborações filosóficas JCN cita Schumpeter para descrever o estado da “Ciência”, retirando um excerto de um livro desse autor intitulado “Capitalism, Socialism and Democracy”:

«A junção das ânsias extra-racionais que o retrocesso da religião tinha deixado errantes como cão sem dono, com as tendências racionalistas e materialistas da época, então inelutáveis, que não toleravam nenhum credo que não tivesse conotações científicas ou pseudocientíficas»

Que a Ciência se tenha tornado um estandarte da seriedade e da objectividade para alguns e que preenchesse lacunas ideológicas de outros, é uma coisa. Que a Ciência tenha alguma coisa a ver com isso, é outra! Se o rigor científico entrava na ordem do dia isso acontecia precisamente porque a Ciência era conhecida por ser rigorosa. O mesmo se passa com o advento do “magnetismo” espiritista que mais não é que uma tentativa de tornar científica a crença em entidades sobrenaturais numa altura em que se começava a explicar os fenómenos electromagnéticos. É normal que haja quem se aproprie de termos científicos para tornar os seu discurso mais credível…

E os dividendos tecnológicos da Ciência em geral são tratados por JCN de uma forma absolutamente tétrica! Para além de se referir a bombas atómicas num dos mais famosos lugares-comuns dos males para os quais a Ciência foi utilizada, JCN enumera toda uma lista de tragédias que supostamente nos foram dadas pela Ciência. É ainda difícil para algumas pessoas separar a Ciência e o conhecimento científico dos fins que lhes damos.
Assim JCN fala no napalm e no aquecimento global… O napalm é um cocktail explosivo, uma receita caseira para matar gente, inventada por militares, que nada tem a ver com progresso científico. O aquecimento global é, quando muito, um efeito da indústria e que, mais uma vez, nada tem a ver com conhecimento científico senão com o uso que lhe damos… E assim vai JCN denegrindo o progresso científico, empurrando-o para uma galeria dos horrores da História da Humanidade – no fundo, um terrível pecado do Homem, qual incauto Prometeu brincando com o fogo. Mencionando convenientemente os embriões congelados e a clonagem, esses espectros que teimam em assombrar as opiniões semanais deste autor.

13 de Dezembro, 2005 fburnay

Momento Zen de Segunda-Feira (I)

Para João César das Neves não há almoços grátis. Mas fantasias gratuitas, sem ponta por onde se lhe pegar nem qualquer consideração pelos leitores, há e com fartura.

O opinador do Diário de Notícias presenteou-nos desta vez com um artigo sobre Ciência… Ou melhor, sobre aquilo que acha que a Ciência é, num misto de contradições, absurdidades e tiros nos pés.

Este ano correu alegremente o Ano Internacional da Física. Centenas de pessoas e de cientistas, divulgando a Física, dedicaram-se a relembrar e a dar a conhecer o annus mirabilis de Einstein, 1905, em que este publicou três importantes artigos que iriam mudar a História da Física e da Ciência.

Começando logo por aqui, JCN fala-nos de quatro artigos. São três os principais, sendo cinco no total. JCN chama à publicação de Einstein um «facto espantoso, que revoluciona a forma como vemos a matéria». A matéria? Revoluciona a nossa visão do Universo, certamente, e da matéria em particular. Depois fala de «teorias da relatividade» (ênfase no plural) quando somente a Relatividade Restrita faz parte desse conjunto – a Teoria da Relatividade Geral só estaria completa posteriormente.

Isto mostra a completa ignorância de JCN sobre os artigos de Einstein e suas implicações. Não me passa pela cabeça exigir de JCN um conhecimento detalhado da Física subjacente mas pedia-lhe, no mínimo, algum cuidado na substanciação daquilo que diz. Uma rápida pesquisa na Internet seria suficiente para dissolver estas gralhas… Sugestão: procurar ‘world+year+physics’ no Google. Não é aterradoramente simples? Viva a era da informação…!

O aplicado elucubrador segue descrevendo o estado civilizacional da Humanidade, anterior a Einstein, fascinada com a Ciência e que tão prontamente se desiludiu com a chegada da nova Física e seus derivados tecnológicos. Quanto à pulverização das «certezas evidentes», JCN deve estar a referir-se à vitória das Mecânicas Relativista e Quântica sobre a Mecânica Clássica. A questão que se põe aqui é que a Mecânica Clássica era tida pelos cientistas da altura como poderosa o suficiente para descrever matematicamente o Universo. É certo que se enganaram – mas os corolários clássicos ainda são utilizados correntemente em diversas aplicações da engenharia. A forma como JCN descreve o processo de falsificação do conhecimento é típica de quem não compreende a Ciência, acabando na situação caricata de apontar defeitos onde eles não existem.

De seguida JCN diz-nos que «a era nascida em 1905 veria muitos cientistas, incluindo Einstein, ansiosos por desaprender resultados desse progresso». O que quer JCN dizer com “desaprender”? Se a leitura que pretende fazer é a de que os resultados de alguns proveitos técnicos gerados pelo conhecimento científico, como a bomba nuclear, criaram algum remorso em cientistas como Einstein, então JCN está enganado. Einstein nada teve a ver com a bomba. E por muitas questões que esse tipo de problemas traga à sociedade isso nada tem a ver com desaprender seja o que for. Por muito que todos os cientistas envolvidos no projecto Manhattan se tenham arrependido, o que eles criaram foi conhecimento – a bomba foi criada por militares e posta em uso por políticos.