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Momento Zen de Segunda-Feira (III)

Como se não chegasse já a trapalhada, JCN prossegue dizendo que «não foi apenas a Física a revelar-se assustadora». E se eu não sabia que a Física era assustadora, fiquei também a saber que o Livro Vermelho de Mao é um produto do conhecimento científico! O despropósito faria corar o leitor que desconhecesse a tradição semanal de JCN. É que o Partido Comunista Chinês fez «uma avaliação lúcida da situação international e interna com base na ciência do marxismo-leninismo», como se lê num dos capítulos do livro de Mao.

Aqui JCN dá um valente tiro no pé – primeiro o marxismo-leninismo não é uma ciência; segundo, se era esta a “Ciência” a que se referia Schumpeter, então toda a anterior análise não só confirma a tal apropriação de linguagem de que falei como mostra que o contexto é completamente alheio ao de JCN. Mas o livre-debitador ou não repara nisso ou não quer reparar. O marxismo-leninismo e a teoria de superioridade racial nazi arrasaram ainda mais do que a bomba atómica, diz-nos JCN, certamente convencido que essas duas “teorias” são produtos da Ciência.

Não se tendo cansado de se contradizer, JCN continua, pondo desta vez em cena a mui famosa e pós-modernista «perda de objectividade da própria Ciência». Sim, porque a Ciência foi eleita a crença, uma forma de fé. E se o foi, de facto, por quem não a compreende não o foi certamente por culpa da própria Ciência. Depois da “pulverização” do conhecimento anterior chega o “relativismo” do debate científico – onde todos discutem sem que ninguém chegue a conclusão nenhuma. Isso é próprio dos meios pseudo-intelectuais ou movidos por interesses políticos, onde os sofismas valem mais que os factos. Mais uma vez, a apropriação indevida do calão tecno-científico por todos os que se querem fazer ouvir mancha a honra da Ciência, que nada tem a ver com isso! Quem paga é a reputação de cientistas sérios, que produzem Ciência a sério, longe das charlatanices de meia tigela dos que se pretendem sérios e rigorosos…

E JCN atira para o campo das discussões infrutíferas uma data de questões que o atormentam certamente: a natureza da homossexualidade, a origem da vida, etc., misturadas com questões de ordem sociológica como a frivolidade das dietas ou a estabilidade matrimonial, dizendo que está-se ainda mais confuso hoje do que no passado… Há 100 anos não se conheciam sequer as hormonas sexuais! O clítoris era alvo de fabulações psicológicas! A homossexualidade era desordem psicológica grave! Obviamente que na completa ignorância não há confusão absolutamente nenhuma – pois se não há conhecimento! Talvez para JCN haja coisas nas quais não se deva mexer – se para a Igreja todas essas questões estão resolvidas há séculos, de que maior prova de estabilidade precisamos?

Para finalizar JCN acusa a demagogia e o discurso pós-modernista. Dois métodos que usou sem descanso ao longo de todo o texto, diga-se! E JCN tem uma tal aversão à Ciência que nos remata com uma expressão da qual nunca me esquecerei:

«Em Oitocentos via-se o laboratório como em Setecentos se tinha visto o oratório. Novecentos descobriu-se num velório.»

Que posso eu concluir? Que para JCN a Ciência é a própria Morte! Nada traz senão destruição e confusão para os povos: bombas, ditaduras, caos! Substitui-se a Religião e veja-se no que deu! O Apocalipse! O relativismo dos valores! Nada a registar nos últimos 100 anos de Ciência senão um cinzento e triste velório condolente!

Aqueles que tentam denegrir a Ciência nunca o fazem sem defender a ignorância. Isto à custa da reputação daqueles que todos os dias trabalham para fazer do nosso mundo um sítio melhor e que acarretam uma injusta fatia da culpa do mau uso do conhecimento que nos dão. Esquecendo por completo todas as vidas que se salvaram graças à Ciência, desde a vacina para a raiva de Pasteur ao transplante de corações, passando pela cura da lepra, pela aspirina, pelos progressos feitos na agricultura, pelas tecnologias que melhoram as condições de trabalho de milhões de pessoas pelo mundo fora e, sobretudo, pela mais valia que é o espírito crítico – imprescindível para a Ciência e para a Humanidade.

João César das Neves devia ter vergonha. Tem medo da Ciência, aversão aos seus progressos e uma grande fé certamente. Mas o que devia ter era vergonha.