Loading

Dia: 29 de Novembro, 2005

29 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Uma religião de aparências

Após o recente sínodo dos bispos católicos fomos informados da piedosa recomendação da Igreja de Roma aos divorciados que casaram novamente ou mantêm uma relação de facto, uma faixa de mercado cada vez maior nas sociedades ocidentais e que por conseguinte a Igreja não quer perder. A dita recomendação, embora pedindo aos muitos católicos nesta situação que participem na missa dominical onde quiserem, aconselha-os a ir a uma igreja onde a sua situação «pecaminosa» não seja conhecida se desejarem comungar, para «evitar que alguém possa ficar escandalizado». Para a Igreja de Roma o importante é não escandalizar os outros, isto é, mais importante que seguir um código de conduta moral, é agir de acordo com o que os outros irão pensar.

Na realidade esta recomendação hipócrita está em plena concordância com uma religião que é apenas uma religião de aparências, sem qualquer coerência moral nas suas posições, contrariamente ao que muitos consideram. Aliás, um dos pontos que me irrita solenemente nalguns católicos com que tive o desprazer de discutir ética e moral é a pseudo superioridade moral com que condescendentemente me informam que têm princípios morais «absolutos», algo que eu como ateísta nunca poderei reinvidicar. E que o importante não é seguir esses princípios (afinal os homens são fracos pecadores) mas poder usá-los como arma de arremesso contra os «imorais» ateus, que até podem ser pessoas bem formadas, com princípios éticos consistentes e coerentes que de facto seguem à risca, mas estes são meramente «utilitários» já que não são divinamente inspirados. E, embora ajam de forma a respeitar os outros, como não afirmam ser a sua regra de ouro o impossível «amor ao próximo» essa é uma conduta imoral porque ateísta e como tal não merece respeito! Isto é, para os católicos o mal feito por quem acredita em Deus deve ser relevado (e é militância ateia recordá-lo); o bem feito por quem nem sequer considera válida a concepção de qualquer ser transcendental é por isso necessariamente considerado se não mal pelo menos um bem meramente utilitário e sem valor!

Na realidade, os muitos sofismas católicos a que alguns chamam doutrina são desenhados apenas para manter aparências e para enganar os mais incautos com uma suposta coerência moral que na realidade é inexistente. Um exemplo perfeito é o chamado «efeito duplo», invocado para permitir o aborto no caso de uma gravidez ectópica, cujo desfecho se não interrompida é a morte da mãe (o embrião a partir do momento em que se implanta nas trompas não tem qualquer hipótese de sobrevivência). Este requinte de imoralidade afirma ser perfeitamente legítima uma acção directa promovida por uma razão moral não obstante ter um efeito indirecto negativo. No caso da gravidez ectópica a aplicação deste sofisma resulta em ser imoral a ingestão de um simples comprimido mas ser moral a mutilação da mulher. Se aplicado no quotidiano poderia resultar em situações bizarras como, por exemplo, ser perfeitamente legítimo aos criadores de porcos de Leiria disporem dos resíduos da respectiva actividade na Ribeira dos Milagres uma vez que poderiam alegar ser o seu intento directo evitar custos que resultariam no despedimento de funcionários. Enfim, há o problema da poluição mas esse é um efeito indirecto, não desejado, negativo é certo mas não intencional!

Tudo isto a propósito de uma notícia a que cheguei via Renas e Veados que dá conta que uma escola católica nova-iorquina despediu uma professora de ensino primário por estar grávida e ser solteira. A demissão de Michelle McCusker, considerada pela escola uma professora com «elevado grau de profissionalismo», aconteceu dois dias depois de ter informado a direcção da escola que estava grávida e pretendia levar a termo a gravidez. As razões indicadas para a demissão explicitam que McCusker violou os princípios religiosos do centro escolar. Que se pressupõem ser ter ousado engravidar fora do matrimónio e não ter feito nada para terminar a gravidez, uma vez que se o tivesse feito continuaria a leccionar na escola Santa Rosa de Lima, no condado de Queens.

Entretanto a União de Liberdades Civis de Nova York (NYCLU), que ganhou uma acção semelhante há dois anos, outra piedosa instituição católica que despediu uma professora que decidiu ter um filho fora do matrimónio, moveu em nome da docente um processo contra a escola à Comissão Federal de Igualdade de Oportunidades no Emprego (EEOC) alegando, correctamente, que este despedimento católico é discriminatório e portanto ilegal.

Acusação que a Liga Católica nega: «A ideia de que a Igreja está a discriminar uma mulher grávida porque é mulher é ridícula, porque é óbvio que os homens não engravidam. Esse é um problema a discutir com a Natureza, não com a Igreja». E eu a pensar que a Natureza era uma invenção dos ateus evolucionistas…

Ou seja, mais uma vez para a Igreja Católica o que é importante são as aparências, e as aparências neste caso são um pouco difíceis de ocultar.

Ficaria agradavelmente surpreendida se a Igreja Católica tivesse reagido em coerência com os propalados valores que os seus devotos debitam abundantemente nas nossas caixas de comentários. Ou seja, uma reacção de amor pelo próximo (a vida da jovem professora não vai ser fácil, sem emprego e num estado em que lhe será difícil arranjar outro num futuro próximo), de perdão e compreensão e, especialmente, de aceitação de alguém, que embora tendo cometido um «erro» segundo os padrões da Igreja, aceitou as consequências desse erro em vez de as esconder.

Mas, claro, uma reacção dessas é impossível para a (i)moralidade católica, que reflecte uma religião apenas de aparências, sem qualquer substância. Aliás, como já o afirmei várias vezes, na minha opinião o grande obstáculo à evolução moral da Humanidade é a religião em geral e a católica em particular. Devido ao seu inegável poder e influência a Igreja de Roma mantém-nos reféns de um modelo social hipócrita, em que é mais importante parecer que ser, e que para além do mais está completamente desadequado da realidade. Enquanto os obsoletos e imorais paradigmas cristãos não forem substituídos por modelos humanistas, centrados na dignidade humana, será difícil ultrapassarmos a crise social que actualmente atravessamos!

29 de Novembro, 2005 Carlos Esperança

Bispo de Coimbra desafia a Constituição

A guerra das cruzetas
Albino Cleto, arcebispo de Coimbra por decisão do Papa, conhece a vontade de Deus e obedece a um obscuro Estado de 44 hectares – o Vaticano -, e não às leis portuguesas.

Durante a ditadura o crucifixo era obrigatório nas escolas, tal como a foto do Presidente da República, vassalo do ditador, e facultativa a de Salazar, que sempre integrava o trio. Dizia-se até que o Cristo estava entre dois ladrões.

A democracia trouxe a liberdade. O Estado tornou-se laico. Os símbolos religiosos deixaram de acompanhar os outros fungos que as paredes das escolas exibiam.

Nas Escolas do Magistério do Estado Novo era obrigatória, de facto, a catolicidade dos futuros professores, havia missa de consagração de curso (obrigatória) e fazia parte do currículo uma cadeira de religião católica em igualdade com a pedagogia, didáctica e psicologia infantil.

Isto passava-se na Guarda, distrito donde saiu este reverendíssimo exemplar apostólico.

No último domingo depois de abençoar um enorme crucifixo na periferia de Coimbra (nada precisará mais de uma bênção do que um crucifixo) o senhor Albino fez um forte ataque à decisão de retirar os símbolos católicos das escolas públicas, durante a missa.

«Não vamos deixar, pois seria cobardia nossa e traição a Deus guardá-los em casa» – disse a reverendíssima criatura para quem o Estado democrático e a Constituição da República não contam.

O Bispo também não gostaria que lhe pusessem o busto da República nas igrejas.

29 de Novembro, 2005 Ricardo Alves

Os crucifixos na escola pública são inconstitucionais

  1. A presença de crucifixos nas salas de aula de escolas públicas é inconstitucional e ilegal. É inconstitucional porque «as igrejas (…) estão separadas do Estado» e «a liberdade de consciência (…) é inviolável» (artigo 41º da Constituição da nossa República), porque «o ensino público não será confessional» (artigo 43º) e porque «todos os cidadãos têm a mesma dignidade e são iguais perante a lei» e «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de (…) religião» (artigo 13º). É ainda ilegal porque «o Estado não adopta qualquer religião» e «ninguém pode ser obrigado a (…) receber (…) propaganda em matéria religiosa» (artigos 4º e 9º da Lei da Liberdade Religiosa).
  2. O actual Presidente da Comissão de Liberdade Religiosa, Menéres Pimentel, enquanto Provedor de Justiça assinou em 1999 um parecer sobre a presença de crucifixos nas salas de aula de uma escola pública de Lisboa, no qual declarou que «trata-se de uma situação desconforme com o princípio da separação das confissões religiosas do Estado e, concomitantemente, com a liberdade religiosa individual e com a liberdade de consciência, que não pode ser sustentada nem pelo peso da tradição, nem pela vontade maioritária ou quase unânime dos encarregados de educação».
  3. A inconstitucionalidade da presença de crucifixos nas salas de aula de escolas públicas está portanto assente e é assumida pelos poderes públicos. Apenas por desconhecimento, militância clericalista ou laxismo se pode transigir com a situação actual e inventar argumentos para não cumprir preceitos da Constituição. E o cumprimento da Constituição não pode depender nem de relações de poder de nível escolar, nem de pedidos de pais que têm o direito de manter a sua crença ou ausência de crença privada.
  4. Apesar de a lei que nos une ser clara, são invocados em defesa da permanência dos crucifixos diversos argumentos que importa desmontar. O primeiro é geralmente o argumento da tradição. A esse, respondo que tudo o que nos é essencial tem em Portugal uma tradição recente: a liberdade, a democracia ou a laicidade, por exemplo. Mais, informa-se que a «tradição do crucifixo» nem é muito antiga: data de 11 de Fevereiro de 1936, quando foi legislado na Assembleia Nacional salazarista que «em todas as escolas públicas do ensino primário e infantil existirá, por detrás e acima da cadeira do professor, um crucifixo, como símbolo da educação cristã, determinada na Constituição». Portanto, quem quiser defender a «tradição do crucifixo» que o faça consciente de que é uma tradição salazarista e fundada na Constituição fascista de 1933.
  5. Outro argumento muito invocado, e igualmente perigoso, é o da «maioria sociológica». Porém, é por termos uma Constituição que os nossos direitos individuais estão acima das maiorias conjunturais e das tradições. As «comunidades» em que vivemos não têm o direito de saber se professamos esta ou aquela religião ou nenhuma, de nos obrigarem a respeitar a religião da maioria, ou de nos obrigarem a conviver com símbolos religiosos em espaços que são de todos. Não se pode presumir a indivíduo algum, por estar inserido num grupo, uma «identidade cultural» que ele pode querer alterar ou a que pode querer renunciar de todo.
  6. Como argumento de desespero, existe quem invoque o trabalho caritativo feito por instituições ligadas à ICAR. Confesso que não suspeitava de que esse trabalho é feito em troca de contrapartidas deste género… Será que se deve fazer uma contabilidade de quantos crucifixos vale cada malga de sopa dada a um sem abrigo? É preferível que o Estado apoie as obras de assistência social independentemente da crença ou não crença de quem as faz.
  7. Numa situação de ainda maior desespero, existe quem argumente com o hipotético «valor artístico» de alguns crucifixos. Sem querer entrar em discussões de gosto, sugiro que onde houver necessidade de ter obras de arte na sala de aula se substituam os crucifixos por reproduções de quadros impressionistas ou clássicos, ou reproduções de esculturas de Rodin…
  8. Só seremos iguais como cidadãos, o ateu e o católico, o muçulmano e o baha´i, o protestante e o budista, se cada um de nós aprender a respeitar o espaço do outro, e o Estado garantir a neutralidade dos espaços que são de todos. A sociedade será tanto mais livre e plural quanto mais o Estado for laico. A liberdade religiosa exerce-se na esfera privada e associativa, sem apoios indevidos nem interferências do Estado para além de zelar pelo cumprimento das leis comuns a todos. O Estado não deve promover nem impedir o exercício da religião. As escolas não são igrejas.
29 de Novembro, 2005 Carlos Esperança

Histórias do cristianismo

O deus de Abraão, Isaac e Jacob era celibatário. O ócio e a solidão levaram-no a abrir uma oficina de oleiro onde iniciou, à mão, o processo de reprodução. Fez o homem à sua imagem e semelhança e, porque lhe sobrasse barro, tempo ou ambos, criou a mulher e expulsou os dois.

Do Paraíso, onde tinha domicílio e dormia a sesta, Deus espiava a Terra e assistiu à forma como Sodoma e Gomorra se divertiam à tripa forra. Acicatado pelos padres foi ruminando ódios e maquinando vinganças. Sabe-se a crueldade que usou para todos os habitantes, incluindo as crianças, que não sabiam pecar, e os velhos, que já não podiam.

Quiçá o tornou intolerante a velhice ou o Alzheimer. Deus andava tão enxofrado com o divertido método que os humanos tinham engendrado para se reproduzirem, que encomendou um filho a uma pomba. Esta recorreu a uma barriga de aluguer e sujeitou a mulher a uma cesariana para a manter virgem, indiferente aos murmúrios e chistes que sofreu um pobre carpinteiro de Nazaré.

O alegado filho de Deus dedicou-se à pregação e ao lucrativo ramo dos milagres mas menosprezou a concorrência e deixou que lhe dessem cabo do canastro.

Apareceu então uma seita a dizer que o defunto era Deus e a acusar os judeus de não o levarem a sério e a culpá-los pela morte. Começaram a contar histórias fantasiosas a seu respeito e a maldizer os judeus. Puseram a correr que o pregador milagreiro, após três dias de defunção, ressuscitara e emigrara para o Paraíso, onde tinha uma cadeira à direita do pai, que passava o tempo a tossir e tirar macacos do nariz.

Foi tal o sucesso dos boatos que se escreveram numerosos livros, hoje reduzidos a quatro por questões de eficácia e um mínimo de coerência. Os créus logo nomearam um quadro – Pedro – para organizar os negócios da nova religião.

Graças à cumplicidade de alguns imperadores, à dedicação de propagandistas e ao vigor com que eliminavam os adversários, fabricaram uma das mais prósperas e ricas religiões do Planeta, dando emprego a dezenas de milhares de clérigos e ilusões a milhões de crentes.

29 de Novembro, 2005 Palmira Silva

E mais ventos de mudança

Uma iniciativa do governo do Liechtenstein que pretendia alterar a restritiva legislação sobre o aborto do pequeno principado alpino mereceu a forte oposição da Igreja Católica, que congregou esforços com grupos conservadores e apresentou um projecto de emenda constitucional que, conjuntamente com a proposta governamental, foi ontem a votos.

O projecto, intitulado «Pela Vida», que pretendia proteger a vida humana, incluindo «a vida ameaçada por manipulação» considerada particularmente em perigo (?), desde «a concepção até à morte natural», contou com o apoio e campanha entusiastas do arcebispo local. Projecto de emenda que na prática pretendia criminalizar quaisquer desvios aos ditames do Vaticano no que respeita a contracepção, aborto, eutanásia, terapia genética e investigação em células estaminais.

Como expectável, a campanha decorreu no habitual ambiente de terrorismo psicológico por parte da Igreja Católica, nomeadamente a contraproposta governamental, que enquadra quer a contracepção quer o aborto no século XXI, foi apelidada de «melodia de morte» pelo arcebispo Wolfgang Haas.

A aberrante proposta dos fundamentalistas católicos foi liminarmente rejeitada merecendo menos de 20% dos votos na eleição de ontem. Em contrapartida a proposta governamental foi ratificada por quase 80% dos votantes.

Esperemos que cá no burgo em relação ao referendo sobre o aborto que se aproxima a prevísivel campanha terrorista da Igreja católica para impor os seus anacrónicos e misóginos dogmas a todos, crentes e não crentes, seja igualmente contraproducente! Quer a contracepção quer o aborto são questões pessoais, de consciência como todos os nossos políticos reiteram, e ninguém deve ser dono da consciência de alguém!