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Dia: 1 de Novembro, 2005

1 de Novembro, 2005 Palmira Silva

250 anos depois , III – A Modernização

Talvez a acção mais marcante do Marquês se tenha verficado nas inestimáveis reforma e laicização do ensino nacional, concretizadas na reformas pombalinas do Ensino, iniciadas em 1759, data da expulsão dos jesuítas que monopolizavam o ensino até aí. Reformas onde se incluiu a remodelação da Universidade de Coimbra, nas suas palavras «uma Universidade onde as teimas, os sofismas e os maus livros fazem grande figura».

A reforma do ensino começou pelos «estudos menores», para os quais foi criado um corpo de «professores régios», em substituição dos mestres até aí eclesiásticos. Mais tarde, passou-se à reforma do «Estudo Geral» de Coimbra.

A reforma pombalina incidiu especialmente na introdução das ciências da natureza e das ciências exactas, até aí blasfémias proscritas dos campi universitários. Mas os curricula «tradicionais» não foram descurados, tendo-se procedido à reforma da Faculdade de Medicina, introduzindo investigação experimental de acordo com as sugestões de Ribeiro Sanches, o que levou à fundação do Teatro Anatómico e do Dispensatório Farmacêutico, e à criação de duas novas faculdades, a de Matemática e a de Filosofia. Esta última concedia um lugar particular à Filosofia Natural, com a criação do Gabinete de Física (equipado com equipamento experimental que constitui hoje em dia uma das melhores colecções do género referentes aos séculos XVIII e XIX) e do Museu de História Natural, que conjuntamente com o Hospital e as dependências da Faculdade de Medicina, ocuparam o antigo Colégio de Jesus, cuja igreja foi transformada em Sé Catedral, e à construção do Laboratório Químico e do Jardim Botânico.

O choque tecnológico tão em voga hoje em dia era também uma ambição de Sebastião José. Assim, as Universidades colaboravam no desenvolvimento das indústrias, da mineração e da agricultura. A Faculdade de Matemática, a que estava anexo o Observatório Astronómico, tinha como objectivo paralelo o estudo da agrimensura, de grande interesse especialmente para a planificação e ordenamento do território. Por outro lado, foram importados mestres estrangeiros com o objectivo de dinamizarem a quasi inexistente indústria nacional, destacando-se o italiano Domingos Vandelli, que procurou em Coimbra revivificar a indústria da faiança decorativa, de grande tradição na cidade e ainda hoje muito viva.

De facto, Sebastião de Carvalho e Melo foi providencial não só para a indústria mas também para o comércio nacionais. Preocupado com a promoção do comércio, que declarou «profissão nobre, necessária e proveitosa», fundou a Aula do Comércio, da responsabilidade da Junta de Comércio que também criou, escola que deveria ensinar contabilidade segundo o modelo inglês, para além de ter utilizado toda a sua enorme capacidade diplomática para conseguir acordos comerciais muito vantajosos para Portugal. Para além do impulso tecnológico inédito no país que tentou incutir na nossa indústria, foi um patrono da indústria nacional, dispensando um cuidado especial à fábrica das sedas, situada no largo do Rato, em Lisboa, às fabricas de lanifícios da Covilhã, Fundão e Portalegre, e à fabrica de vidros da Marinha Grande. Criou as Fábricas de Cordoaria, a Real Escola Náutica do Porto, a Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro e a Impressão Régia, hoje Imprensa Nacional.

Procedeu igualmente à Reforma pombalina da Administração Financeira do Estado (Lei de 22 de Dezembro de 1761), em que cria o Erário Régio ou Tesouro Real, o precursor no actual ministério das Finanças e altera radicalmente a organização económica e financeira portuguesa. São introduzidos, formal e completamente, os princípios e regras que não mais deixarão de guiar a administração orçamental do Estado moderno, iniciando a ruptura com o antigo regime e começando a desfazer a confusão entre património nacional e património da Coroa. Cria ainda o cargo de Intendente Geral da Polícia, medida que constituiu o primeiro combate contra o banditismo.
Deve-se igualmente ao Marquês de Pombal a reforma da nossa legislação civil, reforçada com a publicação da Lei da Boa Razão, que tornava necessário todas as futuras leis serem fundamentadas numa razão justa, senão tornar-se-iam inválidas.

E não podemos esquecer que foi por acção do Marquês de Pombal que a Inquisição perdeu o seu poder absoluto, tendo sido suprimida a censura eclesiástica da imprensa (substituída pela Real Mesa Censória, mas de qualquer forma um progresso em relação à situação até aí verificada) e, com a única excepção de Malagrida, acabaram os autos de fé inquisitoriais em que os supostos hereges eram queimados em orgias de fé, como aconteceu durante o reinado do Fidelíssimo João V ao dramaturgo António José da Silva, o Judeu. Os autos de fé regressaram brevemente depois da queda em desgraça do marquês verificada após a morte de D. José I e da ascensão ao trono de D. Maria I, que pretendeu «reparar as ofensas do reino a Deus». Os últimos autos de fé em território nacional realizaram-se em 1781, tendo sido queimadas dezassete pessoas em Coimbra e oito pessoas em Évora.

Finalmente convém recordar que foi por sua ordem que foi abolida a distinção entre cristão-velhos e cristãos-novos, entre canarins e europeus na Índia e promulgada a abolição da escravatura na metrópole.

Em suma, não obstante o seu pendor ditatorial, um exemplo perfeito do despotismo iluminado que preconizava um Estado absolutista, e o seu lado negro manifestado na brutal retaliação com que puniu os seus adversários políticos, nomeadamente os Távoras, o marquês de Pombal, umas das figuras mais determinantes na nossa História, foi um estadista e um político brilhante que retirou Portugal das trevas obscurantistas e do atraso para onde o poder da Igreja o tinha desterrado. Não mais a Igreja, apesar das tentativas para tal verificadas no reinado da piedosa Maria I, comandou e determinou todos os aspectos da vida nacional. As sementes da laicidade, que tardam em fruir plenamente neste cantinho à beira mar plantado, foram lançadas irreversivelmente em solo português pela mão do controverso mas brilhante Marquês de Pombal!

Bibliografia não disponível online:
«1755 O Terramoto de Lisboa» João Duarte Fonseca, Argumentum, Novembro de 2004.

1 de Novembro, 2005 Palmira Silva

250 anos depois , II – A Reforma

Como forma de contrapôr o poderio económico dos jesuítas, Sebastião de Carvalho e Melo criou em 1755 a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, encarregue do transporte de produtos procedentes desta região, como ouro e «drogas do sertão» (como eram conhecidas na Europa as essências e frutos desta zona, como sejam, por exemplo, a pimenta-do-reino, anil, urucum, baunilha, âmbar, canela, cravo, pau-brasil, pau-preto, e, principalmente, o cacau) e do transporte de mercadorias e escravos destinados aos vales Guaporé-Madeira, comércio até aí monopólio da Companhia de Jesus. Em 1757, Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras e marquês de Pombal, ministro todo-poderoso do rei D. José I, cria os «Directórios dos Índios», aldeamentos que visam assegurar a liberdade dos índios e libertá-los do jugo dos jesuítas.

Um atentado contra o rei verificado em 13 de Setembro de 1758 deu ao marquês de Pombal a desculpa perfeita para se ver livre dos perniciosos jesuítas. Depois de ter conseguido, com muita dificuldade, permissão do Papa para processar os jesuítas acusados de cumplicidade neste atentado, ignorando os rogos do Papa em contrário, expulsou-os de Portugal por decreto de 3 de Setembro de 1759, e em breve seguiu para Itália o brigue S. Nicolau carregado de jesuítas.

Com Portugal finalmente livre da influência nefasta dos jesuítas, o marquês de Pombal empreendeu uma reforma profunda do estado português visando a sua modernização e seguindo os modelos de que acompanhara de perto a implementação durante a sua anterior carreira diplomática, nomeadamente entre 1738 e 1743 na sua qualidade de ministro plenipotenciário em Londres, onde assistiu à modernização da monarquia britânica levada a cabo por Jorge II e pelo seu primeiro-ministro, Robert Walpole. Mas a experiência mais inspiradora viveu-a em Viena, onde chegou em 1745 como Enviado Especial-Ministro Plenipotenciário, mediador numa discórdia relativa aos direitos de nomina da cúria entre as cortes de Viena de Áustria e de Roma, isto é um braço de ferro entre o imperador Francisco I e o papa Bento XIV. Nesta época o conde von Kaunitz, ministro da arquiduquesa Maria Teresa de Habsburgo, reformava a administração austríaca e reduzia consideravelmente o poder da Igreja no Estado. Igreja que despoletara a guerra da sucessão austríaca (1740-1748) reconhecendo como imperadores Maria Teresa e o seu marido Francisco I (de acordo com os desejos do falecido imperador Carlos VI expressos e reconhecidos na Sançao Pragmática de 1713) e Carlos Alberto da Baviera. A guerra da sucessão só foi resolvida, a favor de Maria Teresa e seu marido, pelo Tratado de Aix-la-Chapelle ou Aachen, em 1748.

Assim e depois do papel crucial assumido pelo marquês de Pombal no pós-terramoto, a primeira vez na história em que um governo chamou a si responsabilidade de organizar e coordenar a resposta a uma catástrofe, este passou a deter a confiança ilimitada de D. José. O seu enorme poder político, praticamente absoluto, permitiu-lhe concretizar a sua ambição de modernização e laicização do Estado nacional, que na realidade se traduziu numa renovação moral nacional.

1 de Novembro, 2005 Mariana de Oliveira

As causas do terramoto de 1755

Há 250 anos deu-se uma das maiores catástrofes naturais que a Europa da modernidade viu. O terramoto de 1755 destruiu uma das mais opulentas capitais do mundo e matou dez mil das duzentas e cinquenta mil pessoas que habitavam em Lisboa naquela manhã de Novembro.

Como é natural, após os abalos instalou-se o pânico generalizado, o que deu origem ao aparecimento dos profetas da desgraça que anunciavam o dia do juízo final. Thomas Chase, súbdito britânico sobrevivente à tragédia, diz que a cada tremor os populares «bradavam “Misericórdia!” todos de joelhos, nos tons de voz mais dolorosos que possam imaginar». «As pessoas estavam todas em oração, cobertas de pó, e a luz aparecia como se tivesse estado um dia muito escuro». «Nesta aflição se ouvião fervoríssimas confiçõens em público de culpas cometidas», refere outro testemunho. A população só terá acalmado com uma aparição da virgem na Penha de França «acenando um lenço branco ao povo».

Gabriel Malagrida era um jesuita que recebeu de D. João V licença para fundar uma missão no Pará e, granjeando algum prestígio na Corte, acompanhou o rei na sua morte. Em 1754, depois voltado ao estrangeiro, foi-lhe pedido para assistir à morte da rainha D. Maria Ana de Áustria. Nos sermões dos dias que se seguiram, o jesuita punha em causa a autoridade do rei e de Sebastião de Carvalho, dizendo sobre as causas naturais do fenómeno que «nem o próprio Diabo poderia inventar uma falsa ideia tão passível de nos conduzir à ruína irreparável».

Para Malagrida, a razão do terramoto residia no castigo divino pelos teatros, a música, as danças, as comédias, as touradas e outras ocupações de lazer que constituíam ocupações pecaminosas e obscenas. No Outono de 1756, publicou um panfleto propagandístico intitulado «Juizo da verdadeira causa do terremoto que padeceu a corte de Lisboa no 1.º de Novembro de 1755», em que, para além da teoria do castigo, citava profecias de freiras, condenava os que levantaram abrigos nos campos, os que trabalhavam na reconstrução da cidade, e recomendava procissões, penitências e recolhimento e meditação de seis dias nos exercícios de santo Inácio de Loyola.

Em consequência deste panfleto, o jesuita foi desterrado para Setúbal e, mais tarde, uma vez que não deixou de pregar contra o governo e os esforços de reconstrução, foi preso e entregue à Inquisição, que o condenou à pena de garrote e de fogueira.

Cavaleiro (Francisco Xavier) de Oliveira, queimado em éfige num auto-de-fé, apresentava como causas do terramoto de 1755 a beatice lusitana e a ferocidade da Inquisição.

Numa época em que os valores iluministas entravam em aberto confronto com o que a Igreja propugnava, a explicação natural das causas do terramoto estava destinada a entrar em colisão com a explicação «divina». Após a catástrofe a última coisa que a população precisava era de um bando de padres envergando as suas sotainas negras a anunciarem o fim do mundo. O que precisava, isso sim, era de enterrar os mortos e cuidar dos vivos, no dizer do futuro Marquês de Pombal.

Para mais informações, dêem uma vista de olhos no Público de domingo e de hoje e na National Geographic deste mês.

1 de Novembro, 2005 Palmira Silva

250 anos depois, I – O Marquês de Pombal e os jesuítas

«Enterram-se os mortos e alimentam-se os vivos» Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro conde de Oeiras e futuro Marquês de Pombal, em resposta à pergunta «E agora?» em 1 de Novembro de 1755, data em que ocorreu a maior catástrofe natural em território nacional. Imediatamente após o terramoto o brilhante governante organizou equipas de bombeiros para combater os incêndios e recolher os milhares de cadáveres, para impedir a eclosão de epidemias, o que evitou que a dimensão da tragédia atingisse proporções ainda mais catastróficas.

Em contrapartida, «no meio do cenário de devastação, a Inquisição manteve-se implacável, ordenando a evacuação dos seus prisioneiros para Coimbra, amarrados e transportados em mulas».

A reacção pragmática daquele que viria a ser um dos estadistas nacionais mais marcantes foi determinante no (doloroso) nascimento de um estado moderno dos escombros de um país atrasado e retrógrado, completamente subjugado à Igreja e seus ditames. A Lisboa pré-terramoto era uma cidade cosmopolita «à força», mercê da opulência proporcionada pelo ouro e diamantes provenientes do Brasil e da sua posição indiscutível de primeiro porto europeu, conferida pelo comércio proveniente das possessões ultramarinas. Mas era uma cidade com uma traça urbana medieval, com edíficios na sua maioria decrépitos e insalubres, em que existia uma resistência tenaz às novas ideias que despontavam na Europa, resistência ao modernismo imposta pela Inquisição e pelo poder quase ilimitado dos Jesuítas junto ao Rei. Poder ilimitado que era afrontoso aos olhos do futuro Marquês de Pombal já que para além das tarefas de cristianização os jesuítas controlavam boa parte dos interesses económicos nacionais. Assim os cofres do Estado não reflectiam a riqueza e o fausto da Igreja já que o comércio era de facto dominado pela Igreja e não pelo Estado.

Muitos cargos do governo eram ainda ocupados por membros da Companhia de Jesus e o ensino estava sob o controle dos Jesuítas que continuavam a seguir estritamente o sistema aristotélico (ou seja, tomista). Em 1746, quase no final do reinado de D. João V, agraciado com o título de Fidelissimo pelo papa Bento XIV em recompensa da sua obediência estrita aos ditames do Vaticano, o reitor do Colégio das Artes de Coimbra proíbia por decreto «…quaisquer conclusões opostas ao sistema de Aristóteles» e, em particular, «opiniões novas, pouco recebidas e inúteis para o estudo das Ciências Maiores, como são as de Renato Descartes, Gassendi (Pierre Gassendi teve mais sorte que Giordano Bruno e conseguiu sobreviver à recuperação do atomismo de Leucippus e Epicurus), Newton e outros».

Ou seja, o poder da Inquisição fazia do Portugal setecentista um firme bastião da Contra-Reforma, Inquisição cujo crivo censório impedia a dissipação das trevas obscurantistas, impostas pela Igreja católica, pelos ventos do Iluminismo que se faziam sentir nos círculos cultos do resto da Europa.

Os jesuítas constituiam assim um obstáculo intransponível a todos os projectos da reforma económica, política, militar e, principalmente, social do país pretendida pelo marquês de Pombal. Os jesuítas dominavam todos os aspectos da vida do país, ditando as normas sociais no confessionário, impedindo o progresso do país pelo monopólio da educação e reinando nas finanças pelas benesses e privilégios oferecidas por uma série de devotos reis e pelos bons ofícios da Inquisição.

Não obstante a funesta influência jesuítica se efectivar em toda a Europa, atingia dimensões catastróficas em Portugal devido ao poderio incontestado dos jesuítas nas colónias, principalmente as da América do Sul. Poder absoluto verificado especialmente no Paraguai em que os jesuítas resistiram em ceder o seu domínio sobre o território à coroa portuguesa, como estabelecido em tratado entre a Espanha e Portugal. Foi necessário empreender contra a Companhia de Jesus medidas enérgicas para que os jesuítas cumprissem os tratados ibéricos, campanha dirigida pelo governador do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, com colaboração de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão de Sebastião de Carvalho, na zona do Amazonas. O marquês de Pombal ordenou ainda aos governadores-gerais das colónias que investigassem os jesuítas. O resultado do inquérito foi deplorável para aqueles padres, nada abonando em favor da moral e bons costumes seguidos por estes. Face às provas da profunda corrupção da Companhia, Sebastião de Carvalho ordenou que os jesuítas fossem suspensos do exercício da confissão e da pregação em todas as dioceses portuguesas e obteve de Roma um visitador encarregue de proceder a um inquérito e de reformar os (muitos) abusos verificados na Companhia. Bento XIV nomeou para visitador o cardeal patriarca de Lisboa.

Tudo isto contribuiu para a convicção do marquês que Portugal só tinha a ganhar se se livrasse da influência perniciosa dos jesuítas, não só pela resistência que estes faziam às tropas portugueses no Paraguai e pelo seu faustoso poder económico mas especialmente pelo papel nocivo que detinham na educação que os tornava um obstáculo incontornável ao livre desenvolvimento do espírito humano, essencial ao desenvolvimento e progresso do país.

Bibliografia não disponível online:
«1755 O Terramoto de Lisboa» João Duarte Fonseca, Argumentum, Novembro de 2004.