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Dia: 10 de Setembro, 2005

10 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Brownies e outros doces

Michael Brown foi nomeado por G. W. Bush para presidir à Federal Emergency Management Agency (FEMA) em 2003, quando o anterior director, Joe Allbaugh, que partilhou um quarto com Brown nos tempos de faculdade, foi destacado a tempo inteiro para a campanha de reeleição de Bush. Na altura ninguém pensou investigar por que razão Allbaugh pretendia que «o Presidente não poderia ter escolhido um melhor homem para ajudar… preparar e proteger a nação».

Depois do fiasco que tem sido a actuação do FEMA durante a catástrofe que sucedeu ao furacão Katrina muitos questionaram a adequabilidade do activista do Partido Republicano à frente deste organismo. E dois jornalistas da Time Magazine resolverem investigar o curriculum que o habilitava a tão importante cargo. Os resultados da investigação são… esclarecedores das razões que permitiram a tragédia que se abateu especialmente sobre uma das minhas cidades favoritas nos Estados Unidos, New Orleans. Aparentemente o curriculum de Brown foi …cozinhado em lume muito brando!

Por exemplo, numa nota de imprensa da Casa Branca (e no site da FEMA) era indicado que entre 1975 e 1978 Brown trabalhou para a câmara de Edmond, Oklahoma, uma cidadezinha insípida perdida no meio dos US com, no máximo, uns 50 000 habitantes à data, «supervisionando a divisão de serviços de emergência». Aparentemente nenhum dos supervisionados se apercebeu de tal já que, de acordo com Claudia Deakins, a chefe de relações públicas da câmara de Edmond, Brown era o assistente do presidente da câmara, basicamente tirava fotocópias e trazia cafés ao chefe! Mas «andava sempre de fato e camisa branca engomada» afirmou Bill Dashner, o presidente de câmara em causa.

De igual forma foi com surpresa que a Central State University reagiu à notícia que Brown é suposto ter sido um «Excepcional Professor de Ciência Política» nesta Universidade. Aparentemente foi uma gralha que transformou um excepcional estudante finalista em Ciência Política no correspondente professor no curriculum vitae do distinto (e mui devoto) Brown, gralha que por uma razão obscura se conseguiu imiscuir em sites oficiais.

Mas ninguém duvida que Brown fez parte da administração da…Associação Internacional de Cavalos Árabes. Enfim, foi forçado a pedir demissão por ter envolvido a empresa em vários processos judiciais devidos a problemas de supervisão e descontrole financeiro, mas isso são apenas pormenores. Assim como são pormenores as declarações do chefe de Brown numa firma de advogados de Oklahoma que este «não era sério e era algo superficial».

O que é realmente importante é que Brown é um bom republicano e, imprescíndivel, um bom cristão, cuja acção imediata após o Katrina foi a elaboração de uma lista piedosa de instituições para as quais os americanos deveriam dirigir as suas doações monetárias. Lista exclusivamente de organizações religiosas com duas honrosas excepções, uma das quais a Cruz Vermelha.

10 de Setembro, 2005 Mariana de Oliveira

Devido perdão

Na sequência do discurso de Anselmo Borges, Teresa Martinho Toldy, professora universitária e teóloga, disse ontem, no congresso Deus no Século XXI e o Futuro do Cristianismo, que discurso actual do catolicismo sobre as mulheres é pautado «mais por omissões do que por afirmações danosas», tendo ficado a faltar a inclusão das mulheres nos pedidos de perdão feitos pelo Papa João Paulo II.

Referindo-se ao discurso da ICAR no passado, citou Geoffroy de Vendôme (século XI), que dizia mal desse «sexo no qual não existe nem temor, nem bondade, nem amizade e que deve ser mais temido quando é amado do que quando é odiado». Segundo a teóloga, actualmente esse discurso é feito mais de «declarações mitigadas do que explícitas» de condenação das mulheres e «frequentemente» transfere «as afirmações negativas sobre as mulheres para as reservas face aos movimentos feministas».

Sobre o acesso das mulheres ao sacerdócio, Teresa Martinho Toldy diz que se ele reproduzir o modelo actual do sacerdócio masculino, «não vale a pena». Para além disso, a Igreja tem que decidir o que é mais importante: se garantir a celebração da eucaristia ou perpetuar a masculinidade do sacerdócio. «Se Deus é masculino, então o homem é Deus; se entendermos que ontologicamente Deus é pai, então não há lugar para as mulheres na Igreja», afirmou ainda.

A professora terminou referindo a figura de Maria Madalena, «metáfora» do modo da Igreja olhar as mulheres: de «apóstola dos apóstolos», como era considerada nos primeiros séculos, Madalena passou a ser, em virtudes de leituras bíblicas deturpadas, uma prostituta que precisa de ser redimida.

É pena que teólogos como Teresa Martinho Toldy e Anselmo Borges, que até têm pontos de vista equilibrados e sensatos, sejam uma minoria na hierarquia da ICAR e que, mais cedo ou mais tarde, sejam considerados párias pelos seus pares conservadores.

10 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

A demência da fé

A Al-Qaeda congratulou-se com tragédia de Nova Orleães, provocada pelo furacão Katrina.

Só o fanatismo permite manifestações de ódio assim. Apenas a fé num Deus, à imagem e semelhança dos patifes que o adoram, consente o regozijo pelo sofrimento humano que atribuem ao algoz da sua devoção.

A ausência de sentimentos não é exclusiva dos que se ajoelham, mas é apanágio dos que passam a vida a rezar e, nos intervalos, a matar os infiéis, faltando-lhes tempo para pensar.

Repare-se nesta enormidade: «A cólera do Todo-Poderoso abateu-se sobre os tiranos. As suas perdas já se traduzem em milhares de vítimas humanas e milhões de dólares. Se os muçulmanos não podem seguir livremente a sua religião, então Deus pune os opressores».

O Deus que enviou o furacão sobre o delta do Mississipi é o mesmo que mata à fome os infelizes crentes das teocracias do Médio Oriente, que lhes destrói as cidades com tremores de terra, que envia os maremotos e sepulta centenas de milhares de vítimas que acreditam no poder de Alá e nos ensinamentos de um rude e analfabeto nómada que tomaram por profeta.

Não há ódios que consigam competir com os da fé.

10 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Religião e política

De todo o mundo nos chegam exemplos da mistura explosiva, por vezes sangrenta, que resulta da imiscuição da religião na política. No entanto, também em todo o mundo, assistimos a um eclodir de movimentos fundamentalistas de religiões sortidas que, como requisito de todos os fundamentalismos caracterizados pela sua oposição visceral à laicidade do estado, querem subordinar a esfera pública aos seus ditames anacrónicos. Fundamentalismo a que a Igreja Católica, como há muito denunciamos no Diário Ateísta, não está imune, muito pelo contrário, como indicam claramente os recentes desenvolvimentos da eleição de Ratzinger. Desenvolvimentos em que se incluem, por exemplo, o apontar da laicidade como «inimigo da liberdade», a reconciliação, que também previmos, com o integrismo católico de Marcel Lefebvre e a escalada de negação do concílio Vaticano II.

Um dos últimos exemplos das tentativas de controle da política por grupos religiosos (ultra)fundamentalistas chega-nos da Nova Zelândia onde um secto cristão, a Irmandade Exclusiva (Exclusive Brethen), que no ano passado gastou mais de meio milhão de dólares em anúncios de jornais apoiando a reeleição de G. W. Bush, se empenha em fazer chegar o Partido Nacional ao governo neo-zelandês através de outra campanha milionária dirigida contra o Partido Trabalhista e os Verdes, um provável parceiro de coligação com os primeiros. Campanha em defesa dos «valores morais» cristãos (que incluem denegrir quem não os defende, claro) e com as já habituais acusações de destruição da família «tradicional». Um dos luxuosos panfletos distribuídos pessoalmente pelos membros da seita afirma mesmo que a agenda política dos trabalhistas e verdes pretende a «abominação» de «ver homens em vestidos e travestis nas casas de banho de mulheres».

Esperemos que a campanha difamatória da seita cristã tenha um efeito contraproducente nas eleições de 17 de Setembro, que as últimas projecções indicam estarem empatadas entre o Partido Nacional e os trabalhistas (com cerca de 40% cada). Num país em que no Census de 2001 26% da população se declarou ateísta e 17,2% simplesmente não indicou religião, uma campanha com estes contornos não terá certamente o sucesso da sua congénere nos Estados Unidos!