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Dia: 13 de Agosto, 2005

13 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

13 de Agosto de 2005

A canícula aperta. O sol e as temperaturas altíssimas vão alimentando os fogos de um país que arde perante a indiferença da Virgem a que os padres ciclicamente o consagram.

Por todo o lado a vegetação dá lugar ao negro da floresta ardida, o fumo brota das raízes das árvores que foram e o futuro apresenta-se da cor dos solos que são.

Os judeus ortodoxos agarram-se à bíblia e à faixa de Gaza, os muçulmanos debitam o Corão e viram-se para Meca, os cristãos evangélicos dos EUA ameaçam o Irão e a teoria evolucionista.

Padres católicos aliciam jovens para exibirem na próxima semana, em Colónia, na XX Jornada Mundial da Juventude. Precisam de fingir que é católico o mundo e que os jovens adoram o Papa. É a primeira grande encenação com B16 e o primeiro banho de multidão ao velho inquisidor.

Em Fátima, pessoas aflitas debitam o terço, corpos cansados rastejam de joelhos à volta de uma capela e rostos tristes estendem a língua à hóstia consagrada, enquanto os padres exibem coloridas vestes, fazem sinais cabalísticos, agitam o turíbulo e borrifam os peregrinos brandindo vigorosamente o hissope.

Muitos são emigrantes. É a peregrinação dos que vêm de férias. Todos devem muito à Virgem. Os padres prometem a salvação eterna. Alguns desmaiam. É o calor.

Uma mulher agradece para a televisão um milagre. Teve um filho no Iraque e pediu à Senhora de Fátima que viesse vivo, foi um grande milagre. Não viverá tanto quanto o pagamento da dívida exigiria. É a vida.

Deus anda aí, na imaginação dos peregrinos, na angústia dos que sofrem, último refúgio do desespero no que resta do mundo rural que sabia rezar o terço.

Fátima, 13 de Agosto de 2005, um pico de vendas no negócio da fé. Um lugar de culto da trafulhice eclesiástica contra a República e o comunismo. Um negócio que perdura e um abuso da boa fé de gente crédula.

Fátima, cidade erguida à custa do ouro que vem e dos milagres que não chegam.

13 de Agosto, 2005 Palmira Silva

A campanha pela virgindade

Os dois países ocidentais líderes no desastroso campeonato da gravidez adolescente e doenças sexualmente transmissíveis nesta faixa etária, os Estados Unidos e o Reino Unido, são aqueles em que as campanhas dos conservadores têm maior força e a educação sexual e o acesso a meios de contracepção se encontram entre os mais fracos.

Os Estados Unidos, segundo mostram as estatísticas do Fundo Demográfico das Nações Unidas, são a única nação rica que se encontra no meio do bloco do Terceiro Mundo, com 53 nascimentos por 1000 adolescentes – um índice pior do que o da Índia, das Filipinas e do Ruanda [1]. O Reino Unido vem a seguir, em 20º. Os países que, segundo os conservadores, deveriam estar à cabeça da lista, encontram-se no fim da tabela. Alemanha e Noruega só têm 11 bebés por 1000 adolescentes, a Finlândia, 8; a Suécia e a Dinamarca, 7; e a Holanda, 5 [1].

A explicação da UNICEF é bastante inequívoca. A Suécia, por exemplo, mudou a sua política de forma radical em 1975: «Abandonaram-se as recomendações de abstinência e de praticar o sexo exclusivamente no casamento, a educação contraceptiva tornou-se explícita e criou-se uma rede nacional de clínicas para jovens, concretamente para fornecer de forma confidencial orientação aos jovens sobre métodos e tratamentos contraceptivos… Durante as duas décadas seguintes, o índice de nascimentos em adolescentes baixou em 80%». As doenças de transmissão sexual, em contraste com os crescentes índices do RU e EU, baixaram neste país cerca de 40% nos anos 90.

«As análises da experiência holandesa», continua a UNICEF, «chegaram à conclusão de que a razão subjacente ao sucesso foi a combinação de uma sociedade relativamente tolerante com atitudes mais abertas para o sexo e a educação sexual, que inclui os métodos contraceptivos». Pedidos de contraceptivos lá «não se associam à vergonha ou à culpa» e «os meios de informação estão predispostos a levar a cabo mensagens explícitas» sobre os contraceptivos dirigidos aos jovens. Aquilo a que os conservadores designam por «esgoto» conduz aos índices mais baixos de abortos e de natalidade em adolescentes da Terra».

Os EU e o RU, ao contrário, «são sociedades menos inclusivas» em que «oficialmente, pode encontrar-se orientação e serviços sobre contraceptivos, mas numa atmosfera ‘fechada’ embaraçosa e secreta». O Reino Unido tem uma taxa mais alta de gravidezes em adolescentes, não porque haja mais sexo ou mais abortos aqui, mas pelos «índices mais baixos de uso de contraceptivos».

A catástrofe que aflige muitas adolescentes na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, por outras palavras, não se deve aos professores liberais, a pais liberados, à Fundação Marie Stopes International [Organização Internacional para a prevenção de gravidezes não desejadas e para o controle da natalidade], ou ao Guardian, mas a George Bush, a Ann Widdecombe e ao Daily Mail. Às suas campanhas contra a educação sexual desde cedo, à sua oposição ao acesso aos contraceptivos e às suas campanhas contra a inclusão social (a igualdade de rendimentos, o estado de bem-estar) que oferece às mulheres jovens melhores perspectivas do que ficar grávidas.

As campanhas a favor da abstinência como as de «A coisa do Anel de Prata» podem atrasar o início da actividade sexual, mas quando as suas vítimas são atraídas ao poço negro (quase todas, eventualmente o são) é provável que só cerca de um terço usem contraceptivos (segundo o estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Columbia), porque não estão «preparadas para uma experiência a que tinham prometido renunciar» [2].

Um artigo publicado no British Medical Journal revela que o resultado é que esses programas de abstinência «se associam a um aumento do número de gravidez entre os casais dos jovens que os seguiram» [3]. Sim, leu-o correctamente: a educação na abstinência aumenta os índices de gravidez em adolescentes.

Se tudo isto fosse conhecido amplamente, os conservadores e os evangélicos nunca se atreveriam a fazer as afirmações que fazem, por isso têm que se assegurar de que não o saibamos. Em Janeiro, o Sunday Telegraph afirmava que os europeus «olhavam com inveja» os índices de gravidez adolescente nos EU [4]. Apoiava esta insólita afirmação ocultando, de forma deliberada, as cifras, apresentando as do índice de gravidezes adolescentes por 1000 nos EU, enquanto no Reino Unido o fazia com o total de nascimentos, de maneira que os leitores não pudessem estabelecer a comparação.

Nota: post recolhido neste excelente artigo do Guardian, de George Monbiot, que pela sua relevância traduzi parcialmente!

[1] UNICEF, Julho 2001. Quadro de índices de natalidade de adolescentes em países ricos. Innocenti Report Card n.º 3. UNICEF, Centro de Investigação Innocenti, Florença.

[2] PS Bearman y H Brucner, 2001. Promising the future: Virginity pledges and the transition to first intercourse [Promessas do futuro: o compromisso com a virgindade e a transição para a primeira relação sexual]. American Journal of Sociology, 106 (4), 859-912.

[3] Alba DiCenso et al., 15 de Junho de 2002. Interventions to Reduce Unintended Pregnancies Among Adolescents: Systematic Review of Randomised Controlled Trials. Actuacções para reduzir as gravidezes não desejadas em adolescentes: Revisão sistemática das Provas Aleatórias de Controle: British Medical Journal, 324:1426.

[4] Olga Craig, 11 Janeiro de 2004. No Sex Please… They’re American, And Their Teenage Pregnancy Rates Are at a 10-Year Low. In Stark Contrast, The UK’s Record Is the Worst in Western Europe [Sexo não, por favor… São americanos e os seus índices de gravidez em adolescentes baixaram em 10 anos. Em brutal contraste, o índice no Reino Unido é o pior da Europa ocidental]. Sunday Telegraph.

13 de Agosto, 2005 Palmira Silva

A coisa

O jornal da Igreja de Inglaterra dá-nos conta de mais uma «brilhante ideia» do «Silver Ring Thing (A coisa do anel de prata)», um programa de virgindade nos Estados Unidos que aparentemente tem imenso sucesso lá, pelo menos financeiro, não só em vendas mas também em financiamento federal, já que o presidente Bush aprecia tanto a ideia que o orçamento federal para «treino da virgindade» mais que duplicou dos 120 milhões em 2004 para 270 milhões de dólares em 2005.

Assim para além de todo o material que uma boa «coisa do anel de prata» deve comprar está agora disponível roupa interior que declara a virgindade do seu utilizador com tiradas inscritas nas cuecas (de gola alta certamente, fio dental e congéneres não devem constar da lista) tais como: «No Vows No Sex», «Traffic Control: Wait for Marriage« and «Virginity Lane: Exit When Married», que de acordo com Ivette Thomas, a fundadora da WaitWear, são lembretes para os utilizadores de que sexo só depois do casamento.

O grupo, que já alastrou para Inglaterra, onde certamente por falta de incentivos financeiros como os concedidos pela casta administraçao Bush não tem o sucesso que conhece nos Estados Unidos, põe a culpa das elevadissimas taxas de gravidez na adolescência e doenças sexualmente transmissíveis nas camadas mais jovens da população, nas morais «permissivas» prevalecentes quer nos Estados Unidos quer em Inglaterra, que os «imorais» e «ateus» «progressistas» querem exponenciar com aulas de educação sexual para os mais jovens.

Ann Widdecombe, deputada pelos conservadores britânicos e uma das candidatas à liderança do partido em 2001, num artigo publicado em 9 de Maio de 2004 no The Independent on Sunday, dando as boas vindas à «coisa» intitulado «The Libertarian Experiment Has Failed; Abstinence Is the Way Forward [A experiência libertária fracassou: a Abstinência é o caminho a seguir] afirmou que a educação sexual «falhou» e que aqueles que a promovem dever-se-iam «calar» e deixar o bem estar dos adolescentes britânicos aos promotores da virgindade. Por sua vez, nos Estados Unidos, Denny Pattyn, o fundador da «Coisa» Silver Ring Thing, refere-se a «esta geração do esgoto – que sofre os efeitos catastróficos da revolução sexual» aparentemente sem conhecer os resultados das multi milionárias campanhas de abstinência de Bush enquanto governador do Texas que tiveram o «fantástico» resultado de que o Texas tem o 4º índice mais alto de infecções pelo HIV dos Estados Unidos, e o da menor redução do índice de nascimentos entre jovens dos 15 aos 17 anos!

Quando os seus adorados programas a favor da abstinência fracassaram em reduzir o índice de natalidade entre adolescentes, Bush deu instruções para que o Centro americano para o Controle das Doenças parasse de recolher dados [1]. E obrigou-os a abandonar os seus projectos para identificar os programas de educação sexual que funcionavam bem quando se verificou que nenhum dos que tinham sucesso era os que pediam «exclusivamente abstinência» [1].

E nenhum dos promotores da abstinência sequer menciona que os dados estatísticos disponíveis indicam exactamente o contrário do que afirmam: os países em que a educação sexual e o acesso a métodos contra­ceptivos são mais disseminados e intensivos são aqueles que apresentam menores taxas de gravidez na adolescência e doenças sexualmente transmíssiveis. Ou atendem aos dados que o excelente artigo de George Monbiot no Guardian, de que traduzo excertos relevantes no post seguinte, recolhe!

[1] Union of Concerned Scientist, Fevereiro de 2004. Scientific Integrity in Policymaking: An Investigation into the Bush Administration’s Misuse of Science (A integridade científica na tomada de decisões políticas: Uma investigação sobre a manipulação da Ciência na Administração Bush).