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Os dinossauros de Deus

«Destruirei a sabedoria dos sábios, e aniquilarei o entendimento dos entendidos.» Coríntios 1:18-27.

«A Tradição é a personalidade dos imbecis» Albert Einstein

As religiões mais antigas reverenciavam o Sol e a Lua como deuses: a ciência provou que são apenas corpos celestes. Durante muito tempo acreditou-se que a Terra era plana. Depois, acreditou-se que o centro da criação era o homem na Terra. A ciência provou que o próprio Sol se move no universo, bem como todo o sistema solar. Existem inúmeros pontos semelhantes: cada vez que a religião coloca algum tipo de santidade no plano do concreto, a ciência vem contradizê-la, o que é feito naturalmente, sem perseguições. Alguém conhece perseguições promovidas pela ciência? Mas todos conhecem perseguições religiosas de todas as espécies e especialmente perseguições a cientistas que pagaram com a vida ou a liberdade a ousadia de afirmar que os ensinamentos supostos científicos da santa Igreja eram apenas um chorrilho de disparates.

Agora que as fogueiras inquisitoriais estão fora de moda, as pretensões tridentinas de mistificação da ciência assumem novos contornos. Especialmente no que diz respeito ao evolucionismo, visto por alguns como o maior «inimigo» do teísmo. Assim, existem várias versões de negação do evolucionismo, algumas completamente rídiculas e acéfalas, como seja o criacionismo puro e duro, que advoga uma leitura literal do Genesis.

O expoente máximo do oxímoro Criacionismo Científico, é o primeiro presidente do Institute for Creation Research, Henry Morris, um engenheiro hidráulico arregimentado por John C. Whitcomb, Jr., um teólogo com interesse na geologia do Dilúvio e no criacionismo, cuja Tese de doutoramento (em Teologia, claro) tinha o título sugestivo «O Dilúvio do Genesis».

Que debitava «pérolas» como:

«A evidência final e conclusiva contra a evolução é o facto de a Bíblia a negar. A Bíblia é a Palavra de Deus, absolutamente inerrante e verbalmente inspirada.»

«O cristão instruído sabe que as evidências para uma completa inspiração divina das Escrituras têm muito mais peso do que as evidências para qualquer facto da ciência. Quando confrontado com o testemunho bíblico consistente sobre um Dilúvio universal, o crente certamente tem de aceitá-lo como sendo inquestionavelmente verdadeiro.»

Mas por que não se rendem aos factos os dinossauros em nome de Deus e aceitam que a Evolução Biológica é inquestionável? E porque têm sucesso em algumas faixas da população? A grande maioria da população não tem acesso à ciência, e as suas descobertas são passíveis de deturpação em nome do proseletismo religioso. A grande preocupação dos prosélitos do criacionismo reside no facto de que se Deus não criou a vida, então todo o mito do cristianismo cai por terra. Muitos cristãos já não acreditam no conto da criação de Adão e Eva, mas não se aperceberam (por enquanto) das suas implicações. Ao desabar a crença na criação do homem, todos os fundamentos desta religião desabam qual castelo de cartas. E uma das cartas fundamentais consiste no mito do pecado original. Se o pecado original é uma fábula, então toda a expiação desse pecado não tem sentido. Assim como a lenda associada ao criador do cristianismo que supostamente se sacrificou para redenção do mítico pecado original.

Para os cristãos cientificamente mais esclarecidos existem versões aparentemente mais sofisticadas e apresentadas como imbatíveis e irrefutáveis. Uma delas é designada por «Princípio Antrópico», ou princípio da natureza do homem, que, baseada na verdade de Monsieur de La Palice que se as constantes da natureza (como por exemplo, a carga e a massa do electrão, a constante de Planck, a velocidade da luz, a permitividade no vácuo, enfim todas as constantes que governam as leis da Física ) fossem diferentes, o Universo como nós o conhecemos não seria possível.

O princípio antrópico recusa que sejamos o que é subjacente ao evolucionismo, ou seja, o produto do acaso e propõe que o Universo e as leis da Física foram «desenhadas» para a existência do Homem. Existem essencialmente três versões do princípio antrópico, desmistificadas aqui ou aqui e ainda aqui:

Princípio Antrópico Fraco (WAP): Os valores das constantes físicas e cosmológicas estão restritas pela exigência que existam locais onde a vida baseada no carbono possa evoluir e pela exigência de que o universo é velho o suficiente para esta já ter evoluído;

Princípio Antrópico Forte (SAP): O universo deve apresentar as propriedades que permitem o desenvolvimento da vida. Ou seja, mais um raciocínio circular, ou Circulus In Demonstrando, a vida existe, logo as constantes fundamentais e as leis de natureza devem ser tais que vida possa existir. Os valores das constantes físicas fundamentais incompatíveis com a vida (e vida inteligente) são proibidos;

Princípio Antrópico Final (FAP). Esta versão diz que o processamento de informação inteligente tem que entrar em existência no universo, e, uma vez entrado em existência, nunca desaparecerá. O FAP tem em Frank Tipler o seu principal advogado de defesa, nomeadamente no livro pomposamente chamado «A Física da Imortalidade».

Este tratado da arrogância pseudo-científica contem um «apêndice para cientistas» de 110 páginas, cheio de operadores, derivadas parciais e integrais, um amontoado de equações matemáticas complexas, confusas e desconexas, que não têm rigorosamente nada a ver com a tese que o autor quer sustentar: a inevitabilidade da existência de Deus. Claro que qualquer cientista que inspeccione as páginas ficará perplexo sobre o que estes apêndices estão lá a fazer… mas o leitor leigo em ciência ficará certamente impressionado com os supostos argumentos científicos do autor. Olhando para os apêndices da minha área de especialização, por exemplo, o apêndice D, «A lei das accções da massa requer indistinguibilidade quântica», só vejo uma forma rebuscada e propositadamente confusa de apresentar a 2ª lei da termodinâmica (com algumas incorrecções formais) que não tem rigorosamente nada a ver com nada que seja apresentado no livro.

Pessoalmente só acredito no CRAP (Princípio Antrópico Completamente Ridículo), como é denonimado o princípio antrópico pelo céptico Martin Gardner.