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Dia: 21 de Novembro, 2004

21 de Novembro, 2004 Palmira Silva

O ateísmo atómico

«…a natureza é sempre a mesma, e sempre única e igual em eficácia e poder de acção; i.e., a ordem e as leis da natureza, dentro de todas as passagens e mudanças de uma forma para outra, é em todo lugar sempre a mesma; sendo assim, deveria existir um método unico para compreender a natureza de todas as coisas, ou seja, através das leis e regras universais da natureza.» Baruch Spinoza (Ética, parte III)

O símbolo do ateísmo, o modelo do átomo de Rutherford, poderá a um observador mais incauto parecer despropositado ou uma escolha casuística. Na realidade, a concepção atomista do Universo corresponde à primeira filosofia ateista de que há registo histórico e é indissociável dos movimentos intelectuais que culminaram no libertar da Humanidade do obscurantismo imposto pela religião. Durante séculos, esta teve a primazia da verdade, que afirmava ser global, inultrapassável e indispensável, tanto no que respeita à natureza como ao homem. O reafirmar do pensamento proscrito dos primeiros atomistas entrou em confito com a pretensão tridentina da verdade «científica» ditada por uma Igreja total e absolutamente incompetente na matéria, mas a longo prazo (e muitos processos e fogueiras inquisitoriais) permitiu à ciência uma autonomia de pensamento face à Igreja.

A constituição da matéria e a elaboração de teorias para explicar a natureza do mundo e as nossas relações com ele surgem na Antiguidade clássica a partir da análise do movimento. O movimento e a constante mutabilidade da matéria constituem a questão central que irá orientar a filosofia grega; isto é, o movimento levanta o problema da continuidade da matéria, ou seja, como conceber que exista uma identidade entre o momento anterior e o posterior?

Era necessário, portanto, algo que permanecesse imutável no processo de transformação. Esse algo foi originalmente concebido através da redução da multiplicidade a uma unidade fundamental, identificada com um elemento da natureza, a matéria básica para a formação dos demais materiais, e na qual todos se reduziriam. Esse elemento primordial, ou “princípio” (arqué), assumiria a forma de uma substância concreta, sendo identificado com a água (Thales 640-546 A.C.), depois o ar (Anaximenes 560-500 A.C.), o fogo (Herakleitos 536-470 A.C.) e a terra (Xenophanes).

Mais tarde, Empedokles (490-430 A.C.) identificou as quatro substâncias supracitadas – água, ar, terra e fogo – como os elementos fundamentais a partir das quais tudo seria formado.

Por volta de 475 BC, Parmenides no seu poema filosófico On Nature esboçava os rudimentos do que seria explorado dentro de poucos anos pelos primeiros atomistas:

«Considerem quão semelhante é um fogo de outro fogo.
Mas reparem quão opostas em natureza são todas as noites escuras do fogo.
»

Parmenides afirma que, não obstante diferentes aparências, tudo é formado do mesmo ser, solitário, nunca criado e eterno, aquele que é «sem princípio e sem fim». Parmenides não especula sobre a natureza do «ser eterno» mas fornece dois dados fundamentais que as teorias atomistas retomam: todos os objectos do mundo físico são constituídos por uma substância elusiva e constante, que não é criada e nunca acaba, devendo-se as diferenças entre objectos a diferentes configurações dessa substância.

átomos de EpicurusAo conciliar a concepção da permanência e da unidade, em aparente contradição com as evidências de mudança e de diversidade observadas, fundamenta-se então a unidade da matéria e a sua conservação. Mas até aqui a dualidade foi expressa em termos do móvel em oposição ao imóvel. A partir de Democritus e especialmente de Epicurus esse dualismo inscreve-se como «matéria»/«vácuo» com base na concepção da unidade fundamental: os átomos. Estes seriam indivisíveis e em si mesmos imutáveis, embora a alteração da sua posição relativa produzisse uma grande diversidade de fenómenos. Estes átomos difeririam em tamanho e em forma, e apresentariam uma constituição interna sólida e homogénea.

Leucippus de Miletus (?-480 BC) e o seu discípulo Democritus de Abdera (460-340 BC) são os pais reconhecidos do atomismo, uma explicação filosófica do mundo físico absolutamente inovadora, que, na linha sugerida por Heráclito, afirma que tudo flui na natureza mas que subjacente a esta mutabilidade há algo de eterno e de imutável: o átomo (a= prefixo de negação, tomo= divisão). Nesta explicação do mundo natural o calor, cor e sabor não são em si entidades mas meras consequências dos átomos que as formam. Para avaliarmos a inovação e arrojo desta visão, puramente empírica, da natureza, basta pensarmos que o calor foi considerado um fluído até meados do século XIX, o calórico de John Dalton (1766-1844), o pai do atomismo moderno.

Epicurus (341-270 BC) reformulou o atomismo de Leucippus e Democritus e o epicurismo, não muito popular entre os filósofos gregos, nomeadamente Aristóteles e Platão, que adoptaram os quatro elementos fundamentais de Empedokles, teve entre os romanos os seus principais seguidores, alguns tão influentes como o orador Cícero e o poeta Horácio. A insistência epicurista em causas materiais para todos os aspectos da natureza foi incompatível com a influência crescente do cristianismo e no século V o epicurismo já era uma filosofia marginal.

De facto, o cristianismo condenou primeiro e proibiu depois esta filosofia ateísta que, para além de refutar a transubstanciação do pão e do vinho, negava a intervenção de qualquer força, inteligência ou entidade divina nos processos naturais. Não havia intenção no movimento (aleatório) dos átomos, o que não implica que tudo o que acontece é um acaso, pois tudo é regido pelas inalteráveis leis da natureza. Os atomistas acreditavam que todos os fenómenos têm uma causa natural, ou seja, negavam o argumento teleológico.

Os movimentos espontâneos e aleatórios dos átomos para além de serem a origem do livre arbítrio explicam ainda as percepções sensoriais. De tudo o que existe emanam átomos que, ao chocarem com o corpo humano, tornam a realidade inteiramente apreensível pelos sentidos.

Epicurus propõe ainda que a alma é composta por átomos especiais, particularmente arredondados e lisos, os átomos da alma espalhados por todo o corpo. Quando alguém morre, os átomos de sua alma dispersam-se e eventualmente agregar-se-ão (devido aos movimentos aleatórios) noutra ou noutras almas, ou seja, o epicurismo afirmava a mortalidade da alma.

É impossível referir o epicurismo sem mencionar Lucrecius, o poeta romano e autor do épico filosófico De Rerum Natura (Da natureza das coisas), uma exposição exaustiva do epicurismo, que afirma os deuses como fabricação dos homens. Redescoberto no século XVII, o poema é a base intelectual de virtualmente todas as ciências modernas, da física (apresenta, entre outros, a lei da inércia, a relatividade, a universalidade das leis físicas, o movimento browniano, o som como onda de pressão no ar) à química (prevendo átomos e moléculas e que, por exemplo, o cheiro se deve à forma das moléculas que se ligariam a receptores no nariz) passando pela biologia, incluindo o evolucionismo (Lamarck, Herbert Spencer ou Darwin eram epicuristas), já que Epicurus foi o primeiro a propor a selecção natural e a evolução das espécies.

21 de Novembro, 2004 Mariana de Oliveira

O marginal

O Cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício), criticou a «marginalização de Deus» e afirmou que a ausência de Deus apenas gera «auto-destruição».

O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé mostrou-se também preocupado com o que considera uma «agressividade ideológica secular» e deu como exemplo o caso de um pastor protestante na Suécia, que foi preso durante um mês por «pregar sobre a homossexualidade com base numa passagem da Escritura». É altamente provável, conhecendo as passagens da Bíblia que se referem à homossexualidade, que o pastor estivesse a incorrer num crime de incitamento à violência contra determinado grupo. Mas isso devem ser pormenores que escapam à visão mais alargada do Cardeal.

Falando sobre a presença da Igreja na sociedade, Ratzinger afirmou que a corrente radical do laicismo «já não quer ser um elemento de neutralidade, que abre espaços de liberdade para todos» e que «o laicismo começa a transformar-se numa ideologia que se impõem, através da política, e não concede espaço público à visão católica e cristã, a qual se arrisca a tornar-se uma coisa puramente privada e, no fundo, mutilada». O Cardeal fala numa «luta» contra a imposição de uma ideologia «que se apresenta como se fosse a única voz da racionalidade». Trocando isto por miúdos, tudo estaria bem se a laicidade deixasse que a Igreja continuasse a dar as cartas na «res publica» e a influenciar directamente o poder político.

Ratzinger defendeu que «a justa laicidade é a liberdade de religião: o Estado não impõe uma religião, mas dá espaço livre às religiões com uma responsabilidade em relação à sociedade civil, permitindo que elas sejam um factor na construção da vida social». A primeira parte é inatacável: a justa laicidade é aquela que garante a liberdade de religião e o Estado não pode impor nenhuma religião aos seus cidadãos. Ora, quanto à religião ser um factor de construção da vida social, pode muito bem sê-lo no que se refere a quem quer participar naquela organização. Não é admissível é que se imponha a quem não partilha essa crença, ou seja, aos cidadão em geral.

21 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

Fátima – O Expresso, citando o jornal «Região de Leiria» informou que um jovem interrompeu a missa de domingo na Capela das Aparições, com gritos de «eu sou Cristo e tenho o poder de Deus». Em vez de averiguarem a autenticidade das afirmações entregaram o jovem à PSP que o remeteu para a psiquiatria do Hospital de Leiria.

Movimento Comunhão e Libertação (CL) – Sob os auspícios do padre João Seabra, irmão da pia ministra da Educação, Maria do Carmo Seabra, infestam Portugal 400 membros deste grupo fundamentalista, com 200 mil membros, que assola 64 países. Apesar dos seus objectivos declarados serem a «obediência, a castidade e a pobreza», uma das suas instituições «A Companhia da Obras» reúne cerca de 20 mil empresas.

A seita CL tem uma grande admiração pelo Opus Dei e, segundo a entrevista do padre João Seabra ao Expresso, que cito, gostaria que fossem mais parecidos com ele.

O mais popular militante desta obscura seita é o inefável Rocco Buttiglione, amigo do peito e da missa de JP2, recentemente expurgado da Comissão europeia por questões de assepsia.

Radicais islâmicos em Portugal – Sob este título, o EXPRESSO dá conta da vigilância policial a que estão a ser submetidas doze mesquitas clandestinas suspeitas de pregarem o ódio aos valores democráticos e de servirem de base a piedosas redes terroristas que apenas desejam matar os inimigos da fé, para cumprirem a vontade de Alá.

Bíblia manuscrita – Terminou a maratona de proselitismo que começou com a participação do Sr. Presidente da República e terminou com o primeiro-ministro a escrever o último versículo. Consta que o editor do Kama Sutra vai tentar o mesmo golpe publicitário.