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Dia: 28 de Agosto, 2004

28 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

A festa do S. Roque. Crónica piedosa

Ficou-me de criança a impressão de que a ermida do S. Roque, na margem esquerda do Côa, estava alcandorada num monte enorme e que ao sacrifício da subida se deveria a recompensa dos milagres.

Hoje, ao passar no IP 5, sobre a ponte rodoviária, surpreende-me lá em baixo uma capela exígua abandonada num pequeno cabeço, com a vegetação a apropriar-se da área da devoção e dos negócios. Onde está um chaparro negociava burros um cigano, onde a Lurdes começava às dez a aviar copos de meio quartilho, para terminar às 3 da tarde com o pipo e a paciência devastados, medram giestas e tojos e o abandono tomou conta do espaço onde estava sediada a feira e se realizava a festa.

Onde os solípedes e as pessoas alcançavam não sobem ainda os automóveis.

Eu gostei, ainda gosto, de romarias. Mesmo com milagres cada vez mais raros, a acontecerem na razão inversa dos louvores, encontramos sempre caras que atraem afectos e nos devolvem memórias. Às vezes não são quem pensámos, os anos passam, são filhos, mas vale a pena, falam-nos do que nós sabíamos, são da terra que julgámos.

Há mais de cinquenta anos o Rasga foi ao S. Roque com a mulher, ela cheia de fé, ele com muita sede, como sempre, até a cirrose o consumir. A feira e a romaria partilhavam a data e o espaço. Não sei das promessas dela, as mulheres lá tinham contratos com os santos, não era costume explicitá-los, ele tinha as mãos cheias de cravos, coisa de rapaz, julgava que era feitio. A mulher dissera-lhe que havia de ir ao S. Roque, o Maravilhas curou-se, o Ti Velho também, pelas outras aldeias ia a mesma devoção, os resultados eram de monta. O Rasga até tinha pensado no ferrador, não para ferrar o macho, ele queimava os cravos, mas eram grandes as dores, ficavam as mãos com marcas piores que a cara do Medo com as bexigas, e a febre, às vezes, levava a gente. Já se acostumara, não valia a pena ralar-se, o pior era a mulher a azucrinar-lhe os ouvidos, tens de ir ao S. Roque, se trabalhasses em vez de beberes havias de ver o incómodo, eu faço-te companhia, és um herege, uma oração, uma pequena esmola, dois cruzados, um quartinho no máximo, o S. Roque não é interesseiro, vens de lá bom, levas a burra que já mal pega em erva, enjeita os nabos, não temos feno, há-de morrer-nos em casa, além do prejuízo vais ser tu a enterrá-la, podias vendê-la.

E lá foram os três, que a burra também contava, partiram quando a Lurdes e a Purificação já levavam uma légua de avanço, tinham bestas lestas e levantavam-se cedo, era mister que se antecipassem aos homens que quando chegavam logo queriam matar o bicho e os negócios não podiam fazer-se sem haver onde pagar o alboroque. O Rasga, mal chegou, pediu três notas pela burra a um da Parada que lhe ofereceu duas, a mulher do da Parada ainda o puxou, homem para que queres a burra, o rachador do Monte meteu-se logo, isto não é assunto de mulheres, tinham que fazer negócio, tem que tirar alguma coisa, não tiro, dou-lhe mais uma nota de vinte, tiro-lhe essa nota, nem mais um tostão, e o do Monte a dizer racha-se, vários a apoiar, fica por duas notas e meia, o rachador a agarrar-lhes as mãos, estranha união, e a fazer com a sua um corte simbólico, deram as mãos estava feito o negócio, um tirou cinquenta o outro deu mais cinquenta, consumada a liturgia logo assomou meia nota de sinal, faltavam duas que apareceriam quando lhe entregasse o rabeiro, vai uma rodada, paga o vendedor que recebeu o dinheiro, primeiro um copo para o comprador, o rachador a seguir, depois para todas as testemunhas, outra rodada paga o comprador, outra ainda, esta pago eu, diz um da Cerdeira, não quero mais diz o de Pailobo, morra quem se negue, praguejou um da Mesquitela, olha vem ali o Proença da Malta, grande negociante, como está, disseram todos, uma rodada, pago eu, diz o Proença, mas a minha primeiro, exigiu o da Cerdeira com agrado geral, e ali ficaram a seguir os negócios, os foguetes e a festa, e a tirar o chapéu e a agradecer ao Proença quando este foi dar a volta pelo sítio do gado onde já se encontrava o Serafim dos Gagos a disputar-lhe o vivo e a pôr a fasquia aos preços.

Findas a feira e a festa, esta terminou primeiro, um dos padres ainda tinha de levar o viático a um moribundo de Pínzio, o Rasga e a mulher vinham consolados, ela com a missa e a procissão, ele com duas notas e meia no bolso e o buxo cheio de vinho, ela a pensar na vida e ele a cambalear.

Algum tempo depois perguntei ao Rasga o que era feito dos cravos. Ficaram no S. Roque, menino, ficaram no S. Roque.

Publicada em 13-06-2003 – J.F.

28 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

Mártires católicos arriscam a vida

Portugal esteve prestes a ser invadido por uma poderosa esquadra pecadora, fortemente armada com mísseis RU-486, que atingem rapidamente o útero grávido de poucas semanas de qualquer mulher que despreze o papa e enjeite a salvação da alma.

Perante o perigo iminente, valeu-nos o pio ministro de Estado, da Defesa e do Mar, fortalecido por muitas hóstias e numerosas missas, que, além do apoio nunca regateado da senhora de Fátima, mandou aprontar uma fragata cuja tripulação se compromete a dar a vida em defesa da moral e dos bons costumes, impedindo a profanação das águas territoriais pelo «Barco do Aborto».

Paulo Portas e Santana Lopes estão de prevenção para enfrentar a invasão. Traquejados em guerras preventivas (táctica experimentada no Iraque, com o êxito que se conhece), puseram a Marinha a perseguir a esquadra invasora, certos da vitória final. Em caso de fracasso, preparam-se para morrer como mártires de Deus, rezando o terço e gritando: «Nossa Senhora de Fátima rogai por nós».

28 de Agosto, 2004 André Esteves

Será o Presidente da República um tarado sexual?

Segundo esta notícia veiculada pelo Expresso e Portugal Diário, o nosso Presidente da República foi impedido de entrar numa piscina pública de uma Vila de Apartamentos no Algarve por um segurança de um sheik árabe.

Segundo o motivo apresentado pelo segurança, o nosso Presidente não podia entrar na zona, porque as princesas sauditas estavam a tomar banho.

Podemos tirar duas conclusões deste acontecimento:

1 – O Presidente da República, é para os Sauditas, no mínimo, um tarado sexual. De outra maneira, não fará sentido que o homem que os portugueses escrutinaram duas vezes, como o mais capaz e honrado de exercer o cargo de Presidente da República, tenha sido impedido de entrar num lugar público. Ao julgarem o presidente Sampaio como um homem de desonra, estão também implicitamente a julgarem como «impuro» o julgamento e escolha de todos os portugueses, e logo a negar a validade dos métodos democráticos da nossa soberania.

2 – O sheik saudita e a sua corte são mais «portugueses» do que o Presidente da República. Segundo a constituição da República Portuguesa, existem certas proibições muito restritas à liberdade de movimento dos portugueses, como no caso de instalações militares e de certas instalações do Estado regulamentadas em lei específica. No entanto, a nossa constituição salienta, particularmente que todos os representantes eleitos da nossa nação, em especial o Presidente da República, como representante máximo do povo português e os deputados, como representantes directos dos eleitores têm a ABSOLUTA liberdade de movimentos para poderem inspeccionar e garantir a ordem e a normalidade das instituições democráticas e do país em geral. Ao facto do Presidente da República ter sido impedido de entrar numa zona pertencente ao território português, que por demais é pública, só podemos concluir que o sheik saudita e o seu séquito se acham mais portugueses do que o resto de Portugal.

Eu só posso pedir ao governo que tome as medidas apropriadas a esta afronta: Chamar o diplomata saudita a Belém e considerar persona non grata todo e qualquer elemento estrangeiro ligado a este acontecimento.

O que esperariam que acontecesse, se por exemplo, na Arábia Saudita uma portuguesa resolvesse tomar banho num lugar público? A polícia religiosa saudita aparecia e no mínimo era expulsa do país automaticamente.

Adenda:

É revelador do carácter deste governo, o modo diferenciado com que está a tratar este assunto e o do barco «Woman on Waves». Enquanto que o primeiro, é uma directa e grave afronta estrangeira à República, o segundo é de uma natureza mais dúbia. O sentido de prioridades e de relevância é revelador do respeito que o Estado português merece do Governo.

28 de Agosto, 2004 pfontela

O barco do pudor

Sabe-se hoje que o barco da organização «Women on Waves» não vai poder entrar em águas portuguesas. As desculpas são múltiplas, desde questões de saúde ao respeito pela ordem. Todos estamos cansados de saber que o que se passa: este governo, já conhecido pelas suas manobras dúbias (alguém se lembra de uns panfletos de Fátima? E da «declaração de voto» sobre o art.º 13?), está em pânico para impor as suas crenças religiosas a todas as mulheres. O tempo da ditadura acabou e estes senhores ainda não se aperceberam disso. Além dos impulsos descontrolados de puritanismo que ficam sempre bem a qualquer católico fanático (pelo menos aqueles que sabem aquilo que a sua fé defende) existe ainda a questão de isto ser uma violação dos tratados que temos vindo a assinar com União Europeia. Mas parece que este governo só sabe qual é a sua fé e não qual a sua posição quanto à UE.

Toda esta situação é um espectáculo deplorável que deveria encher de vergonha qualquer país dito laico e civilizado.

28 de Agosto, 2004 André Esteves

Depois do Corpo de Cristo… Uns chocolates?

Do Reino Unido chega-nos a notícia [em Inglês] que o bispo de Manchester, preocupado com os níveis cada vez mais pequenos de crentes ao Domingo, iniciou no seu grupo de paróquias uma campanha quase original para chamar os crentes de volta à igreja.

Convites escritos passarão a ser entregues aos crentes não-praticantes e depois do serviço dominical serão servidos chocolates aos convivas.

A iniciativa inspira-se nas estratégias de marketing das empresas e procura resolver o «grave» problema da drástica diminuição de crentes na igreja de Inglaterra, que nas palavras do bispo de Manchester: «poderá desaparecer no espaço de duas gerações».

Se conhecermos as propriedades do chocolate, não ficaremos admirados com esta sua utilização. O chocolate tem na sua constituição, o cacau, que é um análogo a certas substâncias que ocorrem no cérebro humano, durante a corte e paixão dos namorados, bem como durante a ocorrência do orgasmo.

Outro facto interessante, é que se tornou um acto de corte nas nossas sociedades, entre namorados ou consortes que estejam a iniciar o namoro ou que tenham estado bastante tempo afastados, oferecer chocolates. Quimicamente procuram aumentar ou fazer lembrar ao outro, as sensações e emoções que têm ou tinham em conjunto.

Hoje, chega-se ao ponto de existirem investigadores que procuram produzir variantes da molécula do cacau que aumentem a líbido e produzam super-orgasmos. Quem não tem «apetites» de chocolate, depois de situações stressantes?

Não é por nada que o cacau no seu lugar de origem era utilizado pelos sacerdotes Maias para entrar em «comunhão» com os deuses ou antes de escarificarem os seus órgãos sexuais ou se auto-castrarem para realizarem contratos de poder com as divindades.

Aliás, o cacau era um deus, como o milho, para os antigos Maias.

Considerando a falta de talentos de pregação dos sacerdotes da Igreja de Inglaterra (o que se poderá esperar de uma igreja ligada institucionalmente ao estado e à coroa…), um chocolate depois da missa é o melhor alívio que se pode ter. Com o tempo e com o condicionamento químico que a habituação faz, os crentes voltarão sempre, necessitados que estarão da sua «dose».

Deus será chocolate. Ou será o chocolate, o Deus?

O problema aparente, é que nem toda a gente tem o mesmo nível de fixação pelo chocolate. Mas o bispo de Manchester já contemplou essa possibilidade e encara a possibilidade de passar no meio da cerimónia, vídeos cómicos para fazer rir os crentes. Da minha parte sugiro às 330 paróquias que já adoptaram esta doce iniciativa que procurem passar filmes desse grande talento britânico que são os Monty Python, principalmente os filmes «O Sentido da Vida» e «A vida de Brian». Creio que poderiam elucidar os crentes sobre as circunstâncias, em que a Igreja de Inglaterra se encontra.

Deixo-vos com uma pequena sugestão musical. Se tiverem a oportunidade, ouçam a peça «Chocolate Jesus» [Letra da Canção, em Inglês] do Tom Waits. Escatológico, ateu e genial.

28 de Agosto, 2004 Mariana de Oliveira

O Diabo à solta

O cardeal Jorge Medina, ex-prefeito da Congregação para o Culto Sagrado e a Disciplina dos Sacramentos, alertou o mundo em geral e os chilenos em particular para a presença do Diabo e para as suas novas armas: os eufemismos.

«O Diabo está muito presente, serve-se da mentira e para enganar usa eufemismos. Denomina o aborto interrupção da gravidez e os filhos, cargas. Anima os casamentos entre homossexuais e as leis de divórcio, apresenta o mal como bem, endeusa o dinheiro», disse o cardeal. Descodificando, se é a favor da despenalização do aborto, do controlo de natalidade, do casamento entre homossexuais, do divórcio e da ambição é porque o Diabo apoderou-se do seu corpo e da sua mente.

Não se ficando por aqui, Jorge Medina relembrou que o anjo caído, cornudo e com uma forquilha é um ser concreto, mais especificamente, uma pessoa (no caso de se desatar a matar gatos como na Idade Média) que se «apartar a humanidade do caminho da salvação, que está na cruz de Cristo».

Desde há muito tempo que não lia notícias religiosas tão retrógradas que até me causaram urticária. Na quinta-feira, foi a mensagem do Papa aos jovens que dizia para não se afastarem do verdadeiro e único Deus – o católico, claro -, numa clara ofensa às outras religiões, e, agora, o senhor cardeal Medina com a demonização de uma série de conquistas sociais.