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Da ICAR e da polis, II: direito divino

Não obstante Constantino ter sido um mitraista até morrer, convocou o Concílio Ecuménico de Niceia (325) onde codificou uma religião baseada naquela que julgou mais conveniente para garantir a unidade do Império, incorporando vários elementos do seu culto pessoal ao Deus-Sol Mitra. Controlou os bispos oferecendo-lhes palácios, dinheiro e outras benesses exercendo grande influência nas decisões doutrinais e disciplinares. Nomeadamente foi por pressão de Constantino que se aprovou no Concílio de Niceia, por um voto, a divindade do suposto criador da seita (negada por boa parte dos cristãos, nomeadamente os arianos) e a santíssima trindade. Promoveu a alteração do dia de culto do Sábado, o sabbatt judaico, para Domingo, dia do Sol, o dies Domenicus ou dia do Senhor. Introduziu no cristianismo a liturgia mitraica, nomeadamente a cerimónia da missa, decalcada da Myazda mitraica, uma partilha sagrada de pão e vinho numa cerimónia cheia de incenso e água sagrada em que o sacerdote mitraica, o Papa, revivia a última refeição de Mitra e dos seus 12 apóstolos. Enfim, as coincidências entre o culto mitraico e o cristianismo codificado por Constantino são tantas que eventualmente lhes dedicarei um artigo!

Sicut indignissimum, édito de Constantino de 3 de Julho de 321, que entre outras coisas rezava: «Que todos os juízes, e todos os habitantes da cidade, e todos os mercadores e artífices descansem no venerável dia do Sol».

A intenção de Constantino de transformar a Igreja no braço espiritual do Império prevaleceu mesmo depois da desmoronamento do Império no Ocidente. Foi-se o Império mas permaneceu o braço. De ferro, já que a Igreja arrogou-se à supremacia universal. Os poderes temporais deviam submeter-se ao Papa, a autoridade máxima. Assim, a hierarquia eclesiástica de Roma foi o denominador comum das monarquias ocidentais até à Renascença.

Especialmente depois de produzida a falsificação mais famosa da História, a doação de Constantino, «Constitutum domni Constantini imperatoris» , cuja autenticidade se manteve indiscutível até ao século XV, altura em que Nicolau de Cusa (1401-1464) refere como estranho o bispo Eusebius de Cesareia, contemporâneo e biógrafo de Constantino, não ter mencionado a doação do imperador. Confirmada como uma falsificação grosseira em 1440 por Lorenzo Valla, a Doação de Constantino pretendia ser uma carta de Constantino dirigida ao papa Silvestre I em 30 de Março de 315, na qual lhe o Imperador lhe concedia autoridade sobre todo o Império Romano, doando-lhe o palácio de Latrão, as insígnias, vestes e os poderes imperiais romanos, não só sobre a Itália como sobre todas as demais províncias do Império. Declarava ainda que o bispo de Roma era o «Vigário de Cristo» a quem concedia o estatuto de Imperador. As vestes e insígnias imperiais foram supostamente emprestadas a Constantino, que as vestia com permissão eclesiástica.

Com esse documento, a Igreja reivindicou o direito de coroar e depor monarcas, e o papa tornou-se o supremo mediador entre Deus e os reis. Com base nesse documento o Papa Adriano IV reconhece (e dá ajuda militar para a concretizar) a Henrique II da Inglaterra a soberania sobre a Irlanda, obtendo como contrapartida o reconhecimento do rei britânico da supremacia papal. Dando origem a um conflito sangrento que permanece até hoje.