Um breve olhar pelas religiões do livro – os três monoteísmos.
O Antigo Testamento, conjunto de escritos de matriz comprovadamente hebraica, em boa parte escrito em aramaico, é uma notável obra literária cujas fraudes não anularam o enorme valor histórico. Reflete o pensamento das tribos patriarcais que criaram um ser supremo, antropomórfico, à imagem e semelhança dos homens de então, enaltecendo-lhe, na dilatação das virtudes imaginadas, os defeitos de que eles próprios enfermavam.
O espírito violento, vingativo, misógino, xenófobo e homofóbico, é a réplica apoteótica da mente tribal dos patriarcas do «povo eleito». É desse livro bárbaro que nasceram os Livros da Lei (Tora), os livros dos profetas e os escritos, judaicos, e os livros que, sem renúncia ao A. T., igualmente se inspiram o cristianismo e o islamismo.
Urbano II foi um piedoso papa da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) do fim do século XI e não um biltre de excecional perversidade. Era um pregador que lera a Bíblia com intensa devoção, que, além de cristianizar a Sicília e a Campânia, quis pôr termo ao Grande Cisma do Oriente, e que, no Concílio de Clermont-Ferrand (1095), convocou os cristãos para a guerra contra os “infiéis” muçulmanos, a fim de reconquistar Jerusalém.
As Cruzadas foram o corolário lógico do Novo Testamento, os quatro evangelhos que o génio de Paulo de Tarso inspirou para transformar o Deus do povo eleito num Deus para todos os povos conhecidos ou a descobrir. Grave era o louvor dessa barbárie, celebrada ainda no início do terceiro quartel do século XX, com as crianças a fazerem a comunhão solene, vestidas de cruzados, com prosélita intoxicação. Jesus, um judeu que se dedicou aos milagres e à pregação, jamais imaginou que o fariam a estrela da nova fé.
O cristianismo é uma das várias cisões do judaísmo que Paulo de Tarso instigou e que o Imperador Constantino, persistindo mitraísta, adotou para cimentar o Império Romano, onde a seita se popularizara, e a converteu em religião de Estado, imposta cada vez mais violentamente pelos imperadores Teodósio (finais do séc. IV) e Justiniano (séc. VI).
O proselitismo e o antissemitismo foram as características que mais distinguiram a nova religião do judaísmo, entendendo-se a segunda pelo ódio que os trânsfugas imprimem contra a ideologia de que dissentem. Os quatro Evangelhos (Marcos, Lucas, Mateus e João) e os Atos dos Apóstolos têm cerca de 450 versículos explicitamente antissemitas, «mais de dois por cada página da edição oficial católica da Bíblia», segundo Daniel Jonah Goldhagen (in A Igreja católica e o Holocausto).
O Islamismo é uma cópia grosseira do cristianismo a que falta a influência da cultura helénica e do direito romano, essencialmente civilista, agravado pelo espírito belicista. Evocar as Cruzadas, a evangelização, a Contra-Reforma, a Inquisição, as (re)conquistas cristãs e o antissemitismo da ICAR, é recordar que a demência islâmica não é inédita, é apenas uma recidiva obsoleta de uma religião que se sente aturdida pela globalização e é a boia de uma civilização falhada – a árabe –, que quase só produz petróleo, devoção e terrorismo. Porém, no seu primarismo, tem enorme sedução, que a fez alastrar a povos não árabes, como o Irão, Turquia, Bósnia-Herzegovina, Kosovo, países africanos não árabes, e intoxica progressivamente a Europa e os EUA, com a complacência beata de Estados que ignoram as madraças e mesquitas onde se difunde o ódio e se apela à jihad.
O cristianismo ortodoxo tem como matriz um direito político que impede verdadeiros Estados de direito, onde a religião e o Estado vivem sempre em união de facto.
No Islão, a referência jurídica é o direito teocrático que molda o carácter totalitário do poder onde desde as orações ao vestuário, da alimentação às relações de género, tudo está sob escrutínio do mais implacável dos monoteísmos e da maior ameaça religiosa à civilização, cultura e modernidade que inspiram os Estados modernos. Sob o pretexto do multiculturalismo, a lepra fascista de um islão demente avança, enquanto o mundo civilizado vacila e treme sem encontrar a resposta eficaz para a sua contenção.
Diga-se em boa verdade que o catolicismo só admitiu a liberdade religiosa na segunda metade do século XX, no Concílio Vaticano II, e que foi graças à repressão política do clero que a laicidade se impôs e a democracia vingou, mas torna-se assustador saber que 18% do exército que promove a jihad é de origem europeia e que esses jovens, com um pensamento medieval e treino militar com armas do século XXI, vão regressar.
Olalla Oliveros, de 36 anos, galega, antes e depois de ter ido a Fátima. É a segunda a contar da direita na imagem piedosa.
Quando se imaginava que o papa Francisco vinha arejar a Igreja católica e trazê-la para a modernidade, eis que, «atento à presença de Satanás e à necessidade de o combater», acaba por reconhecer a Associação Internacional de Exorcistas.
A Associação Internacional de Bruxas e Ofícios Correlativos (AIBOC) poderá seguir o exemplo e solicitar o reconhecimento a um Grande Feiticeiro.
O Vaticano reconheceu uma associação de exorcismo, apesar de não ser muito aceite pelos católicos. O Papa Francisco que tem falado cada vez mais no ‘demónio’ e que se deve combater contra este, resolveu reconhecer esta prática, conta o Observatore Romano, segundo o Jornal de Notícias.
Sinto-me um nano-micro-mini intelectual, espécie de especialista em coisa nenhuma, o opinante que faz suposições sobre realidades variadas sem aprofundar uma única. Não me demito de opinar, de me interrogar e de desafiar os outros para me acompanharem nas inquietações, dúvidas e enganos. Cada um de nós só se levanta se tiver caído antes e, em cada tombo, aprender a erguer-se de novo.
Por cada preconceito que enjeito adoto outro, por cada amarra de que me liberto aparece uma nova corrente que me prende. A liberdade é o caminho estreito, entre vias sinuosas de vários constrangimentos, que não poemos desistir de procurar e defender.
Ameaçam a liberdade a fome, a sede, o medo e o preconceito, mas a grande ameaça é a violência que se lhes junta, o sectarismo de quem se julga detentor de verdades únicas, a vindicta de quem vê nos adversários inimigos e nos livres-pensadores réprobos a abater.
As religiões são frequentemente detonadoras do ódio, fautoras de guerras, guardiãs dos velhos preconceitos e inimigas da liberdade, apesar da bondade de muitos crentes e dos golpes de rins dos exegetas.
Todas as religiões consideram falsas as outras e o Deus de cada uma delas. No fundo todos somos ateus porque quem se reclama ateu só considera falsa mais uma religião e um Deus mais. Sem recorrer no conceito grego de ateísmo, veneração de deuses de uma cidade diferente, hoje todos somos ateus em relação a Zeus, Amon, Júpiter ou boi Ápis.
A crença ou a descrença não fazem as pessoas boas ou más. Há exemplos deploráveis de umas e de outras. Trágico é pretender que o que foi escrito na Idade do Bronze, por homens de tribos patriarcais, seja a palavra de um Deus que demorou muitas centenas de milhares de anos a revelar-se e apenas soprou o barro quando o género humano se reproduzia há muito pelo método popular ainda hoje em uso.
Um Deus feito à imagem e semelhança dos homens, dos homens de tempos onde a luta assegurava a sobrevivência, imbuíram os livros sagrados do espírito violento, xenófobo, vingativo, misógino e homofóbico, incompatível com a modernidade.
Não vem mal ao mundo que as pessoas substituam a reflexão e o espírito crítico pela fé, direito que o Estado moderno deve garantir, mas torna-se intolerável o carácter prosélito que devora os crentes, a demente obsessão de impor aos outros o que cada um julga ser a verdade divina, perpétua e imutável, pela violência, quando necessária.
Um Deus que se preocupa com as normas de conduta, da alimentação ao vestuário, das orações aos jejuns, da liturgia à sexualidade, sobretudo com a última, especialmente a das mulheres, não pode andar à solta, sem que o Estado refreie os guardiões e defenda da sua ira quem prefira, ao risco perpétuo de perder a alma, a fugaz apoteose da vida.
A laicidade é a vacina que defende a Humanidade dos confrontos religiosos na disputa do mercado da fé. A globalização ameaça reduzir a um único os credos em confronto.
Talvez não possamos referir-nos à liberdade e à cultura, devendo antes falar de culturas e liberdades, pelo respeito que é devido à diversidade e idiossincrasias no Planeta, mas não podemos negar os caminhos que a Humanidade percorreu ao longo dos séculos e os avanços nos direitos humanos cuja Declaração Universal só foi adotada, pelas Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948.
O que não podemos aceitar, em nome de uma cultura ou da tradição, é a tortura, a pena de morte, o esclavagismo, a discriminação de género ou mutilações rituais, quer se trate da excisão do clitóris, de amputações ou de crucificações pias, voluntárias ou não.
Há valores civilizacionais que limitam as liberdades e, no entanto, devem ser impostos. Incoerência? – Talvez. Julgue-os cada um, segundo a sua cultura e os seus preconceitos.
Vacinas, instrução e normas de higiene devem ser obrigatórias, tal como a igualdade de todos, perante a lei. Não podemos, em nome do multiculturalismo, aceitar a punição de quem renuncie a uma religião e opte por outra ou nenhuma. Não equiparamos a fé e a razão, a civilização e a barbárie, a tradição e os trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este código, tão difícil de aceitar, devia ser de cumprimento universal e obrigatório, sujeitando a sansões quando violado.
Chamem arrogância e prepotência ao comportamento dos países civilizados que exigem fidelidade às normas de conduta que a modernidade e o cosmopolitismo impõem. Pais que vendem filhas, na Europa acabam na prisão e em outras partes do Mundo exercem um direito. Será legítimo coartar a liberdade de venderem as filhas? Claro que é, embora não entendam que, estando esse direito consagrado nos livros sagrados, lhes possa ser vedado por homens ímpios e vagamente jacobinos.
Em Salamanca, na velha Universidade, um general franquista, Millán Astray, mutilado no corpo e no espírito, gritou “morra a inteligência, viva a morte!”, e o reitor, católico e conservador, culto e humanista, Miguel de Unamuno, retorquiu, corajoso: «Não! Viva a inteligência! Morram os intelectuais ruins!», em homenagem à vida e à inteligência cuja defesa tomou perante a beata mulher de Franco, o execrável e acéfalo futuro ministro da Propaganda do genocida e uma infindável plateia de fascistas onde não faltava o bispo.
Foi em nome da liberdade que Unamuno, grande filósofo e intelectual, continuou: «Este é o templo da inteligência e eu sou o seu sumo sacerdote! Vós estais profanando este recinto sagrado. Tenho sido sempre, digam o que disserem, um profeta do meu próprio país. Vencereis porque tendes de sobra a força bruta. Mas não convencereis porque para convencer há que persuadir e, para persuadir, falta-vos algo que não tendes: a razão e o direito. Mas parece-me inútil refletir no que pensais, em Espanha».
Os militares fascistas sacaram das pistolas e a vida de Unamuno foi salva pelo braço de
Carmen Polo, a mulher do genocida Francisco Franco, enquanto Millán Astray gritava, “Tire o braço da senhora!”
Nesse mesmo dia, o Conselho Municipal decretou a expulsão de Unamuno.
Viva a vida! – repito eu –, em apoteose a um bem único e irrepetível.
As suscetibilidades pias são um episódio na escalada contra a laicidade. A substituição do direito divino pela soberania popular foi um passo para a democracia e uma grande deceção para o clero.
A liberdade é um bem escasso. Limitada pela opressão dos Estados, tolhida pelo medo individual e fanatismo religioso, precisa de quem a defenda contra tudo e contra todos.
A publicação de caricaturas de Maomé desatou, há anos, a ira do Islão e os desacatos, ameaças e violência do fascismo islâmico. Os cristão opor-se-ão ao escárnio do calvário de Cristo ou da virgindade de Maria, e a liberdade de expressão regressará ao escrutínio dos clérigos que ao longo dos séculos oprimiram a Humanidade.
Recordamo-nos do trauma das perseguições da inquisição, da celeuma do preservativo colocado em sítio menos óbvio – o nariz de João Paulo II –, pelo cartoonista António e do assassínio de um médico por um pastor evangélico, na sequência da prática de um aborto, nos EUA.
Temos o direito de caricaturar Deus, afirmou então, em França, o jornal France Soir, após a publicação dos desenhos de Maomé: «OUI, on a le droit de caricaturer Dieu».
Se nos deixarmos tolher pelo medo, não tarda que o poder seja de novo confiscado pelo clero, que sempre reivindicou procuração divina, e que sejam postos em causa direitos, liberdades e garantias arduamente conquistados ao longo dos séculos.
Dar publicidade aos testemunhos de irreverência, humor e heresia não é provocação aos crentes, é um ato de cidadania em defesa da liberdade de criação, uma ousadia contra a chantagem, uma advertência de quem resiste ao medo, à violência e às bombas.
Não faltarão cobardes a dizer que «deve haver um certo cuidado» e que «talvez não seja sensato». A pusilanimidade não conhece limites.
Defender o direito à blasfémia é um ato de solidariedade para com criadores artísticos, órgãos de comunicação social que os acolhem e países que não se vergam à histeria da fé e ao fascismo religioso. É também uma forma de homenagear Salman Rushdie cuja condenação à morte teve do Vaticano, do arcebispo de Cantuária e do Rabino Supremo de Israel uma posição favorável ao aiatola Khomeini quando, na sua piedosa demência, o condenou à morte, pelo abominável crime de…ter escrito um livro.
Se os crentes, de qualquer fé, por mais idiota que seja, entenderem caricaturar os ateus, apelidá-los de burros, idiotas e patetas, estão no seu direito. Todos temos de aprender a tolerar o direito de opinião dos que discordam de nós, por mais injustos e provocadores que sejam. O direito de expressão tem de estar acima do direito à repressão.
Quando o grotesco Califado com que gerações de jihadistas sonharam acaba de nascer entre a Síria e o Iraque, e os facínoras da fé instauram o Estado islâmico nos territórios que controlam, não há caricaturas e insultos que bastem, urge repor a salubridade nos territórios que as mesquitas e madraças ameaçam tornar insalubres. Por todos os meios.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.