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26 de Abril, 2016 Carlos Esperança

A arte do ludíbrio

Texto retirado do livro de Daniel C. Dennett “Quebrar o feitiço”,
por
Paulo Franco.

A postulação de efeitos invisíveis e indetetáveis que (ao contrário dos átomos e dos germes) são sistematicamente imunes a confirmação ou não-confirmação é tão comum nas religiões que esses efeitos são por vezes considerados definitivos. Nenhuma religião carece deles e algo que não os possua não é realmente uma religião, por muito que seja assim considerada a outros títulos.

Por exemplo, os sacrifícios intrincados a deuses encontram-se em toda a parte e, evidentemente, em nenhum lugar os deuses emergem da invisibilidade e se sentam para saborear o belo porco assado ou beber o vinho. O vinho é vertido sobre o chão ou no fogo, onde os deuses podem apreciá-lo numa privacidade inobservada e o consumo dos alimentos realiza-se queimando-o ou delegando-o aos xamãs, que os comem como parte dos seus deveres oficiais – que conveniente!

Como de costume, não temos de implicar os xamãs, individualmente, ou mesmo como um grupo difuso de conspiradores, na elaboração desta base racional, já que ela
poderia surgir através da replicação diferencial de ritos, mas os xamãs teriam de ser bastante obtusos para não apreciar tanto esta adaptação como a necessidade de afastar as atenções dela. Nalgumas culturas, surgiu uma solução mais igualitária: toda a gente come os alimentos que, de alguma forma, foram também consumidos de forma invisível e não-destrutiva pelos deuses. Os deuses têm o seu tributo e nós sentamo-nos à mesa também. A transparência deste arranjo tão conveniente não será arriscada? Sim, pelo que é quase sempre protegida por um segundo véu: “Estes mistérios ultrapassam toda a compreensão! Nem sequer tente compreendê-los!” O mais frequente é que seja providenciado um terceiro véu: é proibido fazer demasiadas perguntas sobre estes mistérios.

Duas outras práticas correntes dos xamãs são os truques de mãos, tais como a ocultação de entranhas de animais que podem depois ser milagrosamente «removidas» do torso da pessoa afetada, numa «cirurgia psíquica», e o truque de estar amarrado de pés e mãos e, de alguma forma, fazer com que a tenda abane ruidosamente. No enorme espaço de planeamento intencional de possibilidades, estas três formas parecem ser as mais acessíveis para criar efeitos «sobrenaturais» espantosos para impressionar os clientes, já que têm sido redescobertas repetidamente.

Um dos factos mais interessantes sobre estes atos inconfundíveis de ludíbrio é que os seus praticantes, quando pressionados por antropólogos indagadores, exibem uma vasta gama de reações. Por vezes, obtemos uma admissão franca de que estão conscientemente a usar truques dos espetáculos de magia para enganar os clientes, o que, ocasionalmente, defendem como o tipo de «desonestidade sagrada» (pela causa). E noutros casos, o que é mais interessante, uma espécie de nevoeiro santo de incompreensão e mistério abate-se de súbito sobre o entrevistado, protegendo-o de outros questionários corrosivos.

Estes xamãs não são exatamente burlões nem todos, pelo menos – mas, no entanto, sabem que os efeitos que obtêm são segredos do ofício que não devem ser revelados aos não-iniciados, sob pena de os seus efeitos serem diminuídos. Todos os padres e pastores, todos os imãs e rabinos, todos os gurus sabem a mesma coisa, e a mesma gradação, da plena consciência à inocência, pode encontrar-se hoje em dia nas práticas dos pregadores revivalistas, como foi revelado em “Marjoe”, o documentário vencedor de um Óscar que seguiu Marjoe Gortner, um jovem pregador evangélico carismático que perdeu a fé, mas voltou a ser pregador para revelar os truques do ofício.

Neste filme perturbante e inesquecível, revela como faz as pessoas desmaiarem quando põe as mãos sobre elas, como as incita a fazerem declarações apaixonadas do seu amor por Jesus, e principalmente, como as leva a despejarem a carteira na bandeja da coleta.

25 de Abril, 2016 Carlos Esperança

Viva o 25 de Abril!

Há 42 anos saíram do Posto de Comando da Pontinha as primeiras notícias sem censura e, em breve, começaram a florir cravos nos canos das espingardas.

No Chiado, cercado no quartel da GNR, espavorido e incrédulo, com ministros a chorar, Marcelo Caetano, sitiado pela coragem serena de Salgueiro Maia, implorou um general para se render. Não foi o melhor quem recebeu o poder, mas era demasiado mau o que o entregava. No largo, em frente, o povo vitoriava os heróis, o capitão e os soldados que, de Santarém, ousaram vir escrever a página mais bela dessa madrugada.

Vaso Lourenço estava preventivamente desterrado nos Açores, com Melo Antunes, mas a operação que Otelo tinha desenhado já era imparável. De Viseu, tinha saído o capitão Gertrudes da Silva com uma coluna militar tornada poderosa com os decididos capitães que, de Aveiro e da Figueira da Foz, se lhe juntaram. De Lamego, Delgado da Fonseca marchava sobre o Porto e, em Lisboa, o major Cardoso Fontão prendia o governador militar e os seus capitães seguiram-no na coragem e determinação.

Na RTP e na Rádio já garantiam as primeiras notícias sem censura os capitães do MFA. Costa Martins encerrara o espaço aéreo nacional e controlava o aeroporto da Portela de Sacavém. Por todo o País, os capitães do MFA faziam História na madrugada de todos os sonhos, na mais heroica façanha militar de sempre, em nome da Liberdade.

Na Pontinha, as comunicações militares estavam ao serviço da Revolução, com Garcia Leandro a atender as chamadas dos contrarrevolucionários, em patético desespero, e Otelo seguia a evolução das tropas libertadoras. Da Guarda, o solitário capitão do MFA, Monteiro Valente, depois de ter sublevado o Regimento e deixado preso o Comandante, seguiu para Vilar Formoso a encerrar a fronteira e a prender os pides.

Por todo o País, o suave milagre da paz era obra dos que sofreram a guerra mais injusta, inútil e criminosa que a ditadura fascista pensou poder eternizar.

Nas colónias a guerra já estava perdida, militar e politicamente. Em Portugal, a paz e a democracia acordavam um povo que o medo oprimira, durante 48 anos, para o banquete da liberdade.

Hoje, jazem no esquecimento as centenas de capitães que arriscaram a vida para pôr fim ao pesadelo salazarista que o seu sucessor, politicamente incapaz, prosseguiu.

Há 42 anos ruíram as cadeiras dos biltres da ditadura, não pelo caruncho que as corroeu, mas pela coragem dos militares que as desconjuntou. A conquista da liberdade iniciou a longa caminhada pela igualdade de género e acesso à saúde, educação e dignidade.

A censura, a inquisição das palavras e ideias, terminou. Fecharam-se as prisões políticas e findaram as perseguições por delito de opinião, mas, a pouco e pouco, os beneficiários da Revolução foram os jovens salazaristas que envelheceram e envileceram sem nunca tolerarem quem restituiu a dignidade e a esperança ao povo português.

À medida que vamos esquecendo os nomes, o sacrifício e a generosidade dos capitães de Abril, franqueamos as portas aos nostálgicos da ditadura.

Este ano teremos as três primeiras figuras do Estado a celebrar Abril, o que não sucedia há cinco anos. É tempo de reflexão, não é eterna a liberdade nem vitalícia a democracia.

Vivam os capitães de Abril! Todos!

Viva a Revolução de Abril!

Viva a República!

Viva Portugal!

cravos 3

 

 

24 de Abril, 2016 Carlos Esperança

E Jesus molhou-se para ser cristão

S. João, reparem nisto,

teve este grande condão

ao baptizar Jesus Cristo

foi quem fez Cristo cristão.

(António Aleixo)

23 de Abril, 2016 Carlos Esperança

O Batizado do Menino Dinis

Injustamente ignorado pelas primeiras páginas dos jornais, afastado da abertura dos noticiários televisivos, teve lugar no dia 19 de fevereiro de 2000 o batizado do menino Dinis de Santa Maria Miguel Gabriel Rafael Francisco João de Bragança*.

A princípio julguei tratar-se de uma lista donde os padrinhos escolhessem o nome mais bonito. Só quando percebi que todos os nomes passavam a designar o novo cristão me dei conta da relevância do evento, abrilhantado pelo Senhor Bispo do Porto, numerosos membros do cabido, proeminentes plebeus e piedosas senhoras da melhor sociedade.

Foi com alguma emoção que soube libertado dos riscos do limbo o pequeno Dinis através da água do rio Jordão, embora fosse preferível, por razões bacteriológicas, a dos Serviços Municipalizados do Porto depois de convenientemente benzida.

Escreveu Augusto Abelaira que o homem é o único animal que distingue a água benta da outra, mas nada referiu sobre a diferença da água captada no rio Jordão ou na bacia hidrográfica do Douro.

Certo, certo, é que o menino ficou mais puro, liberto que foi do pecado original que penosamente carregava desde o dia 25 de novembro do ano que findou.

Felicito os patrocinadores e as piedosas pessoas que contribuíram com mais de seis mil contos para tão auspiciosa festa. Apenas temo, por se tratar de uma virtude, que o preço elevado a que ascendeu o primeiro sacramento possa tornar incomportáveis os primeiros vícios.

No entanto, estou certo de que as excelsas senhoras, que ora acompanharam piedosamente o neófito no caminho da virtude, o não abandonarão com a sua solicitude no primeiro pecado.

* Filho do Sr. Duarte Pio, alegado duque de Bragança
Fevereiro de 2000

In Pedras Soltas (2006) – Ortografia atualizada

22 de Abril, 2016 Carlos Esperança

Em Espanha o mesmo abuso…

Un colegio público de Toledo organiza una misa católica para alumnos en horario lectivo

Europa Laica asegura haber realizado una consulta verbal a los servicios de Inspección de Toledo, sin resultado alguno, además de enviar un comunicado a la dirección del centro educativo, sin contestación hasta la fecha.

Carta que el colegio ha enviado a los padres de los alumnos | laicismo.org
Carta que el colegio ha enviado a los padres de los alumnos | laicismo.org

El colegio público Miguel de Cervantes de la localidad toledana de Consuegra ha autorizado una misa católica organizada por los ‘Guardianes de la Fe’ dentro de las actividades programadas con motivo de una Semana Cultural Cervantina. Concretamente, la asociación Europa Laica ha denunciado la permisividad de este centro educativo tras conocerse que el acto religioso será celebrado el próximo 29 de abril, en horario lectivo ordinario.

Este hecho ha sido denunciado por el colectivo laicista ante la Consejería de Educación, Cultura y Deportes de Castilla-La Mancha, pues consideran que la programación de esta misa es “una falta de respeto a la laicidad y a la libertad de conciencia del alumnado, que no debe ser segregado en función de creencias o convicciones”.

21 de Abril, 2016 Carlos Esperança

AAP – Reclamação ao ministro da Educação

Assunto: Atropelo à laicidade em escola de Castelo de Paiva.

Na sequência da reclamação feita ao ministro da Educação com cópia aos grupos parlamentares chegaram à AAP as respostas de dois partidos, PAN e CDS.

PAN – Assembleia da República [email protected] por  gmail.com 

22:10 (Há 19 horas)

para Associação

Boa noite.

Gratos pela partilha.

Cordiais cumprimentos

Francisco Guerreiro

Assessor Parlamentar

********************************

Abel Baptista [email protected] por  gmail.com

20 de abr (Há 1 dia)
para associacao.ate.

Exmos. Senhores

Graças a DEUS que nas escolas há diretores que são democratas e respeitam as opções religiosas de quem é religioso.

Era o que mais faltava uma escola não permitir que os seus alunos, inscritos na disciplina de EMRC não pudessem num ponto tão relevante para a sua crença participar, até quem sabe, em conjunto co os seus pais.

Da minha parte só posso dizer que Deus guarde a direção desta escola que assim procedeu.

Com os melhores cumprimentos.

 

Abel Baptista

Deputado e Secretario da Mesa

Vice-Presidente da Comissão de Educação e Ciência

[email protected]

Telef. 213919287

21 de Abril, 2016 Carlos Esperança

Defesa do monopólio da supestição

Vaticano: Papa questiona cristãos que recorrem a cartomantes e videntes
RV/OR
RV/OR
«Quem segue Jesus não erra», sublinhou Francisco
Cidade do Vaticano, 18 abr 2016 (Ecclesia) – O Papa Francisco questionou hoje os cristãos que recorrem a cartomantes e videntes, afirmando que a fé em Jesus não permite “um caminho diferente”.“Quem faz isto [recorrer a cartomantes] não segue Jesus. Segue outra pessoa que oferece outro caminho, diferente”, advertiu, na homilia da Missa a que presidiu na capela da Casa de Santa Marta.

20 de Abril, 2016 Luís Grave Rodrigues

O Pogrom de Lisboa

O dia 19 de Abril de 1506 amanheceu pacífico e soalheiro. Na igreja de São Domingos, em Lisboa, a missa dessa manhã decorria provavelmente com a calma modorra do costume. 

 Mas, de súbito, a placidez da missa foi interrompida por um estranho fenómeno que se oferecia perante os olhos de todos os fiéis: a imagem do Cristo pregado na cruz que se encontrava sobre o altar estava iluminada por uma estranha e misteriosa luz.
A superstição e a exacerbada crença dos fiéis imediatamente os fez acreditar estar na presença de um milagre: a imagem do Cristo parecia até que irradiava luz própria. 

Todos se ajoelharam em fervorosas preces, em êxtase perante aquele milagre que se lhes oferecia, ali mesmo, à frente dos seus olhos. 

Mas há sempre um desmancha-prazeres em histórias como estas: um dos fiéis mais afoitos logo se apressou a explicar aos seus colegas de missa que a luz nada tinha de misteriosa, pois provinha simplesmente do reflexo de uma candeia de azeite que estava ali próxima. 
E pronto! Caiu o Carmo e a Trindade! 

A primeira coisa que alguém descobriu foi que o chico-esperto era um cristão novo, um judeu convertido à pressa mas, pelos vistos, demasiado depressa. Foi o suficiente para logo dali o arrastarem pelos cabelos para o adro da igreja, onde foi imediatamente chacinado pela multidão dos fervorosos tementes a Deus, e o seu corpo queimado no local. 

O êxtase místico da multidão logo se propagou a toda a cidade. Lisboa parecia ter ela própria enlouquecido. 

Respeitáveis representantes do clero católico saíram dos seus pacatos refúgios de oração e percorriam as ruas de um lado para o outro empunhando crucifixos e gritando: «Heresia! Heresia!». 

A multidão depressa foi engrossando e, ajudada até por marinheiros holandeses e dinamarqueses que se encontravam no porto, iniciou uma gigantesca rusga por toda a cidade. 

Para evitar o caos e a anarquia, sempre más conselheiras, os padres e frades dominicanos tomaram a piedosa responsabilidade de organizar convenientemente o tumulto: judeu ou cristão-novo que era identificado ou apanhado, era imediatamente preso e levado para o Rossio e ali era queimado em gigantescas fogueiras que os escravos municiavam ininterruptamente de lenha. 

Os judeus e os cristãos novos, homens e mulheres, que se refugiavam em casa eram arrancados à força dos seus esconderijos. Até as crianças de berço eram fendidas de alto a baixo ou esborrachadas de encontro às paredes. 

Como mesmo nestas coisas da fé é sempre bom juntar o útil ao agradável, o misticismo assassino daqueles fervorosos e bons católicos não os impediu de pilhar as casas por onde passavam e de ajustar velhas contas com inimigos que muitas vezes nada tinham a ver com o judaísmo. 

Mesmo os que se refugiavam nas igrejas e se agarravam desesperadamente às imagens dos santos eram levados e arrastados à força para o Rossio e queimados vivos. 

A chacina durou dois dias e só terminou por puro cansaço da populaça. Relatos da época falam no sangue que escorria pelas ruas abaixo no Bairro Alto ou na Mouraria. Calculam os historiadores que nesta matança em nome dos mais sagrados princípios e da pureza do catolicismo morreram mais de 4.000 pessoas. 
Tudo, claro, em nome dessa coisa extraordinária que algumas pessoas têm e que tanto se orgulham de ter, que se chama «Fé». 

Tudo feito por bons católicos. 

Tudo em nome de Deus!