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14 de Agosto, 2006 Palmira Silva

50 anos sem Bertolt Brecht

No dia 14 de Agosto de 1956 falecia Eugen Bertholt Friedrich Brecht, vítima de um ataque cardíaco. Mas a sua obra mostra quão vivo está o criador do teatro didáctico, ateu assumido.

Recordo, por exemplo, «A Boa Alma de Setsuan». Esta parábola de Brecht data de 1941 e foi escrita na época em que o dramaturgo vivia no exílio da Alemanha nazi e em que Brecht afirmava que a bondade era o estado natural do homem.

Brecht foi desde o início um opositor do regime nazi e viveu no exílio desde a subida ao poder de Hitler. «A Resistível Ascensão de Arturo Ui» é uma paródia sobre Hitler escrita em 1941, na Finlândia. Usando como pano de fundo Al Capone e as guerras entre gangsters, transpostas para a Alemanha nazi, Brecht reproduz a tomada de poder e a anexação da Áustria.

O seu desprezo pela religião pode ser apreciado, por exemplo, na maravilhosa peça de teatro de Bertold Brecht, Santa Joana dos Matadouros (1932).

Se por acaso alguém vier dizer baixinho,
Que existe um Deus, invisível é verdade,
Do qual, portanto podeis esperar por socorro,
Batei-lhe o crânio na pedra,
Até que ele rebente.

ou no seu poema, «Se os tubarões fossem homens»

(…)
O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos.

Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime
do que um peixinho que se sacrifica contente,
e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo
quando dissessem que cuidam da sua felicidade futura.

Os peixinhos saberiam que este futuro só estaria assegurado
se aprendessem a obediência.
(…)
Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens.
Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa no paraíso,
ou seja, na barriga dos tubarões.

14 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

Günter Grass e Rätzinger

A revelação, feita pelo próprio, de que tinha sido membro das SS, de Himmler, deixou os admiradores do Nobel da Literatura, Günter Grass, em estado de choque.

Nascido no mesmo ano, exactamente seis meses depois, Günter Grass fez o mesmo percurso adolescente de Joseph Ratzinger. É uma nódoa que ficará na biografia do excelente escritor.

Quanto ao Papa, a nódoa é menos grave pois nunca foi uma referência moral e, de certo modo, nunca mudou.

14 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Momento Zen de segunda

Não sei se é a «silly season» ou se de facto o cavaleiro da pérola redonda, J.C. das Neves, ensandeceu de vez, mas a homília de segunda debitada hoje no Diário de Notícias, é francamente mais imbecil que o habitual.

Subjacente à opinação, com o interessante título «Uma decisiva questão de omeletas», está o tema querido ao spin doctor de segunda: a imposição a todos do modelo de família e de sexualidade segundo o evangelho de J.C. das Neves.

Para o devoto católico, no mundo actual subsiste apenas um problema importante, uma clivagem histórica: a não submissão de todos aos ditames do Vaticano no que respeita à sexualidade, traduzida «na facilitação do divórcio e do aborto, na equiparação de outras formas de vida [leia-se não discriminação e estigmatização de homossexuais e mães solteiras]» que segundo o fundamentalista opinador constituem um «ataque à família».

Como o Pedro apontou há uns tempos, e como é óbvio para todos, não há qualquer ataque à família, o que acontece, para grande incómodo da hierarquia católica e de todos os fundamentalistas, é que não há ataques às famílias monoparentais e homossexuais. Cada vez mais, com excepção de uns redutos católicos mais fanáticos, a sociedade ocidental se revela mais tolerante em relação às opções pessoais dos seus membros, está mais aberta à diversidade e ri das definições anacrónicas, neolíticas da ICAR sobre afectos e a sua concretização.

Concordo plenamente com o Pedro quando este diz que «A ICAR ambiciona um monopólio das definições, da definição de fé, da definição de amor, da definição de afectos, etc, porque percebe que nas definições está a chave para o controlo da legislação (é uma questão de lógica bastante simples, se eu controlo as premissas praticamente estou a ditar a conclusão)». E aquilo que os spin doctors católicos de segunda tentam, felizmente desta forma no mínimo rídicula, é manipular a sociedade de forma a impor as definições católicas. Manipulações absolutamente evidentes não só no caso da homossexualidade como no caso do aborto, em que os fundamentalistas católicos querem redefinir o significado de pessoa de forma a abranger meia dúzia de células indiferenciadas.

Acho no mínimo interessante que o fazedor de opinião de segunda, que tanto vocifera contra a ciência, que diz a alto e bom som que a ciência é a «religião» dos ateus, venha agora usar falaciosamente a ciência como muleta para as suas ridículas omoletes. Claro que no mesmo texto em que deturpa a ciência para a conformar aos seus propósitos, demoniza a mesma ciência quando esta se traduz naquilo a que chama «desrespeito pelas regras naturais», isto é, desrespeito pelas regras jurássicas da ICAR que o bom católico quer impôr como «regras naturais».

J.C. das Neves, que não se pronuncia sobre ser igualmente contra natura tudo aquilo que damos como adquirido na sociedade moderna, desde a utilização de qualquer electrodoméstico, até do acender de uma lâmpada, passando pelos hospitais e pelos medicamentos até à roupa que vestimos, assesta baterias apenas nas actividades humanas permitidas pelo nosso desenvolvimento tecnológico que vão contra os ditames do Vaticano: «a procriação artificial, aborto, eutanásia e aberrações sexuais,» que considera «formas de impor a soberania artificial sobre a natureza». Esquecendo que, por exemplo, é a imposição da «soberania artificial» sobre a natureza de muitas doenças que subjaz ao debate da eutanásia, isto é, muitos doentes terminais são mantidos vivos, ou sem dor, artificialmente e a eutanásia em muitos casos reduz-se à remoção desses meios artificiais de manutenção da vida. Como no mui mediático caso de Terry Schiavo.

Entretanto o wannabe fazedor de opinião, que inicia a sua prosa de segunda relegando todos os problemas que assolam o mundo, desde o terrorismo, o aquecimento global ao subdesenvolvimento, como problemas menores em que «domina um consenso ou, quando muito, há escaramuças», termina igualando a tolerância em relação às opções sexuais alheias, isto é, a não submissão de todos à ditadura do Vaticano, ao nazismo e ao comunismo.

Enfim, as habituais falácias católicas e os papões que agitam para tentarem controlar toda a sociedade e no processo assegurarem o poder político do Vaticano que por sua vez é a garantia do poder económico do mesmo, indispensável para manter o fausto a que as cúpulas do Vaticano se habituaram.

A confiança que J.C das Neves demonstra no poder branqueador dos revisionistas históricos ao serviço da ICAR, que pretendem apagar o papel que esta teve no apoio ao regime nazista e conotá-lo com o ateísmo, pode no entanto revelar-se um verdadeiro tiro no pé. Nem todos engolem as histórias da carochinha que estes revisionistas históricos querem vender!

14 de Agosto, 2006 jvasco

O Corão e a Tolerância

«Os judeus são os mais gananciosos de toda a humanidade»
2:96

«Apenas pessoas más são descrentes»
2:99

«Os hipócritas recusam-se a morrer por Alá e Maomet»
4:66

«Não tenhas amigos descrentes. Mata os descrentes onde quer que os encontres»
4:89

«Os descrentes são um claro inimigo teu»
4:101

«Não tenhas amigos cristãos ou judeus. Se tiveres, Alá considerará que és um deles»
5:51

«Combate os descrentes! Alá está do teu lado; ele dar-te-á a vitória»
9:12-14

«Os judeus e cristãos são malfeitores»
5:59

«Nunca ajudes descrentes.»
28:86

«Aqueles que estão com Maomet são rudes para com os descrentes e misericordiosos entre os crentes»
48:29

«Não sejas amigo de descrentes. Eles são inimigos de ti e de Alá»
60:1

Estas são 11 passagens, entre 413 passagens seleccionadas que mostram a «tolerância» do Corão.

14 de Agosto, 2006 jvasco

Católicos ameaçam destruir Amnistia Internacional

«A Amnistia Internacional está sob fogo cerrado de grupos religiosos por causa de sugestões que poderá expandir o seu mandato para incluir o apoio ao acesso ao aborto em caso de violação.

Um grupo crescente de militantes anti-aborto e padres da Igreja Católica ameaçaram tentar destruir o grupo, tentando desencorajar a filiação no grupo e de se realizarem doações á Amnistia Internacional. Encontram-se também a orquestrar uma campanha de cartas para as várias sedes do grupo. Os responsáveis da Amnistia Internacional notam que qualquer decisão será tomada dentro de um ano, no máximo dos máximos e defendem o direito de se debater internamente o aborto e o planeamento familiar dentro do contexto dos direitos das mulheres. A Amnistia divulgou um comunicado na sede londrina dizendo que o grupo «não define a sua política de funcionamento de acordo com as pressões e fluxos de pressões externas.»

Não é claro quão profundamente as facções anti-aborto poderiam destruir a Amnistia Internacional. Mas os grupos religiosos têm sido á muito tempo um pilar da organização, que foi fundada em 1961 por um advogado católico na Grã-Bretanha e que agora tem mais de 1.8 milhões de membros e muitos apoiantes à volta do mundo. O seu trabalho para libertar as pessoas presas por regimes políticos repressivos levou a que a Amnistia Internacional ganhasse o prêmio Nobel da Paz de 1977.

«Isto é completamente inconsistente com o que a Amnistia tem sido», disse John-Henry Western, um membro da direcção do grupo Coaligação Campanha pela Vida, um grupo baseado em Toronto representando cerca de 110.000 famílias. «Nós consideramos isto como um ataque aos direitos dos que ainda não nasceram». Ele afirma que já vários grandes doadores retiraram o seu apoio finançeiro à Amnistia Internacional.

Uma decisão final poderá ser tomada na próxima assembleia internacional no México em Agosto de 2007. Mas o comunicado da Amnistia afirma «muito depende dos resultados» dos debates que decorrem neste momento em vários países. Se existir um acordo de apoio á proposta sobre o direito ao aborto, ela pode ser adoptado por consenso ou apresentada a um voto formal. Pelo contrário, poderá ser eliminada ou enviada de volta para debate.

Entretanto, os oponentes estão a tentar acender um movimento global que deveria buscar os conservadores islâmicos e as igrejas evangélicas. O seu receio a longo prazo é que a mudança de política na Amnistiapoderia encorajar outras agênçias de direitos e ajuda internacionais a tomarem posições semelhantes sobre o aborto e o planeamento familiar. No ano passado, o comunicado dos Médicos sem Fronteiras, afirmou que os seus elementos no campo podem considerar todas as medidas possíveis, incluindo o aborto, quando tratarem vítimas de abuso sexual.

Embora o papa Ratzinger ainda não se pronunciou sobre os planos do grupo, já existe um protesto bastante clamoroso a emergir do Vaticano. Clérigos de elevada patente denunciaram a proposta, incluindo o cardeal Renato Martino, cabeça da Congregação para a paz e justiça.

A Amnistia Internacional afirma que as discussões internas que agora se realizam incluem questões mais amplas tais como os riscos á saúde dos abortos ilegais e o casamento forçado de jovens raparigas. As posições de política da Amnistia, o grupo afirmou no seu comunicado são “fundamentadas nos valores e príncipios dos direitos humanos e não na opinião pública ou popular.”»

Via Anarcas e Liberais.

13 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

90.º Aniversário do Anjo de Portugal

Terminou hoje em Fátima uma autêntica maratona da fé, uma orgia litúrgica cheia de missas, em vários idiomas, e hóstias suficientes para todas as bocas.

O dia de hoje foi um festim para os créus, uma pândega devota que começou à meia noite, com duas horas de adoração do SS.mo Sacramento e terminou com a «tarde de evangelização para imigrantes ucranianos e da Europa do Leste» que abriu às 15H30.

2H00 – Via-sacra, diversão de hora e meia, seguida de uma hora de Celebração Mariana e, logo a seguir, uma missa para queimar tempo, das 4H30 às 5H30.

Das 5H30 às 7H00 foi servida a Adoração com Laudes do SS.mo Sacramento, seguida de uma procissão eucarística, durante duas horas e quinze minutos, com a imagem até ao altar do Recinto.

Às 9H15, sempre sem intervalos, houve Rosário na Capelinha. Foram três quartos de hora de padres-nossos, ave-marias e respectivos mistérios.

10H00 – Solene celebração da eucaristia presidida por D. Dionísio Lachovicz. Oferta de trigo, bênção dos doentes, consagração a Maria e Procissão do Adeus, com a imagem de regresso à Capelinha, 12H30, onde aguarda novos passeios, nos dias 13, para comoção dos crentes e proveito eclesiástico.

Não é a fé que espanta, é a resistência das bexigas. Doze horas e trinta minutos é mais do que uma pessoa normal pode conter-se. Só depois houve um intervalo de três horas, antes de começar a evangelização dos imigrantes do Leste.

Este ano comemora-se a aparição do Anjo de Portugal aos três pastorinhos, alcoviteiro que precedeu as aparições de «Nossa Senhora do Rosário».

O Anjo de Portugal, como a ICAR lhe chama, deve ter chegado na clandestinidade pois a República não lhe teria reconhecido a nacionalidade. Dele não ficou uma única pena, um simples pelo púbico, um mero vestígio que ponha em causa a maior burla religiosa montada pelo clero para combater a República Portuguesa e, mais tarde, o comunismo.

Fonte: GUIA gente – Edição PCE – Distribuição com o «Diário de Notícias. 5 páginas e um poster com o Anjo de Portugal e os 3 pastorinhos de joelhos (meio de locomoção habitual, em Fátima).

13 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

O atentado falhado de Londres

Nova York, Bali, Madrid e Bombaim são os exemplos mais sangrentos e mediáticos do terrorismo global que afecta o sossego e o juízo dos cidadãos habituados à democracia e ao respeito pelos direitos humanos.

Os dementes, cegos pelo ódio e pela fé, quiseram uma vez mais montar um espectáculo cruel com milhares de mortos, certos da retaliação exercida sob o espectro do medo e da incerteza, numa espiral de violência e terror.

Falharam graças à ajuda de quem, sendo irmão na fé, não os acompanhou na demência assassina e na ferocidade mística que os mullahs exaltados pregam nas mesquitas.

O catolicismo expia as cruzadas, a inquisição e a contra-reforma, para seu opróbrio, mas moderou-o laicidade que lhe foi imposta e a secularização.

Detrás de cada credo está a tradição que a uns beneficia e a quase todos lesa. A religião é um assunto particular que não pode ser imposto à força nem servir de pretexto para as guerras que dilaceram o mundo e comprometem o progresso.

O atentado de Londres, a ter êxito, beneficiaria os fanáticos dos dois lados da barricada. O fracasso foi um revés para os trogloditas islâmicos e um balão de oxigénio para Bush e Blair, dois líderes que fazem questão de explicitar as suas convicções religiosas e já mostraram a leviandade de que são capazes.

Desta vez, os deuses contrariaram a vontade de Deus e pouparam à divina crueldade o holocausto de inocentes. Felizmente.

13 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Heresia ao longo da História

A Igreja Católica que hoje conhecemos surgiu pela mão de Constantino numa tentativa de unir pela religião um Império Romano em decadência. Em que todos os créus, pela autoridade divina do braço religioso do Império, a Igreja de Roma, seriam compelidos a lutar pelo Império e espalhar a fé.

Era necessária uma religião suficientemente forte para se impor aos povos dominados por Roma; para consolidar na crendice indissociável dos povos da época o poder conquistado pela força. Uma religião autoritária, rígida, inflexível, estabelecida mediante poderes, leis e morais terrenas. Assim começou o Catolicismo: um expediente político para tornar a Religião Imperial Católica Apostólica Romana a Toda Poderosa, nominalmente predicando o perdão mas de facto imposta e sustentada pela força da espada.

Constantino precisava criar a religião adequada aos seus propósitos hegemónicos e o catolicismo existente no início do século IV não tinha a autoridade suficiente para tal. Era necessário acabar com as grandes controvérsias doutrinais da igreja e estabelecer claramente não só a autoridade em questões de fé de Roma como um conjunto de dogmas em torno do qual se desenvolvesse a teologia necessária a Constantino para cumprir as suas ambições hegemónicas. Assim, Constantino convoca o concílio de Niceia (hoje Iznik, na Anatólia, Turquia), em 325.

O concílio de Arles, em 314, já tinha condenado uma «heresia» desastrosa para a Igreja, a dos Donatistas, que ameaçava alastrar perigosamente e «contaminar» a fé. Os «hereges» Donatos (dois bispos com o mesmo nome: Donato de Casa Nigra, bispo da Numídia; e Donato, o Grande, bispo de Cartago) ensinavam que a Igreja deveria compor-se só de justos, reconhecidos pela sua vida pia e frugal; no momento em que fossem tolerados pecadores no seu seio deixaria de ser a Igreja de Cristo. Pior, diziam que o baptismo administrado por um sacerdote em estado de pecado, é inválido e que um bispo, se com um pecado manchando a respectiva alma, não pode crismar nem ordenar sacerdotes. Esta «heresia», somada à heresia máxima da pregada separação entre Igreja e Estado, era uma ameaça para a ambiciosa, pecadora e faustosa hierarquia cristã de forma que a sua supressão marcou o mote para os restantes concílios, a maioria deles destinados a erradicar pensamentos perigosos para a Igreja, pensamentos identificados como «hereges».

Assim, os pontos a ser discutidos no sínodo de Niceia foram:

  • A questão Ariana,
  • A celebração da Páscoa
  • O cisma de Milécio
  • O baptismo de heréticos
  • O estatuto dos prisioneiros na perseguição de Licínio.

O primeiro ponto era igualmente o mais importante a ser clarificado. De facto, a controvérsia que urgia ser esclarecida tinha a ver com algo que incomodava a cristandade: era o seu mito divino e se sim como conciliar a divindade do Cristo com o dogma de fé num único Deus?

Especialmente porque Ário defendia que o mítico fundador da seita, Jesus, é apenas uma «criatura do Pai», não sendo, portanto, nem eterno nem divino. Insistindo em dizer que «houve um tempo em que o Filho não existia». O arianismo, a que aderiram muitos ilustres prelados, entre eles o bispo Eusébio de Cesareia, conhecido escritor da Igreja, ameaçava atingir proporções inadmissíveis, tão mais inadmissíveis porque sem a natureza divina do Cristo o cristianismo não era mais do que uma divisão do judaísmo.

Aliás, o anti-judaísmo, ou o anti-semitismo cristão, firmou-se com a tomada do controle do Império Romano, sendo o concílio de Niceia um marco neste sentido. Os posteriores Concílios da Igreja manteriam esta linha. O concílio seguinte, o de Antioquia (341) proibiu aos Cristãos a celebração da Páscoa com os Judeus. O estabelecimento da Páscoa foi o 2º ponto decidido em Niceia, em que foi acordado que a Páscoa se celebraria sempre no primeiro domingo a seguir ao 14º dia da primeira lua da Primavera, o 14º Nisan, e não no 14º Nisan, como os judeus e algumas igrejas cristãs o faziam.

O concílio de Niceia ilustra ainda o que acontece quando os teólogos tentam racionalizar o rídiculo. Assim como ilustra algo indissociável da teologia, uma crescente complexidade linguistica que pretende consolidar a autoridade e o poder da Igreja baralhando os mais incautos com uma linguagem hermética e assim pomposamente disfarçar a vacuidade das pretensões em que assenta a religião.

Mais concretamente, foi necessário recorrer a obscura e rebuscada linguagem para estabelecer a divindade de Jesus, conseguida através do recurso à pagã Trindade, ou deus(a) triuno. Faltava resolver como exprimir simultaneamente a unidade e distinção dentro da Trindade, o que foi feito através de uma manipulação judiciosa dos termos ousia (essência) e hypostasis (pessoa). Assim, a Trindade corresponderia a uma única ousia mas as distinções entre Pai, Filho e Espírito Santo eram estabelecidas por três hypostasis. Não era (nem é) claro como estes termos se aplicam na cristologia. Isto é, não só o Cristo para além da baralhação triuna tinha duas essências como falar na ousia divina unida com a ousia humana do mítico Cristo implica que toda a trindade encarnou…

Antes do concílio de Niceia physis e hypostasis eram habitualmente utilizadas para realidades concretas enquanto ousia detinha um significado mais geral e abstracto, sendo as três palavras usadas como sinónimos em muitos casos.

(continua)
12 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Heresia e totalitarismo

Heresia: do grego hairesis significa escolha, preferência, gosto particular, escolha filosófica, inclinação ou preferência filosófica ou por uma escola de pensamento.

O aggiornamento que o Concílio Vaticano II se propunha a fazer pretendia não integrar a Igreja no projecto civilizacional moderno, contra o qual esta tinha lutado de unhas e dentes, mas sim «lavar» a imagem de uma Igreja totalitária demasiado comprometida com a II (e I) Guerra Mundial, com a Inquisição, etc.. Para sobreviver a Igreja necessitava parecer reconciliar-se com o mundo moderno, com os seus valores – tais como os direitos do homem, a igualdade, a liberdade, a fraternidade e a democracia – contra os quais tanto combateu, recorrendo a meios que o homem pós II Guerra Mundial reconhecia como abominações morais e éticas.

E posteriormente apropriar-se destes valores como se fossem seus, fazendo passar a mensagem de que, nas palavras, por exemplo, do «modernista» cardeal Kasper, «a modernidade foi construída fora da Igreja, em grande medida contra a Igreja, mas fundada em valores evangélicos».

Assim, a inquisição, os anátemas e a apologética do século XIX eram estigmas de uma postura que precisava ser superada, e foi desenvolvida uma teologia dos «sinais dos tempos», na qual se inclui a teologia da libertação, que substituiu a teologia apologética que pareceu durante o final do século XIX e início do século XX a única racionalidade teológica possível para fazer frente ao modernismo anatematizado e demonizado por Pio X.

Esta teologia nunca foi aceite de facto pela Igreja, não apenas pelas facções mais conservadoras que a consideram abertamente uma «heresia» modernista, devidamente condenada por Pio X no Decreto Lamentabili Sane e na encíclica Pascendi Dominici Gregis. Heresia modernista que Bento XVI, um seguidor confesso da patrística, se devotou erradicar, chamando-lhe relativismo, agora que o objectivo do Concílio foi atingido, isto é, a imagem da Igreja foi convenientemente lavada.

Torna-se assim interessante analisar as evoluções heréticas ao longo da história do cristianismo, recordando que um elemento fundamental na acusação de «heresia» é o «pecado» do orgulho. Orgulho que consiste em não aceitar os ditames da «autoridade» com base em lucubrações próprias.

De facto, as religiões organizadas não são mais que formas de controle social disfarçadas de religião e/ou ética. E para manter o controle é necessário arranjar um rótulo que identifique quem não aceita a autoridade da Igreja como pertencente aos «maus», aos «outros». Vemos essa necessidade em qualquer sistema totalitário, seja ele político, religioso ou uma amálgama de ambos.

Assim, as religiões procuram explicar os comportamentos humanos com mitos destinados a manipular e controlar, simultaneamente impedindo alterações do status quo. Estas explicações simples, maniqueístas, destinadas a gente simples – que precisa de alguém para odiar e desprezar, alguém sobre o qual sente uma «legítima» superioridade «moral» e contra o qual tudo é justificado – dividem o mundo em «bons» e «maus», «nós» e os «outros», eleitos e excluídos, consoante a sua obediência ou não à autoridade.

É necessário inventar palavras anatematizantes que descrevam inequivocamente os adversários, recorrendo aos mitos que forem necessários para desacreditar e demonizar o «inimigo», simplesmente aquele que não aceita a autoridade. Assim surgiram palavras como epicurista, donatista, arianista, maquiavélico, relativista, etc.. que em conjunto identificam o «herege», aquele que se atreve a pensar pela sua cabeça, o homem livre, o grande inimigo de qualquer forma de autoritarismo.