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27 de Novembro, 2006 jvasco

Provado cientificamente

A palavra provar tem dois significados diferentes. A demonstração, como na matemática ou na lógica. E testar, como provar um fato ou prestar provas. Parece-me que uma grande dificuldade em compreender a ciência vem de confundir estes dois significados.

Um leitor deste blog (João Silveira) comentou que não posso provar cientificamente que a minha mãe gosta de mim. Engana-se. A minha mãe deu já muitas provas de gostar de mim, em muitas ocasiões que testaram o seu amor por mim. É assim que a ciência prova: testando. Está provado cientificamente que a minha mãe gosta de mim.

O problema é pensar que a ciência prova as coisas como a matemática. A prova dedutiva é útil na manipulação de modelos simbólicos (equações, proposições lógicas, e assim por diante), mas não é uma forma de adquirir conhecimento. Se todos os mafaguinhos são calafráticos, e se o Jibidim é um mafaguinho, então prova-se que o Jibidim é calafrático. Mas o que é que isso adianta?

Para tirar algum partido desta prova tenho que encontrar mafaguinhos, determinar se são todos calafráticos, e verificar se o Jibidim é um mafaguinho. E para isso preciso de provas no outro sentido. Preciso de definir os termos, especificar hipóteses, confrontar previsões com o que observo, para pôr à prova a adequação do modelo à realidade. Sem isto fiz apenas um jogo de palavras sem utilidade nem sentido, mesmo que provado por demonstração lógica. É por isso que a ciência nos dá modelos da realidade que são rigorosos, precisos, e úteis: tudo na ciência é para provar, no sentido de por à prova, e toda a ciência está provada, no sentido de ter prestado provas.

O Bernardo Motta revelou a mesma dificuldade quando propôs que a diferença entre esta abordagem e a fé (a Católica, pelo menos) é uma diferença de «visão do mundo»:

«A virgindade de Maria, para mim, é algo de perfeitamente natural e normal, porque tenho uma visão do Mundo que não é positivista. [… O] crente instruído não acredita num dado dogma “porque sim”. Acredita porque esse dogma faz todo o sentido dentro da “weltanschauung” católica. Perfaz um todo coerente de uma beleza que nos convence da sua veracidade.»

Isto é apenas um passo do processo científico: a construção do modelo. Criar uma representação simbólica coerente, elegante, mesmo bela. Pode ser o dogma Católico, pode ser a economia de Marx, pode ser a psicologia de Freud ou a mecânica Newtoniana ou a Relatividade de Einstein. São modelos; palavras e símbolos encadeados duma forma lógica e estruturada.

Mas, como disse Thomas Huxley, mesmo a teoria mais bela pode ser morta por um facto feio. Podemos dizer que o nosso modelo vem da intuição, ou é revelado, ou é metafísico, transcendente, o que quisermos. Mas enquanto não prestar provas de que corresponde à realidade não é mais que o Jibidim e os mafaguinhos calafráticos.

A crença e a ciência não se distinguem pelas suas visões diferentes do mundo. Visões do mundo tem a ciência às dúzias, e muda-as regularmente. Até o dogma Católico já fez parte da ciência ocidental, e nenhum Católico rejeitaria provas científicas da virgindade de Maria ou da ressurreição de Jesus por virem de outra visão do mundo. Apenas o faria se as provas fossem contrárias à sua doutrina. E aqui é que está a diferença. A ciência quer modelos para compreender a realidade, por isso além de os construir também os testa, corrige, rejeita, melhora, e substitui.

A religião quer modelos para acreditar que são realidade, por isso limita-se a enfeitar um modelo com palavras sonantes. Aceita tudo o que facilite a crença. Rejeita tudo o que indique erros no modelo. Como adora o modelo, nem percebe a necessidade de o pôr à prova. Não se testa; tem-se fé. Mistério. Milagre.

Treta.
——————————–[Ludwig Krippahl]

27 de Novembro, 2006 Ricardo Alves

A proibição do véu na Turquia

«No meu campus, ninguém pode aparecer com uniforme religioso. Se hoje levantássemos a proibição do lenço, amanhã apareceriam de chador e no dia seguinte de burqa. No fim, estariam a bater nas jovens com vestidos modernos. Vimos no Irão como pode acontecer depressa.»

(Ural Akbulut, reitor da Universidade Técnica de Ancara, no Público de 26/11/2006.)
26 de Novembro, 2006 Carlos Esperança

Iraque – Violência religiosa

Se, cada vez que morre um iraquiano, vítima da violência sectária, pensássemos no carácter pacífico das religiões, detestaríamos Deus e os seus prosélitos.

Os iraquianos que sucumbem na orgia de sangue, que o tribalismo e a fé se encarregam de levar a cabo, lembram aos agressores o maior erro histórico deste século, mas ilustram a crueldade que só Deus pode.

Quando as rivalidades étnicas entre xiitas e sunitas atingem uma violência intolerável, a que ninguém consegue pôr cobro, vêm à memória as guerras religiosas entre católicos e protestantes que dilaceraram a Europa.

Então era a obediência ao Papa que estava em jogo, misturada com um negócio de indulgências, hoje é o ajuste de contas por umas divergências antigas sobre Maomé, com um genro de permeio.

Os sunitas ganham o Paraíso a matar xiitas, estes têm acesso a matar aqueles. Se vissem o estado lastimável em que chegam, desistiam das 70 virgens que julgam à espera!

Talvez por isso as virgens que aguardam os dementes da fé permaneçam eternamente virgens.

26 de Novembro, 2006 Palmira Silva

In memoriam Mario Cesariny

Cruzeiro Seixas,Mário Henrique Leiria, Natália Correia e Mário Cesariny de Vasconcelos na galeria Otollini, por ocasião da exposição «O cadáver esquisito e pinturas colectivas no meio século da Revolução Surrealista», Fevereiro de 1975.

«O Homem só será livre quando tiver destruído toda e qualquer espécie de ditadura religioso-política ou político-religiosa e quando for capaz de existir sem limites»
Mário Cesariny, declarações reproduzidas em «A única real tradição viva», que o próprio Cesariny reuniu no substancial «A intervenção surrealista» (Assírio & Alvim, 1997).

«O ex-surrealista, o rigoroso e ateu e anti-clerical Mário Cesariny de Vasconcelos»* faleceu esta madrugada com 83 anos.

Com Alexandre O’Neil, António Pedro, José-Augusto França, Marcelino Vespeira, Moniz Pereira, António Domingues e Fernando de Azevedo fundou o Grupo Surrealista de Lisboa, um movimento inspirado no lançado, em 1924, pelo francês André Breton – que Cesariny conheceu em Paris quando frequentava a Academia de La Grande Chaumière- que se propunha a «mudar a vida» e «transformar a sociedade».

Um artista polivalente, com uma extensa obra plástica e poética pontuada de um corrosivo humor, Cesariny foi o dinamizador da prática surrealista em Lisboa, não só com a criação do referido grupo como de «antigrupos» – como Os Surrealistas, com Henrique Risques Pereira, António Maria Lisboa, Fernando José Francisco, Carlos Eurico da Costa, Mário-Henrique Leiria, Artur do Cruzeiro Seixas e Pedro Oom – com a mesma orientação mas questionando e procurando um grau extremo de espontaneidade, objectivo que permeia toda a sua obra poética.

Para Cesariny, homossexual assumido, o amor, «a única coisa que há para acreditar», é «o único contacto que temos com o sagrado. As igrejas apanharam o sagrado e fizeram dele uma coisa muito triste, quando não cruel».

*in Pacheco versus Cesariny – Folhetim de feição epistolográfica, Luiz Pacheco, Editorial Estampa, 1974.

26 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Regeneração cardíaca e células estaminais

Embora na última década, a investigação cardiovascular tenha conhecido um crescimento exponencial que se traduz num melhor conhecimento das alterações moleculares associadas à insuficiência cardíaca, este aumento de informação não teve o resultado esperado na prática clínica, visto que esta doença ainda apresenta um prognóstico sombrio, constituindo presentemente umas das principais causas de morte no mundo industrializado.

A insuficiência cardíaca é assim um problema de saúde pública com elevados índices anuais de morbi-mortalidade, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento. O tratamento clínico com os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (ECA) e os betabloqueadores, melhoraram o prognóstico dos pacientes sintomáticos, mas o tratamento farmacológico apresenta grandes limitações, sendo o número de pacientes refractários muito alto.

Esta situação pode mudar em breve graças a descobertas revolucionárias descritas em dois artigos publicados online na revista Cell na passada quarta-feira.

Uma equipa de cientistas do Massachusetts General Hospital e da Harvard Medical School em Boston, liderada por Kenneth Chien, identificou células estaminais embrionárias em ratos que se podem transformar nos vários tipos de células que constituem o coração, cardiomiócitos, células endoteliais vasculares e células musculares lisas.

Os cardiomiócitos são células altamente diferenciadas que param a sua multiplicação logo após os primeiros anos de vida. A morte dos cardiomiócitos, por exemplo como consequência de um enfarte do miocárdio, origina uma fibrose tissular, que dependendo da extensão pode levar a insuficiência cardíaca.

A equipa de Chien tinha descrito num artigo anterior um grupo de células precursoras do músculo cardíaco a que chamaram células islet-1 (isl1+). Estas células, que são definidas pela presença da proteína is11, foram encontradas nos tecidos cardíacos de ratos e humanos recém-nascidos.

Neste artigo os cientistas descrevem o que acontece a estas células, que podem ser obtidas de células estaminais embrionárias, que, para sua grande surpresa, são percursoras não apenas das células que constituem o músculo cardíaco mas igualmente de todo o tipo de células cardíacas.

Como afirmou Chien, «Este estudo documenta um paradigma para a cardiogénese, em que se mostra que a diversificação das linhagens de células musculares e endoteliais derivam de uma decisão a nível de uma única célula, a célula multipotente isl1+ que é uma célula progenitora cardiovascular».

No segundo artigo, a equipa liderada por Stuart Orkin do Howard Hughes Institute em Chevy Chase, Md., isolou células de um embrião de rato que expressam um gene cardíaco específico, o Nkx2.5+. Estas células diferenciam-se espontaneamente em cardiomiócitos e células do sistema de condução cardíaco – que conduzem os impulsos eléctricos que permitem os batimentos do coração. Com alguma surpresa verificaram que algumas destas células – que expressam um segundo gene, o c-kit e a que chamaram c-kit+Nkx2.5+ – se transformavam em células musculares lisas.

As células Isl1+ estudadas por Chien podem dar origem às células c-kit+Nkx2.5+ descritas por Orkin, mas a relação precisa entre os dois tipos de células é um tema que necessita ser investigado.

«Não se sabe qual é a relação entre estas células, se é que há alguma. Uma pode ser a predecessora da outra ou podem ser linhas separadas» afirmou Orkin apontando que as as células estudadas pelas duas equipas parecem corresponder a campos diferentes de progenitores cardíacos. Estudos anteriores indicam que os campos cardíacos primário e secundário geram estruturas no lado esquerdo e direito do coração, respectivamente.

A descoberta destas células mãe específicas para tecidos cardíacos é extremamente promissora para terapias regenerativas de corações doentes. A regeneração usando células estaminais embrionárias totipotentes tem riscos associados à possibilidade de crescimento descontrolado destas dando origem a teratomas, um tipo de tumor.

Dada a posição oficial do Vaticano em relação à investigação em células estaminais, e ao facto de que para a Igreja de Roma uma célula estaminal – assim como um óvulo fertilizado e um embrião – é uma pessoa, usar para fins terapêuticos uma célula estaminal embrionária, como ululou Tarcisio Bertone, secretário da Congregação do Vaticano para a Doutrina da Fé «Do ponto de vista ético, é como pôr fim a uma inocente vida humana».

Para serem coerentes com a sua «ordem moral natural, isto é, cristã», os fundamentalistas católicos que ululam contra «o comportamento profundamente leviano, promíscuo, debochado e, sobretudo, egoísta» das «homicidas» de vida não nascida dever-se-iam abster deste tipo de tratamento quando ele for disponibilizado. Mas claro, os pró-prisão na realidade estão-se nas tintas para a defesa da vida, apenas querem ver punidas as levianas, promíscuas, debochadas e egoístas mulheres, pelo que neste, como em outros temas, não é de esperar qualquer coerência dos fundamentalistas católicos…

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26 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Separação da Igreja e do Estado na Noruega

Como o Ricardo já tinha referido, a situação anacrónica de um dos países menos religiosos do mundo, a Noruega, em que existe uma religião oficial e uma igreja de estado a que pertencem nominalmente 88% mas de facto apenas 10% da população, está prestes a terminar.

A discussão pública sobre a separação entre o Estado e a Igreja na Noruega iniciada há uns meses – que inclui a possibilidade de um referendo sobre o tema – num país em que a larga maioria da população apoia a medida, foi reforçada pela decisão de há uns dias do órgão máximo eclesiástico, o Sínodo Geral, que votou maioritariamente (63 contra 19) a favor da separação da Igreja e do Estado neste país.

Como referiu igualmente o Ricardo, a Igreja da Noruega, luterana, é liderada pelo Rei da Noruega, com o Storting (Parlamento Norueguês) como órgão legislativo supremo. A Constituição desta monarquia impõe que a família real e pelo menos metade dos membros do Governo professem a religião de Estado, uma imposição bizarra num país em que desde 1964 uma emenda à Constituição permite a todos os habitantes o direito de praticar a sua religião ou não religião livremente.

25 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres II

Pelas razões indicadas no post anterior, não é de espantar que a argumentação recorrente dos pró-prisão – que se desdobram em regurgitações «moralistas» sobre os motivos que levam as mulheres a abortar – assente implicita ou explicitamente no paradigma católico da mulher, um ser sem direitos que se deve «sacrificar» por um qualquer óvulo fertilizado, sendo as que não o fazem seres imorais em quem não se pode confiar a decisão sobre o futuro de uma gravidez indesejada!

De facto, sem se aperceberem que essa argumentação deixa claro que não é a defesa da vida por que militam os pró-prisão, mas sim a recusa em reconhecer direitos à mulher, os que consideram ser a prisão o lugar das mulheres que abortam por motivos «fúteis» ou «egoístas» ululam:

«o que está em causa e o SIM autorizará, é que a grávida possa decidir, sem qualquer justificação ou outra motivação, abortar»

Ou seja, o problema não é abortar, o problema é que a mulher possa abortar por decisão própria sem autorização de moralistas que julgarão os seus motivos! O que subentendem os defensores do NÃO ao referendo que se aproxima é que a mulher não tem qualidades morais para que se possa deixar a decisão sobre a interrupção de uma gravidez indesejada em mãos femininas!

Como ironiza Fernanda Câncio no Glória Fácilde leitura diária recomendada – «a ideia primordial de quem defende o não» é assim «a ideia de que a uma mulher que rejeita a gravidez não tendo sido violada ou não lhe tendo sido detectada qualquer malformação no feto não se reconhecem ‘justificações’para abortar» .

Isto é, contrariando todos os axiomas em que deveria assentar o Direito num estado moderno, os pró-prisão consideram perfeitamente legítimo que o Código Penal nacional criminalize um crime sem vítimas – o embrião não é uma pessoa, como eles próprios admitem ao considerar perfeitamente «morais» os abortos permitidos pela lei actual – , isto é, que se mande para a prisão as «desavergonhadas» que pensam serem pessoas de plenos direitos que podem decidir por si próprias!

A criminalização do aborto é uma forma de violência contra as mulheres e «atenta contra os valores da sua autonomia e dignidade enquanto pessoas humanas». Hoje é um dia em que os adeptos do NÃO deveriam reflectir sobre os motivos porque não só toleram como acham justificada a manutenção desta violência contra as mulheres!

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25 de Novembro, 2006 Carlos Esperança

Os bispos não desarmam

Os bispos católicos consideram-se detentores da verdade única e vêem a Europa como coutada da Igreja Católica e um protectorado do Vaticano.

Lembram constantemente as origens cristãs do Continente como se não houvesse milhões de homens e mulheres que sentiram na pele a intolerância, as perseguições e as fogueiras purificadoras que bandos de eclesiásticos ateavam aos hereges. Mesmo entre os cristãos não esquecem os protestantes a violência do proselitismo romano e o espírito retrógrado do Concílio de Trento ou do Vaticano I.

A identidade da Europa reside na tolerância e no secularismo. A sua coroa de glória é a laicidade. A única bíblia é a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

A sua vergonha é a inquisição, a reforma, a contra-reforma, as cruzadas e a última teocracia que resiste num bairro mal frequentado de Roma, com 44 hectares de sotainas, muitas arrobas de pias ossadas e imensos tesouros surripiados dos países pobres pelo poder que o Papa exercia ou pelo terror que infundia.

Do esclavagismo à tortura, da condenação à morte ao desterro, não houve maldade, infâmia ou crueldade que os sucessivos bandos de eclesiásticos, de mitra e báculo, não praticassem.

Os Papas foram quase sempre os responsáveis pelo atraso, ignorância e superstição dos povos. Ainda hoje infantilizam os crentes com milagres que embrutecem, orações que ensandecem e uma catequese que infunde o terror divino.

Qualquer referência ao cristianismo não é mera redundância, é um gesto de fanatismo que germina no coração do Papa e o pretexto para o proselitismo que é a tara comum às três religiões do livro.

É dessa demência mística, desse negócio da fé, que é preciso libertar a Europa.

25 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres

A incapacidade de compreender e conviver com a diversidade e de aceitar que os direitos do Homem se referem também à mulher, mesmo quando disfarçadas por manobras de marketing, são o apanágio da Igreja de Roma. A Inquisição, uma das fontes privilegiadas para tipificar a intolerância, preservada na congregação dirigida durante décadas pelo actual Papa, especializou-se em difundir na sociedade civil o pensamento único e em perseguir ou estigmatizar todos os que ousassem questionar os ditames do Vaticano.

De facto, durante séculos fomos educados para a intolerância e para o radicalismo. Dogmas religiosos foram pacientemente secularizados como peças estratégicas para a preservação de grupos e sistemas ideológicos. Urge quebrar paradigmas, ousar, como fizeram os demolidores de preconceitos de todas as épocas, sair do espírito de rebanho cultivado pelos que não toleram críticas ou divergências.

A sexualidade é o tema em que a influência nefasta do cristianismo, em todas as suas vertentes, especialmente a misoginia e a homofobia, contamina com mais virulência a nossa sociedade. Uma das faces da misoginia cristã, a relegação da mulher a um sub-humano sem direitos, é o tema onde os monolíticos preconceitos cristãos – de que muitos não percebem as origens – se têm demonstrado mais difíceis de erradicar da nossa sociedade, completamente condicionada até há escassos 30 anos pelos representantes locais da Igreja de Roma!

Hoje, o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, deveríamos reflectir porque razão, como é apontado por Dulce Rocha, vice-presidente da Associação Portuguesa das Mulheres Juristas, «Bater na mulher é um comportamento que é tolerado na sociedade».

Porque razão a PSP e a GNR registaram, apenas no primeiro semestre de 2006, 10.308 queixas por violência doméstica , o que significa que em seis meses pelo menos o mesmo número de homens considerou ser perfeitamente justificada a punição física de qualquer comportamento menos «próprio» da respectiva mulher/companheira.

Condicionadas pelo paradigma mariano da mulher que permeia a sociedade nacional, quantas mais mulheres não se queixaram por considerarem que o espancamento foi «merecido»?

De facto, a nossa é uma sociedade em que permanece anacronicamente o modelo cristão da mulher subjugada ao marido, aos filhos e à casa, uma sociedade que faz julgamentos de valor sobre os comportamentos das mulheres e que desdenha como «egoístas» e epítetos ainda menos simpáticos as que não seguem esse paradigma.

Modelo inculcado pelo matraquear incessante da Igreja de Roma, que não reconhece direitos – a que chama «exigências ‘para ela mesma’»- à mulher, apenas deveres, nomeadamente o dever de morrer por um qualquer óvulo fertilizado ou às mãos de um marido mais violento.

Igreja que santificou a violência conjugal ao apontar como exemplo a seguir Isabella Canori Mora, que preferiu morrer às mãos de um marido abusivo a «violar a santidade do matrimónio». Igreja que nega o direito à vida da mulher ao canonizar como «santa Mãe de Família» Gianna Beretta Molla, que preferiu morrer a abortar.

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(continua)
25 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Fundamentalistas cristãos contra Wal-Mart

A história do Wal-Mart, a maior rede grossista ou de «discount stores» do mundo, confunde-se com a história do seu fundador, Samuel Moore Walton, mais conhecido como Sam Walton, nascido em 1918.

Sam Walton era um devoto cristão, tão devoto que institui em 1991 o prémio Sam e Helen R. Walton, destinado a premiar as igrejas que promovam formas criativas de espalhar a fé. Os fanáticos cristãos americanos, para além de se acharem no direito de decidir o que as lojas devem ou não vender -especialmente os abominados contraceptivos – esperam ainda que a companhia, que emprega mais de um milhão e meio de pessoas, siga o exemplo do seu fundador e seja não só prosélita mas reflicta todos os preconceitos e ódios indissociáveis do cristianismo mais jurássico.

Depois de no ano passado a Catholic League for Religious and Civil Rights,um grupo de pressão fundamentalista católico, ter feito um boicote ao Wal-Mart por este supostamente ter entrado na inventada «guerra ao Natal», isto é, se ter arrogado à heresia de admitir que existem não cristãos no mundo, a rede volta a ser alvo de boicote dos fundamentalistas cristãos.

Desta vez o que levou os ululantes cristãos a paroxismos de ódio foi o facto de o Wal-Mart, horror dos horrores, reconhecer que os homossexuais são pessoas e têm direitos!

Assim, a empresa é acusada pelos fanáticos cristãos de ser dominada pelo mafarrico, algo que é dever cristão impedir que continue.

«O Diabo está a forçar as nossas escolas, empresas e igrejas a reconhecer coisas que são abominações a Deus. Os cristãos não podem deixar que isto aconteça».

Os fanáticos cristãos inspiram-se no seu livro «sagrado e inerrante» para preconizar o modus operandi contra os possuídos pelo Demo:

«David não teve qualquer problema em cortar a cabeça a Golias porque sabia que Golias era um inimigo de Deus e um inimigo do povo de Deus. Ele sabia os estragos que Golias faria se fosse permitido viver».

Aparentemente os «defensores incondicionais da vida» consideram que vida é sinónimo de cristão… os não cristãos não são vida: são inimigos de Deus e como tal não têm quaisquer direitos!

Algo que sempre me intrigou é o facto de, embora ululando ser a sua uma religião de «amor(?)», as únicas campanhas, para além de espalhar a fé, em que estes cristãos mais fundamentalistas se empenham são campanhas de ódio: ódio contra homossexuais, ódio contra as mulheres que abortam, ódio contra ateus e os que não aceitam os ditames do cristianismo, etc..