A segunda lei da termodinâmica é uma das favoritas do criacionismo. A desordem aumenta, tudo se degrada. É a degeneração, a depravação, a desgraça completa. Desde o Dilúvio que não havia nada tão bom. E se a desordem aumenta constantemente, então no inicio teve que ser tudo criado de forma ordenada, ou seja por um deus.
Logo há partida este modelo tem problemas. Precipitam-se a concluir que é o deus deles, que se tornou homem, morreu na cruz, ressuscitou, ditou os dez mandamentos, e assim por diante, o que é muita coisa para apoiar na segunda lei da termodinâmica. Pior, não resolve nada. Se é impossível diminuir a entropia num sistema isolado, tanto faz se o sistema isolado é Universo ou se é Universo+Deus. Esta «solução» é a versão intelectual de varrer o lixo para debaixo do tapete.
E não passa de um mal entendido. Mas vou começar por explicar o que é a entropia. Se não houver fraude, todos os números da lotaria saem com mesma probabilidade. É tão fácil (ou difícil) ganhar com o 13624 que com o 22222. Mas se considerarmos conjuntos de números já pode haver diferenças. Por exemplo, a probabilidade de ser seleccionado um número com todos os dígitos iguais (dez possibilidades) é três mil vezes menor que a de um número com todos os dígitos diferentes (10*9*8*7*6 possibilidades). É aqui que surge a entropia. Se agitamos um punhado de moedas numa caixa de sapatos, todas as configurações exactas (aquela moeda exactamente assim, aquela outra neste sítio, etc) têm a mesma probabilidade. Mas há muito mais configurações no conjunto das «desordenadas» que no conjunto das «arrumadas no meio da caixa», por isso o mais certo é que as moedas fiquem numa das configurações desordenadas.
Agitamos a caixa até estar tudo o mais desordenado possível. Chegámos ao máximo de entropia deste sistema. Agora a caixa aumenta de tamanho mas as moedas continuam onde estão, desarrumadas no meio da caixa. A desordem é a mesma (as moedas não mexeram), mas o máximo de entropia aumentou porque agora podemos desarrumar ainda mais o sistema espalhando as moedas pela caixa maior. É isto que se passa no nosso universo. A singularidade inicial estava no máximo de entropia para o seu tamanho, mas como o espaço-tempo se expandiu imenso o limite máximo de entropia aumentou, permitindo que a desordem continuasse a aumentar até hoje, e por muito tempo no futuro.
A ciência moderna diz-nos que o universo começou no máximo de desordem. Isto não só torna o criador inteligente desnecessário como torna impossível que ele tenha feito o que quer que seja para influenciar o processo. Depois de varrer o lixo para debaixo do tapete aproveitam para dar um tiro no pé.
——————————–[Ludwig Krippahl]
De cabalas e da insustentável estupidez dos teocratas
Momento zen de segunda
Violência em nome de Deus
Todos da Palmira, no Random Precision.
«Neste post vou-me aventurar num tema no qual não estou muito à vontade, e peço já desculpa por qualquer calinada. Mas o Jónatas Machado apontou a conservação da energia como evidência contra a teoria da evolução e a favor da sua fé criacionista, e é precisamente o contrário.
Na mecânica Newtoniana, e num espaço-tempo plano, podemos considerar o sistema como invariante a translações no tempo; ou seja, não interessa quando contamos o instante 0. A consequência disso é a conservação de energia, com energia sendo um valor com uma dimensão (um escalar). Daqui tiramos a tal regra simples que a variação da quantidade de energia num sistema é igual à energia que entra menos a que sai, porque nenhuma é criada nem destruída.
Temos duas formas de calcular isto. Podemos somar a energia que passa por toda a superfície do sistema, ou somar a variação de energia de cada volume infinitésimo dentro do nosso sistema. Se considerarmos os nosso sistema partido em volumes minúsculos, a energia que sai de um entra nos vizinhos, excepto para os que estão na fronteira do sistema e trocam energia com o exterior. A integração de variações em volumes infinitésimos dá assim o mesmo valor que o total de energia que atravessa a superfície. Num sistema isolado não entra nem sai energia, e a variação total é zero.
Com a relatividade isto complica-se. Num espaço-tempo curvo não podemos separar a coordenada do tempo da mesma maneira, e o que é conservado é um vector com quatro dimensões (momento e energia). Os detalhes da matemática ultrapassam-me, mas o resultado, trocado por miúdos, é que agora as duas formas de calcular a variação total de energia do sistema dão valores diferente: somar a energia que passa por toda a superfície não dá o mesmo que somar as variações em volumes infinitésimos porque não estamos a somar valores escalares mas sim vectores definidos em pontos diferentes do espaço-tempo.
Normalmente podemos ignorar a relatividade, e usar a formulação simplificada da conservação de energia. Na evolução e em toda a biologia a variação de energia de um sistema é sempre a diferença entre a que entra e a que sai, quer seja a Terra toda quer seja uma bactéria. Mas na cosmologia é preciso complicar a matemática para modelar o universo em expansão, e a conservação não se reduz a uma frase simples como a de Jónatas Machado:
«Os evolucionistas deveriam compreender que o seu sistema é um “non starter”, na medida em que a lei da conservação da energia afirma que em todos os processos os componentes que entram são equivalentes aos que saem»
Aqui na Terra todos os seres vivos persistem e evoluem à custa do Sol, que fornece energia de sobra para alimentar estes processos. No universo como um todo não se aplica a versão simplificada da lei da conservação de energia. Quando aplicamos correctamente as leis que conhecemos vemos que a expansão do nosso universo pode gerar todas as partículas de que tudo é feito. Não há contradição entre a cosmologia, a evolução, e a conservação de energia, desde que aplicada correctamente. Como alternativa à cosmologia e evolução, Jónatas Machado propõe:
«Criar algo a partir do nada é impossível. E no entanto, nós aqui estamos.[…] Isso é inteiramente consistente com a ideia de que Deus criou o Universo, numa semana de Criação muito especial e absolutamente singular»
Os criacionistas rejeitam a evolução por considerar que é impossível. Rejeitar o impossível é boa ideia, e neste caso é apenas um erro (não é impossível). Mas o passo seguinte é absurdo, pois defendem a criação ex nihilo precisamente por ser impossível. E não é só o criacionismo fundamentalista que sofre desta incoerência. Um dos principais argumentos para a existência de um deus criador sempre foi a necessidade aparente de uma primeira causa, e os teólogos apoiavam-se na filosofia natural por indicar que todo o efeito teria causa. Hoje em dia sabemos que não é assim. Ao nível sub-atómico muitos efeitos nem podem ter causa. O mesmo raciocínio que justificava inferir um deus criador até ao século XX obriga agora a rejeitar essa hipótese. Não só é desnecessário como é aparentemente impossível que um deus tenha criado o universo.»
——————————–[Ludwig Krippahl]
Se o sr. Domingues tivesse escrito que os africanos são «cretinos», seria racista. Se tivesse designado os judeus por «quadrilha de idiotas», seria anti-semita. Se tivesse chamado «estúpidos» aos brasileiros ou aos chineses, seria xenófobo. Se o Público tivesse editado um artigo aludindo à «burrice» católica, dez bispos gritariam «a ICAR está a ser perseguida». Se o alvo fossem os muçulmanos, haveria uma crise internacional. Se um militante do PS (ou de outro partido) tratasse, nos jornais, os do PSD (ou de outro partido) de «estúpidos», «cretinos» e «idiotas», seria excluído do debate público. No entanto, este género de linguagem ordinária é permitido a um grupo específico de portugueses, os sacerdotes católicos. Haverá justificação para se ser eticamente menos exigente com estes senhores? Eu penso que não.
O artigo referido veio na sequência de uma célebre campanha do jornal Público, durante a qual o militante clerical António Marujo tentou convencer os leitores de que iam laicistas a casa das pessoas impedi-las de fazer presépios ou de sairem para a «missa do galo». A campanha era montada a partir de falsidades e meias-verdades, e duvido que Frei Gambozino Domingues não o soubesse. Foi grosseiro gratuitamente.
Por um misto de paternalismo e comiseração por quem ganha a vida a vender uma banha da cobra chamada «ressurreição», a contar patranhas sobre as leis da natureza e sobre acontecimentos históricos, e a meter-se na vida dos outros, muitas pessoas tendem a ter padrões éticos mais baixos para os sacerdotes católicos. É um erro. Qualquer padre pode compreender que a «ressurreição» é treta, e que não é por querer agradar a divindades abstractas que se deve ajudar as pessoas concretas. Resta acrescentar que certos ingénuos e ingénuas acham Frei Gambozino «tolerante». Eu não percebo se os insultos que profere são toleráveis para essas pessoas. Para mim, não são.
[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
«No outro post (aqui) escrevi que a informação numa sequência de elementos, por exemplo uma molécula de ADN, é determinada pelo número de tipos diferentes de elementos e pelo número de elementos na sequência. Isto é verdade para especificar sequências em geral.
Mas se queremos transmitir uma sequência em particular podemos reduzir a quantidade de informação. Por exemplo, o número e, base dos logaritmos naturais, é uma dízima infinita não periódica: 2.718281828459… Mas pode ser especificado como (imagem tirada da wikipedia)
No outro extremo podemos imaginar uma sequência infinita aleatória. Esta só pode ser codificada com uma quantidade infinita de informação, porque não se pode codificar aquela sequência aleatória de forma mais concisa.
Isto revela o antagonismo entre especificidade e informação. Algo que possa ser especificado de forma concisa pode ser codificado com pouca informação, e algo que tem mais informação não pode ser especificado de forma tão concisa. Daí o contra-senso na exigência criacionista. Citando Jónatas Machado:
«O melhor que os evolucionistas conseguem é dizer que a complexidade especificada contida no DNA surge por mutações aleatórias e selecção natural.[…]
As mutações benéficas são raras, não são seleccionáveis e não acrescentam informação complexa e especificada ao genoma.»
Quanto mais especificado menos informação. Por isso é claro que as mutações não podem ao mesmo tempo aumentar a especificidade e a informação. As mutações acrescentam informação precisamente por serem aleatórias e não específicas. O que aumenta a especificidade é a selecção natural, que o faz à custa de reduzir informação eliminando preferencialmente as variantes com menor desempenho na luta pela reprodução.
O problema não está na teoria da evolução, mas na contradição que é o conceito criacionista de informação especificada.
Para saber mais sobre a constante e»
——————————–[Ludwig Krippahl]
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.