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6 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Laicidade radical e outras falácias – II

Para além de uma cedência inadmíssivel às pretensões do terrorismo islâmico, se estas de facto se devessem ao que pretendem os que querem combater o fundamentalismo islâmico com o católico, «a exclusão de Deus» que constitui «um ataque às convicções mais íntimas» dos terroristas em nome de Deus, o que advogam os católicos mais fanáticos, para além de corresponder ao desmoronamento da sociedade tolerante que construímos, não só não resolveria o problema que o terrorismo em nome de Allah constitui como apenas conduziria a uma escalada da violência e a uma nova «cruzada».

Como o confirma, por exemplo, o facto de o número 2 da Al-Qaeda, o egípcio Ayman al-Zawahri, para além de chamar fracassado e mentiroso a George W. Bush, ter designado por charlatão o auto intitulado representante do Deus católico, numa mensagem de vídeo divulgada a semana passada no site da rede de televisão Al-Jazeera. O líder terrorista mencionou Bento XVI afirmando «Esse charlatão acusou o Islão de ser incompatível com a racionalidade, enquanto esquece que a sua própria cristandade é inaceitável para uma mente sensível».

A única forma de combater o terrorismo religioso e simultaneamente defender a nossa sociedade é a defesa intransigente dos valores em que esta foi fundada, primordiais entre estes a laicidade e a liberdade de expressão!

Aproveitar a ameaça que o terrorismo islâmico constitui – e uma simples inspecção aos nossos arquivos confirma termos denunciado desde sempre o fundamentalismo religioso, seja de que confissão for, como a pior ameaça à humanidade na actualidade – para verberar, como um dos apologetas profissionais de serviço ao nosso espaço de debate o faz, que a laicidade e os laicistas são os «maiores amigos» do terrorismo islâmico e que «o verdadeiro inimigo dos terroristas é o Papa Bento XVI», apenas confirma a minha análise da palestra de Regensburg: que esta foi cuidadosamente estudada para que Bernardos sortidos espalhados pelo Ocidente fizessem a apologia de Bento XVI e do catolicismo como bastião da defesa contra o fundamentalismo islâmico e simultaneamente atacassem a laicidade e os valores civilizacionais que pretendem falaciosamente defender!

De facto, afirmar que passa pelo fundamentalismo católico a defesa do nosso modelo de sociedade, isto é, dos seus valores civilizacionais – declarados contra a Igreja católica, que sempre os combateu e os denominou de «loucura e erro» – é rejeitar esses valores e corresponde a uma regressão para uma sociedade análoga à que os fundamentalistas islâmicos querem impor (ou já impuseram) nos respectivos países.

Ao embarcarmos nas falácias preparadas pelos fundamentalistas católicos, que se desdobram em ataques constantes à laicidade e à liberdade de expressão – lendo os textos dos escribas de serviço aparentemente apenas o Papa e os católicos podem usufruir dessa liberdade para criticar outras posturas face à religião, principalmente o islamismo e o ateísmo – não estamos a defender a nossa sociedade: estamos a atacar as bases em que ela foi construída!

Não há qualquer diferença em género que não em espécie entre sociedades integristas em que a religião, qualquer, determina todos os aspectos do quotidiano. A ameaça que constitui o terrorismo islâmico deve-se ao fundamentalismo religioso em que se baseia não ao facto de a religião em causa ser a islâmica. Qualquer fundamentalismo religioso constitui uma ameaça aos nossos valores civilizacionais, que não distinguem cor nem credo.

É extremamente preocupante que há pouco menos de um mês, sem fanfarras nem grandes anúncios públicos, a Assembleia Geral das Nações Unidas tenha aprovado uma moção genérica de combate ao terrorismo global, em que se inclui uma frase defendendo a tomada de medidas contra «a difamação das religiões». Isto é, exortando os estados membro à criação de leis punindo a «blasfémia».

Esta medida, a ir para a frente, indica apenas que o terrorismo global teve a sua primeira grande vitória: a derrota dos valores civilizacionais em que assentam as nossas sociedades democráticas e simultaneamente a derrota de uma declaração que a ONU proclamou faz 58 anos no próximo dia 12, principalmente dos seus artigos 18, 19 e 28.

6 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Da laicidade radical e outras falácias

O ateísmo, normalmente reduzido ao seu significado etimológico, isto é, a negação de Deus (ou deuses), na realidade é a posição filosófica herdeira da filosofia grega, que correspondeu ao abandono das explicações religiosas até então vigentes e em que se procurou, através da razão e da observação, um novo sentido para o universo.

Uma das escolas filosóficas mais antigas, associada ao atomismo, nomeadamente como foi desenvolvido por Epicurus, o primeiro ateísta de que há registo histórico, assentava na existência exclusiva de causas naturais para todos os aspectos da natureza. O ateísmo, se quisermos, corresponde à evolução desta escola filosófica na medida em que os ateístas não sentem qualquer necessidade do sobrenatural, isto é, o Universo é simplesmente aquilo que vemos, é a única realidade existente e nós somos apenas um infíma consequência de processos naturais casuísticos. Assim, o significado da nossa vida é o que fazemos dela e não há qualquer causa última quer para nós quer para o Universo.

Em resumo, para os ateístas a mera concepção de um qualquer ser transcendente ou sobrenatural é, para além de desnecessária, absurda, e toda a «ligação» para além da física, a metafísica que muitos confundem com sobrenaturalidade, se reduz à sua definição por William James, «apenas um esforço extraordinariamente obstinado para pensar com clareza», isto é, sem arbitrariedade nem dogmatismo.

Todas as religiões, especialmente as do livro, são anti-ateísmo e todas elas, na sua história mais ou menos recente, perseguiram e assassinaram todos os que se atreviam a pôr em causa os dislates em que assentam. Todas elas, com excepção do judaísmo, consideram ser obrigação dos crentes espalhar a fé e combater o ateísmo. No entanto, muitos crentes, os mais fanáticos em especial, ululam estridentes acusações de anti-religiosidade em relação a todos os ateus que se atrevem a afirmar publicamente as suas convicções filosóficas.

E enquanto um crente que combata o ateísmo é designado como convicto ou coerente com a doutrina respectiva, um ateu que simplesmente se atreva a manifestar, num espaço que tem o nome Diário Ateísta, as suas convicções filosóficas ou a sua coerência humanista é imediatamente rotulado de ateísta radical ou fundamentalista.

Ou seja, por uma qualquer razão obscura, esses crentes, que não foram permeados pelo pluralismo nem respeitam de facto os valores civilizacionais em que assenta a nossa sociedade democrática, consideram ser apenas o que chamam «convicção» religiosa o que é na realidade fundamentalismo, porque passa pela defesa de um conjunto de princípios, de natureza religiosa tradicionais e ortodoxos, a que chamam «valores radicados na natureza mesma do ser humano», tidos por verdades fundamentais e indispensáveis à consciência colectiva dos Estados em que se inserem, nomeadamente consideram ser dever dos Estados impor esses «valores morais universais e absolutos» na letra da lei.

E chamam «fanáticos» ou «fundamentalistas» ateus aos que se opõem a essa «legítima» imposição a todos dos dislates religiosos respectivos e denunciam as manobras nesse sentido.

Mais interessante ainda é o oxímoro com que mimoseiam os que se opõem a que o Estado seja utilizado na evangelização da sociedade: laicistas radicais!

Tal como não podem existir graus nem adjectivação da democracia, ou há democracia ou não há, também ou existe laicidade ou de facto não há separação Estado-Igreja. Quando quem detém o poder político legitimamente sufragado perpetua ou prolonga esse poder – vide o que está a acontecer na Venezuela em que Hugo Chavez prepara a perpetuação da sua presidência – mata a democracia; de igual forma, quando o Estado deixa a Igreja, que aproveita a mínima oportunidade para tal, imiscuir-se no espaço público (em que este público se refere ao espaço sobre a tutela do Estado) deixa de existir laicidade – contra a qual verberam todas as religiões nos países em que são maioritárias e que exigem veemente e estridentemente naqueles em que são minoritárias.

Nas sociedades ocidentais os sucessivos embates entre a ciência e a religião iniciados na Renascença, exactamente com a redescoberta do trabalho do ateísta Epicurus na forma do poema de Titus Lucrecius Carus De rerum Natura, continuados nos combates políticos ao poder da Igreja, proporcionaram a sociedade tolerante, democrática e assente em valores humanistas que é a nossa. Sociedade que é incompatível com o fundamentalismo religioso. Qualquer que este seja, islâmico ou cristão!

(continua)
5 de Outubro, 2006 Carlos Esperança

A Procissão da Senhora da Conceição (Crónica)

Para animar a fé e variar a liturgia eram frequentes as festas canónicas que esgotavam os ovos, o açúcar e a capacidade de endividamento na mercearia da aldeia.

A missa iniciava as festividades e prolongava-se com rituais e padres paramentados a rigor, vindos das paróquias vizinhas, e o sermão de um outro, contratado para enaltecer a santa e avivar a fé. O pregador subia ao púlpito e distinguia-se pela desenvoltura com que se exprimia, tanto mais apreciado quanto menos percebido, podendo confundir as virtudes e trocar os santos sem beliscar a fé ou pôr em risco os honorários.

Depois da missa a procissão percorria as ruas da aldeia com uma ou outra colcha nas janelas e mantas de farrapos garridas, que era pobre a gente e a intenção é que salvava.

À frente iam os pendões, empunhados por braços possantes que contrariavam o vento, seguidos de bandeiras com imagens pias e anjinhos, apeados, de asas derreadas. A seguir viajavam alinhados os andores do Sagrado Coração de Jesus e de alguns santos que aliviavam o mofo e o abandono na sacristia. Por último vinha a estrela da companhia, a Senhora da Conceição, de comprovada virtude e milagres ignorados.

Os padres viajavam sob o pálio, conduzindo o arcipreste a custódia que exibia a hóstia consagrada, com acólitos a empunhar as varas.

Em meados do século que foi os cruzados gozavam ainda da estima de quem prevenia a salvação da alma e desconhecia a história das guerras religiosas. Assim, ladeando os andores, exultavam os garotos, meninos com uma faixa onde, a vermelho, se destacava a cruz e as meninas com uma touca que lhes escondia os cabelos e exibia uma cruz igual.

Depois dos padres e dos mordomos, orgulhosos dentro das opas, viajavam pelas ruas enlameadas as Irmandades. As Irmãs de Maria traziam o pescoço enfaixado com fitas azuis. Seguia-se a Irmandade do Sagrado Coração de Jesus com fitas vermelhas e, finalmente, as Almas do Purgatório com fitas roxas atrás de um estandarte que as anunciava, não fosse o diabo tomá-las como suas.

A cobrir a retaguarda a banda da Parada atacava música sacra enquanto os foguetes estalejavam no ar. A passo lento se o tempo convidava, ou mais apressados se a chuva fustigava, os crentes regressavam à igreja com deserções antecipadas a caminho de casa onde aguardavam as vitualhas.

Eram assim as procissões da minha infância percorrendo as ruas tortuosas da aldeia e os rectos caminhos da fé.

5 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Prémio Nobel da Física 2006

O Prémio Nobel da Física 2006 foi atribuído aos astrofísicos George Smoot e John Mather pelos seus trabalhos sobre a origem do universo e o Big Bang, mais concretamente pela descoberta das propriedades da Radiação Cósmica de Fundo de Microondas (RCFM) com o satélite COBE- Cosmic Background Explorer Satellite.

A RCFM foi prevista por Gamow, Alpher e Herman, em 1948, quando estudavam a origem dos elementos químicos e o estado da matéria no Universo primordial e foi descoberta, por serendipidade, há quase quarenta anos, por Arno Penzias e Robert Wilson. A detecção da RCFM, uma das fontes mais ricas de informação sobre o Universo primordial e por isso considerada como uma das mais importantes descobertas da história da cosmologia observacional, valeu a Penzias e Wilson o Prémio Nobel de Física em 1978.

Como a Real Academia Sueca das Ciências anunciou, o Nobel foi atribuído aos dois cientistas norte-americanos pela «sua descoberta da anisotropia [perturbações na distribuição espacial da RCFM] e emissão tipo corpo negro da Radiação de Fundo Cósmica de Microondas». O «trabalho efectuado sobre a origem do universo numa tentativa para melhor compreender a origem das galáxias e das estrelas» «reforçou o cenário do Big Bang para explicar a origem do universo».

De acordo com o o cenário Big Bang, a RCFM é uma relíquia da fase inicial do Universo já que «Imediatamente após o Big Bang o Universo pode ser comparado a um corpo que emite radiação [fotões] com uma distribuição de comprimentos de onda emitidos que depende apenas da sua temperatura. O forma do espectro deste tipo de radiação tem uma distribuição especial conhecida como radiação de corpo negro. Quando foi emitida a temperatura do Universo era de quase 3000 ºC. Desde então, de acordo com o cenário Big Bang, a radiação arrefeceu gradualmente à medida que o Universo expandia. A radiação de fundo que medimos hoje corresponde a uma temperatura que é apenas 2.7 graus acima do zero absoluto*» .

Isto é, actualmente em cada centímetro cúbico do Universo existem cerca de 400 fotões, a uma temperatura de -270 ºC ou 3 Kelvin. Este gás de fotões, uma relíquia do Big Bang e uma prova da expansão e de um passado extremamente quente do Universo, constitui hoje a sonda de excelência sobre os eventos do Universo primordial e permite reconstituir, com razoável precisão, cerca de 13.5 mil milhões de anos de História Cósmica. As anisotropias do RCFM constituem uma fotografia das flutuações de matéria que deram origem a galáxias e grandes estruturas do universo.

*A temperatura não é mais que uma medida da agitação molecular ou atómica. Ao zero absoluto ou 0K estão congeladas as rotações, vibrações e translacções, isto é, moléculas ou átomos estão quietinhos.

5 de Outubro, 2006 Carlos Esperança

Viva a República

Viva o 5 de Outubro

Fizeram mais pela liberdade alguns homens, num só dia, do que Deus desde sempre.

4 de Outubro, 2006 Ricardo Alves

Religião, teorias de conspiração e aproveitamentos

As teorias de conspiração podem originar literatura fascinante, mas são tão alienantes como a religião. Fascinam porque estabelecem ligações imprevistas, mesmo que falsas ou tremendamente especulativas. E alienam porque suspendem a nossa incredulidade explorando o nosso desejo e o nosso medo de que exista uma ordem oculta no universo.

A realidade da existência de uma ou várias redes terroristas islamo-fascistas, responsáveis pelo 11 de Setembro e pelo 11 de Março, é inegável. É também um facto que esses grupos são a ala armada de um movimento islamista mais vasto (embora minoritário nos países de origem), estruturado essencialmente pela Irmandade Muçulmana e pelo dinheiro saudita, e que controla escolas, instituições de caridade e partidos políticos. A teocracia iraniana desempenha um papel estruturante no lado xiíta, minoritário dentro do Islão.

No entanto, atribuir à Al-Qaeda capacidade militar para conquistar a Europa, ou olhar para os imigrantes muçulmanos como a vanguarda de uma invasão programada, ou falar da Europa como um protectorado islâmico, são delírios paranóides que relevam de preconceitos racistas, da angústia demográfica, de entusiasmo deslocado pelas aventuras militares dos EUA e de Israel, ou da obsessão identitária com a «civilização ocidental e cristã».

Nos anos 20 e 30 do século passado, a extrema direita afirmou-se na Europa, manipulando um anti-semitismo que se alimentava de teorias sobre uma «conspiração judaica internacional», na qual participariam organizações reais (mas débeis), e minorias urbanas que só lhes estavam ligadas pela mesma abstracção religiosa.

Hoje, o mesmo sector político tem interesse em conjugar os sentimentos islamófobos, o apoio a guerras de conquista e o apelo identitário-conservador cristão. Existe uma diferença fundamental entre quem ataca simultaneamente uma religião e as suas primeiras vítimas (os próprios crentes), estimulando o racismo, e quem critica todas as religiões por princípio, promovendo a laicidade.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
4 de Outubro, 2006 Palmira Silva

A Igreja e o aborto


Sob os auspícios deste Papa absolutista, que considera que apenas as posições da Igreja em todas as matérias são legítimas, assistimos a uma mudança de estratégia da ICAR que tenta impor à Europa laica os seus ditames anacrónicos verberando «que não se trata de impor aos não-crentes uma perspectiva de fé, mas sim de interpretar e defender os valores radicados na natureza mesma do ser humano».

Isto é, com a pesporrência totalitária de quem se arroga detentor das «verdades absolutas» reveladas, de quem acha que só a «racional» hierarquia da Igreja de Roma é competente para definir o que é a natureza humana da qual decorrem, sem discussão, os seus dogmas, Bento XVI, que confunde pluralismo com relativismo, autisticamente afirma que os «valores» católicos são «valores morais universais e absolutos» e que não aceitar esta supremacia do catolicismo sobre todos os aspectos da vida corresponde a uma «ditadura do relativismo».

Esta nova estratégia de afirmação dos dislates debitados pela Igreja de Roma não como preconceitos religiosos mas sim como «verdades absolutas» que todos devem seguir foi adoptada pelo Cardeal Patriarca de Lisboa que sobre o aborto declarou pomposamente ser a posição da igreja uma posição de «ética fundamental» e não «religiosa».

Lamentando ainda «que a discussão esteja condicionada por algumas confusões, como a de limitar a questão a um problema religioso ou um direito da mulher». Na realidade quem está condicionado pela confusão do Papa e do Vaticano entre religião e Direito/ética é o próprio Policarpo. Nem a ética nem o Direito num estado laico são competência da Igreja nem a questão do aborto se reduz a uma questão dogma religioso versus direito da mulher. A redução da discussão sobre o aborto aos direitos da mulher em relação aos supostos direitos de «uma criança por nascer» é uma das muitas falácias usadas pela igreja nas suas campanhas terroristas contra o aborto.

Como aquela que a diocese de Coimbra já tem em curso, não obstante a prelecção falaciosa do cardeal patriarca de Lisboa. Um exemplo de puro terrorismo psicológico em que a diocese utiliza nos folhetos a fotografia de um bebé de meses que é filho de uma das signatárias do Movimento pela Despenalização da Interrupção da Gravidez.

Uma campanha repleta das falácias utilizadas pela ICAR na questão do aborto, já que não tem argumentos lógicos para defender a sua posição absurda, neste caso o chamado «apelo às emoções» em que se utiliza uma foto de um bébé já com alguns meses para pretender que um zigoto, embrião, ou feto – ou uma célula estaminal totipotente – normalmente referidos como a «criança ainda por nascer», são equivalentes ao bébé sorridente com que ornamentam os seus folhetos terroristas!

A outra falácia muito comum, muito bem desmontada neste artigo que recomendo, é a invocação do fantasma da «cultura da morte», com reminiscências explícitas ou implícitas ao nazismo, o reductio ad Hitlerorum usado e abusado para tudo pelos revisionistas históricos cristãos – esquecendo que Hitler criminalizou o aborto para as mães arianas. O que é um argumento absurdo por parte de quem admite como legítima a pena de morte e as mortes colaterais de guerras «justas» ou «injustas». E, como lembra o filósofo Pedro Madeira, é importante frisar que o facto de sermos a favor do aborto não implica, de modo algum, que sejamos a favor da pena de morte.

No cerne da questão do aborto, assim como na questão da investigação em células estaminais ou na clonagem terapêutica em que a argumentação da Igreja é exactamente a mesma, reside simplesmente a questão: têm direito incondicional à vida uma célula estaminal toti ou pluripotente*, um óvulo fertilizado e um embrião?

O resto da argumentação sobre o aborto é folclore ou falácias. Aquilo que se está a decidir na questão do aborto é se devemos ou não conferir o estatuto ético e legal de uma pessoa a uma célula estaminal do muco do nariz ou outra célula adulta qualquer- se estas forem alteradas para totipotentes – a um óvulo fertilizado e a um embrião.

Que a Igreja confira um valor acrescentado transcendente, a alma, a esta célula estaminal totipotente e considere que «Se alguém recusa a dignidade ao embrião [e a esta célula estaminal], então deveria negar também a dignidade à criança» esse é um problema que os crentes têm de enfrentar nas suas opções pessoais. Agora não podem impor a toda a sociedade, supostamente laica, os preconceitos e doutrinas da sua religião.

*De uma forma simples, e de acordo com a sua origem, podem dividir-se as células estaminais em dois grandes grupos: as células embrionárias e adultas. As células embrionárias são totipotentes, isto é, podem dar origem a todos os tipos celulares especializados. As células adultas são também indiferenciadas, porém, como se encontram em tecidos diferenciados, já são especializados, isto é, podem diferenciar-se apenas dentro da sua linhagem celular, pelo que são designadas de multipotentes. Apenas alguns tecidos apresentam células estaminais pelo que a sua utilização é limitada.

No caso da clonagem, terapêutica ou reprodutiva, é introduzido o ADN de uma célula diferenciada qualquer num óvulo a que foi retirado o material genético. No caso da ovelha Dolly foi introduzido o ADN retirado de uma célula mamária adulta, já diferenciada. Ou seja, a introdução num óvulo de ADN com genes diferenciados dá origem a uma célula estaminal totipotente. Célula estaminal que o Vaticano considera ter o mesmo estatuto de uma pessoa.

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3 de Outubro, 2006 Carlos Esperança

O Papa e o Islão (2)

Se uma andorinha não faz a Primavera, uma verdade não transforma um aldrabão numa referência ética.

O Papa usou um subterfúgio para dizer que o Islão é incompatível com a liberdade e a democracia. Dizendo o óbvio esqueceu que Pio IX disse o mesmo da Igreja católica.

De facto, as igrejas são incompatíveis com a liberdade porque atribuem a Deus a autoria de uns livros que denominam sagrados e consideram imutáveis. Os golpes de rins dados por exegetas mais sagazes limitam-se a tornar suportável a vontade divina que os padres divulgam. Emendam a fraude criada em épocas mais bárbaras e cruéis.

Não devemos confundir religião com crentes. Uma é o veneno, os outros são as vítimas. Os islamitas apreciam no Ocidente sobretudo a liberdade religiosa e os árabes podem ser ateus e agnósticos. A islamização é um processo de submissão imposto pelo terror. A pena de morte é um risco para a dúvida e o método para evitar deserções ou cismas.

A Europa conseguiu impor a laicidade e domesticar o cristianismo. O Médio Oriente não tem actualmente condições para corrigir o fascismo islâmico, impor a separação do estado e da igreja e o reconhecimento dos Direitos Humanos.

Os livres-pensadores têm a obrigação de defender o direito à liberdade de expressão do Papa, por maior certeza que tenham da sua vontade em suprimi-la aos outros.

O que não podem nem devem conformar-se é com o aproveitamento de quem pretende opor-se ao perigo islâmico sob a égide de um novo perigo – outra religião, sob a sua influência.

Não se combate o cancro com a SIDA.

O remédio está no aprofundamento da laicidade do Estado e na ajuda aos sectores laicos das sociedades submetidas à tirania religiosa. O resto é preconceito.

3 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Encefalização: o ser do homem


Clique na imagem para aumentar. Evolução da capacidade craniana humana. Neste gráfico estão representados todos os dados disponíveis na literatura até Setembro de 2000 referentes a crânios adultos com mais de 10 000 anos. Análise dos dados da literatura por Nick Matzke no Panda’s Thumb. Contrariamente ao que pretendem os criacionistas, puros e duros ou IDiotas, confirma a existência de um contínuo de fósseis que atestam a evolução humana. Neste gráfico é expressa uma comparação neuroanatómica de espécies extintas com o homem moderno em termos de dimensões cranianas. Ou seja, nada nos diz sobre a evolução da especialização do cérebro humano e concumitantes capacidades comportamentais e cognitivas que nos são únicas . Nomeadamente, é impossível retirar desta representação qualquer tipo de informação sobre a evolução da área neocortical.

«Diga-me onde mora o amor, no coração ou na cabeça?» Shakespeare in Mercador de Veneza.

Há cerca de 3700 anos foi escrito o primeiro documento médico da história da humanidade muito provavelmente por um grande médico egípcio chamado Imhotep, o «papiro cirúrgico de Edwin Smith» que, para além da anatomia do cérebro, descreve problemas neurológicos.

Este documento, escrito por volta de 1700 a.E.C., mas que contém referências a textos escritos até 3000 a.E.C., reporta, entre outros, 27 casos de traumatismos cranio-encefálicos. Podemos apreciar no papiro a descrição de lesões no cérebro – que apresenta «rugas semelhantes àquelas que se formam sobre o cobre em fusão» – que afectam partes distantes do corpo. Um dos casos relatados indica como a fractura do osso temporal do crânio provocou a perda da fala no paciente, ou seja, descreve o primeiro caso documentado de afasia, muito antes de Paul Broca o ter feito em 1861! Para além disso, o papiro de quasi 4000 anos indica que os médicos egípcios provavelmente já tinham a noção de que o cérebro controlava o movimento.

Não obstante toda a evidência empírica sobre a importância biológica do cérebro, os antigos egípcios aceitavam a primazia «mística» do coração e este – assim como outros orgãos sobrenaturalmente «importantes» como o fígado – era removido cuidadosamento durante o processo de embalsamento do cadáver, guardado num recipiente onde permanecia preservado para a viagem até ao «mundo dos mortos». O cérebro era displicentemente removido pelas narinas e deitado no lixo, o que indica considerarem os egpícios não ter o cérebro qualquer papel no «Além»!

Esta visão cardiocentrista induzida por superstições míticas que podemos fazer remontar aos antigos egpcíos é mantida no cristianismo e persiste até ao século XVII, não obstante os atomistas, nomeadamente Demócrito que classificou o cérebro como a «cidadela do corpo», o «guardião do pensamento e da inteligência», e outros pensadores como Hipócrates, Herófilo ou Galeno, terem colocado o cérebro como responsável pelo ser do homem.

Na realidade, é no cérebro e não no coração – como pretende toda a mitologia cristã, que na linha aristotélica privilegia a tese «cardiocentrista«, aquela que confere ao coração o monopólio da razão e das paixões – que devemos procurar a explicação do «ser» do homem, em que este ser inclui o «ser» social e moral, que evolui com a encefalização do homem. Isto é, não é necessária uma alma «insuflada» por qualquer mito para explicar biologicamente o que as mitologias sortidas atribuem a intervenção divina.

Assim, como explorei em Agosto na série de posts devotada à encefalização e evolução humanas, o que nos torna diferente das outras espécies animais são as capacidades possibilitadas por um cérebro único no reino animal. É esse mesmo cérebro que nos impõe, usando o termo cunhado por Eugene D’Aquili, o «imperativo cognitivo», um desejo de ordem e sentido que é biologicamente condicionado e que está na origem dos mitos religiosos. Mitos religiosos que constituiram há dezenas de milhares de anos um trunfo evolutivo mas que hoje mais não são que um anacronismo que representa regressão e não evolução!

(continua)
2 de Outubro, 2006 Ricardo Alves

Quem é o jovem?

Quem é aquele jovem ali atrás?

Dou duas pistas: na fotografia, está de férias na Suécia; e viria a tornar-se um importante líder religioso, uma referência para milhões de pessoas…

Adenda: é evidente que se trata do jovem Ossama Bin Laden com os seus irmãos e irmãs, em 1971.