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16 de Dezembro, 2006 Palmira Silva

8 de Dezembro – VI

Ao longo desta série de posts* fica claro que todo o reinado de Pio IX é pautado pelo combate à perda de poder político da Igreja – que confirma a citação de Antero de Quental, isto é, consistiu em «fortificar a ortodoxia, concentrando todas as forças, disciplinando e centralizando; empedernir a Igreja, para a tornar inabalável» – ou seja, para tentar recuperar a hegemonia perdida Pio IX acentuou fortemente as prerrogativas papais na área religiosa, debitando dogmas e proclamações sem qualquer discussão prévia dentro da Igreja. Assim, o dogma que criou o feriado que inspirou esta série foi o primeiro definido e proclamado – na bula Ineffabilis – apenas pelo Papa, sem o apoio de um concílio.

Mas o que marca o pontificado deste Papa absolutista que se arrogou a declarar-se infalível – não por coincidência, no mesmo ano em que a Itália anexou os estados pontifícios – são a encíclica Quanta cura (1864) e seu famoso apêndice, o Sílabo de Erros, ou mais concretamente o Syllabus complectens praecipuos nostrae aetatis errores (Sílabo que abarca os principais erros do nosso tempo) que, para além da defesa da intolerância religiosa, condenam explicita e veementemente a democracia, a laicidade, a pretensão dos governos em legislar sem os auspícios do papa, o feminismo que dava os primeiros tímidos passos, o progresso e a civilização moderna. Enfim, tudo que fosse ou parecesse moderno merecia o anátema da Igreja de Roma, que bramia estar sob ataque de forças demoníacas empenhadas em desacreditar ou destruir os dogmas da fé!

Mas as manobras de Pio IX para segurar as rédeas do poder secular, nomeadamente a centralização no Papa de todo o poder, foram contraproducentes para as ambições papais já que os governos europeus viram claramente os propósitos de Roma e uma onda de saudável anti-clericalismo varreu a Europa como resposta. Como o confirma a carta circular em que o chanceler Bismarck alerta em 1872 os governos europeus para o facto de, após o concílio Vaticano I, os bispos se terem tornado meros instrumentos do Papa. Num discurso no Reichstag em 1872, Bismarck afirma mesmo que:

«Não acredito que, depois dos dogmas recentemente expressos e publicamente promulgados pela Igreja Católica, seja possível a um poder secular chegar a uma concordata, sem que esse poder seja, em certa medida ou de alguma maneira, humilhado.»

Otto von Bismarck unificou a Alemanha sob o controle prussiano e após a incorporação dos estados católicos do sul e parte do que é hoje a Polónia, não via com bons olhos que os católicos, representados pelo Partido do Centro Católico – o tal que uns anos depois deu de bandeja a chancelaria a Hitler -, colocassem a autoridade papal acima da autoridade do estado alemão. Assim, tentou restringir e conter o poder político de Roma com a Kulturkampf (a luta cultural devidamente condenada por Pio IX na encíclica de 1875 Quod Nunquam), especialmente com o Kanzelparagraph – que ameaçava com até dois anos de prisão os clérigos que fizessem declarações políticas dos púlpitos – e, por exemplo, a introdução do casamento civil.

Para além da Alemanha, o despotismo papal que se traduzia na recusa de Pio IX em reconhecer a legitimidade do poder temporal de qualquer governo que não aceitasse ser regido pelos ditames do Vaticano, nomeadamente a recusa de Pio IX em aceitar o novo estado monárquico constitucional italiano e a excomunhão de todos os católicos que participassem em qualquer processo democrático, tiveram como consequência o oposto do pretendido pelo Papa. De facto, o poder católico na sociedade civil foi diminuindo um pouco por toda a Europa, nomeadamente com a secularização do ensino e a instituição do casamento civil, mesmo em países como a Áustria, um país tradicionalmente católico.

Secularização do ensino que sempre foi um espinho cravado na Igreja de Roma que considerava ser um «direito inalienável da Igreja» a lavagem cerebral desde tenra idade, como é reiterado na encíclica de Pio XI, Divini Illius Magistri. Recordo que as únicas divergências de Pio XI e Pio XII com Hitler e Mussolini tinham exactamente a ver com a educação dos jovens, que ambos carpiam ser direito da Igreja e não dos estados nazi e fascista, respectivamente.

O reconhecimento de que a linha de acção de Pio IX era contraproducente para as ambições de poder de Roma ditou a aparente reconciliação com a modernidade do papa seguinte, Leão XIII (1878-1903), que embora declarando na bula Immortale Dei ser a democracia incompatível com o catolicismo – isto é, com a autoridade da igreja – tentou uma reaproximação menos despótica com diversos governos europeus. O desentendimento com o estado italiano, no entanto, perdurou até ao Tratado de Latrão, assinado no antigo palácio papal em 1929 entre o Papado e o regime fascista de Benito Mussolini (mediante o qual foi criado o Estado do Vaticano e a Igreja recebeu uma astronómica quantidade de dinheiro em troca do apoio à ditadura fascista).

De qualquer forma, e como ligação para os posts seguintes, importa reter que toda a actuação de Pio IX se insere numa luta política de manutenção de poder e sequer remotamente tem a ver com questões de fé. Isto é, os dogmas que introduziu e as declarações que produziu, muitas delas em total discordância com a tradição católica, tentavam simplesmente assegurar o poder temporal de Roma.

Assim, a proclamação por Pio No No, em total discordância com a própria doutrina da Igreja, de que o aborto é um pecado imperdoável, merecedor de excomunhão automática, qualquer que seja o momento em que seja feito, tem de ser contextualizada na sua guerra desesperada contra o modernismo e a ciência e não traduz qualquer reflexão teológica sobre o tema. Reflexão teológica desencorajada por Roma a partir de então já que a negação da declaração quasi dogmática e quasi infalível de Pio IX, sem qualquer suporte teológico, filosófico ou ontológico, lançaria suspeitas sobre os restantes dogmas «infalivelmente» declarados !

* 8 de Dezembro
8 de Dezembro – II
8 de Dezembro – III
8 de Dezembro – IV
8 de Dezembro – V

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15 de Dezembro, 2006 Carlos Esperança

As incoerências do ditador Bento 16

B16 é o último teocrata da Europa e um dos últimos chefes de um Estado totalitário, de opereta, situado no coração da Itália.

O travesti com mais luxuoso guarda-roupa e chapéus bizarros, com que aconchega as orelhas, tem da ética uma noção rudimentar e da vontade de Deus certezas inabaláveis.

Não se confirma que o velho inquisidor acredite em Deus, mas é do seu ofício vender a ideia às pessoas timoratas e à legião de empregados que vivem – e bem -, das orações, indulgências, missas e outros pios divertimentos impostos pelo medo ou mantidos pelo hábito.

Quem esperasse do Vaticano – um bairro de sotainas, soturno e pouco recomendável -, um apoio à ciência, o empenhamento na democracia, a defesa dos Direitos do Homem, certamente se desiludiria.

Mas pasma-se que o proclamado representante de Deus, iluminado pelo Espírito Santo – uma pomba que ilumina o pensamento dos Papas e engravida virgens -, seja tão rápido a amaldiçoar um bispo, a quem JP2 já o tinha feito, e demore tanto a fazê-lo a criminosos do delito comum.

Um bispo é excomungado pela segunda vez por defender o casamento dos padres e a ordenação de mulheres, enquanto um padre condenado a 15 anos de prisão, ou uma freira condenada a 30, ambos por genocídio, aguardam a bênção papal.

15 de Dezembro, 2006 Palmira Silva

Obesidade e espantalho SNS

Suplemento da Nature de 14 de Dezembro de 2006: Obesidade e diabetes (acesso livre)

Na falta de argumentos para explicarem bem explicadinho porque razão os pró-prisão subscrevem a pena de morte – já que ululam ser um assassínio o aborto por opção da mulher mas aceitam sem problemas o aborto por opção médica -, o recurso ao espantalho SNS é a falácia de eleição dos que já começaram a invadir o ciber-espaço com lamentos de que nas condições actuais do país este «não se pode dar ao luxo de pagar os prazeres despreocupados e bem passados das meninas, que por descuido não tomaram as devidas precauções» justificando assim que «VOTO NÃO,NÃO E NÃO!!!!!!!!».

Claro que é impossível assentar em argumentos éticos ou ontológicos a posição insustentável de se ser a favor, no país pioneiro da abolição da pena de morte, do «assassínio» de uma pessoa por opção médica e seria mais que expectável ser a campanha dos pró-prisão assente exclusivamente em falácias, mas esta é tão imbecil que eu esperaria, quiçá optimisticamente face aos dados vindos a lume recentemente, que o NÃO recorresse a falácias mais subtis!

De facto, se alguém considera justificação para manter a criminalização do aborto não querer pagar dos seus impostos «os prazeres despreocupados e bem passados das meninas» porque razão não se há-de criminalizar outros prazeres, que não sexuais, igualmente despreocupados e bem passados e sem serem acauteladas as devidas precauções, que acarretam custos muito superiores, pelo menos uma ordem de grandeza quiçá duas a breve trecho, para o SNS?

Nomeadamente refiro-me aos prazeres da mesa que resultam na obesidade e implicam uma panóplia de doenças crónicas, como a que é abordada especialmente neste suplemento da Nature, a diabetes tipo II, mas igualmente outras disfunções metabólicas incluindo doenças cardiovasculares, a maior causa de morte em Portugal.

Porque razão deve uma fatia larga dos nossos impostos pagar as consequências da sandes de courato de alguém que, inundado de informação sobre as causas da obesidade bem como sobre as formas de a evitar, persiste neste comportamento irresponsável sem tomar as devidas precauções, nomeadamente exercício regular?

Com base no que parece ser o sustentáculo único da argumentação pró-prisão, que o comportamento «irresponsável» que acarrete problemas de saúde pública deve ser criminalizado, será que consideram igualmente criminalizar a obesidade? Considerarão igualmente criminosos os fumadores? Ou os que não fazem exercício regular?

15 de Dezembro, 2006 lrodrigues

Is that a newspaper in your lap, or are you just happy to see me?

Parece que a moda pegou!

Primeiro foi o pastor Ted Haggard.
Conhecido pela sua homofobia e pela veemência com que se manifestava em tudo o que se relacionasse com os homossexuais e os seus direitos, Ted Haggard acabou por se demitir da presidência da «Associação Nacional Evangélica» e por reconhecer que mantinha há vários anos um relacionamento homossexual.
Depois foi a vez do Reverendo Paul Barnes.
Igualmente célebre pelas suas arengas homofóbicas e pelo apoio às recentes campanhas contra os casamentos homossexuais naquele estado norte-americano, Paul Barnes, pastor principal de uma igreja evangélica do Colorado, acabou se demitir depois de confessar ser homossexual e de sentir sexualmente atraído pelo mesmo sexo desde os cinco anos de idade.
Como se não bastasse, a «moda» chegou à Suécia.
Uma vez que a Suécia é normalmente tolerante no que respeita à orientação sexual dos seus cidadãos, que é normalmente encarada com toda a naturalidade, não são vulgares os escândalos relacionados com a homossexualidade ou com figuras mais ou menos públicas que subitamente resolvem «sair do armário».
Mas quando é um alto quadro do Partido Democrata Cristão, apesar de a sua identidade não ter sido revelada, que está envolvido num «escândalo homossexual», até na Suécia isso é notícia.
Principalmente porque se trata de um partido ultra-conservador que pugna ferozmente pelos «valores tradicionais da família» e que não simpatiza mesmo nada com a tolerância sueca pelos direitos dos homossexuais.
Pois o bom do democrata cristão foi primeiramente visto num carro com outro homem a, digamos assim, manipular-lhe o pénis.
(De facto, há eufemismos fabulosos!)
A coisa podia bem ter ficado por aqui, não fosse o manipulado não estar ainda satisfeito com o desempenho do manipulador.
Vai daí o nosso democrata cristão resolveu estacionar o carro noutro local mais recatado onde acabou por ser apanhado, enfim… com a boca na botija.
(Eu não digo que há eufemismos fabulosos?)
Chamada a polícia, o ilustre democrata cristão negou veementemente que estivesse envolvido em qualquer actividade sexual, embora pudesse perfeitamente parecer isso pois, explicou, não estava mais do que inclinado para ler o jornal que o seu companheiro tinha pousado no colo…
Como dizem os nossos amigos do «Renas e Veados»:

A homofobia é tão gay!…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

14 de Dezembro, 2006 Carlos Esperança

Saia uma excomunhão bem tirada

O Vaticano reafirmou a excomunhão do bispo americano Fabian W. Bruskewitz, decidida há dez anos, por pertencer a um movimento – Call to Action -, que defende alterações na doutrina de Roma face ao celibato dos padres, à ordenação das mulheres, ao processo de selecção de bispos e papas, e à contracepção artificial.

B16 tem o direito de excomungar quem quiser: o Diário Ateísta, os seus colaboradores, o sacristão da igreja das Mercês, o diácono de Alcântara ou o prior de Santos-o-Velho. É uma forma de equilibrar as bênçãos papais a Franco, Salazar, Moussolini, Pinochet e outros criminosos amigos da hóstia e do Papa.

Mas o Sapatinhos Vermelhos, ao excomungar pela segunda vez o bispo americano, veio provar aos ateus que a excomunhão tem um prazo de validade curto ou que o antecessor era incompetente para fazer uma excomunhão bem feita.

Sendo os objectivos da associação a que pertence o bispo, detalhes de secretaria que um Papa vindouro vai alterar, não se percebe o objectivo da excomunhão – um bem escasso que gasta com os colegas em vez de usar em ateus.

Deus, se existisse, havia de preferir a companhia de quem o nega à dos embusteiros que vivem à custa dele. O excomungado vai verificar que o castigo é irrelevante e, assim, é mais um a dar-se conta da inutilidade dos actos do Vaticano.

14 de Dezembro, 2006 Palmira Silva

350 000 portuguesas em idade fértil já abortaram

Foi ontem apresentado na Maternidade Alfredo da Costa o estudo «A Situação do Aborto em Portugal: Práticas, Contextos e Problemas», assente numa sondagem encomendada pela APF à Consulmark.

Para além do autismo subjacente aos protestos dos movimentos pró-prisão em relação ao facto de um organismo público ter albergado a divulgação do estudo – mas não protestaram, claro, a apresentação do livro pró-prisão «Vida e Direito», da autoria de Matilde Sousa Franco, na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, igualmente um organismo público – importa reflectir nos resultados deste estudo, que desmistifica algumas lendas urbanas em torno do tema.

O estudo indica que 350 mil mulheres em idade fértil (isto é, entre os 18 e os 49 anos) já terão abortado em Portugal. Pessoalmente considero que estes números pecam por defeito – e conheço muitas mulheres que sei terem abortado e se recusam a admiti-lo – também pelo facto de a sondagem se ter restringido a mulheres em idade fértil, isto é, a mulheres que cresceram e viveram na época de contraceptivos mais eficientes e acessíveis. Estou certa que se inquiridas mulheres da geração da minha mãe, em que os contraceptivos eram de mais difícil acesso e menos eficazes e o «desmancho» algo banalizado no «sub-mundo» das mulheres, estes números seriam muito mais avassaladores.

De qualquer forma, estes números demonstram claramente que o aborto não é, como pretendia um conhecido fazedor de opinião da nossa praça, «uma questão residual». Na realidade, e como este «exercício fútil e idiota mas às vezes dá vontade de o ser…» da Shyznogud indica, usando um método contraceptivo com uma eficiência de 99,5% – que é um valor optimista e não entra em conta com possíveis problemas, por exemplo gastro-intestinais, que anulam o efeito dos contraceptivos orais – todas as mulheres fertéis têm uma probabilidade, calculada de forma conservadora, de pelo menos 1,5 gravidezes indesejadas!

E o estudo indica que muitas destas gravidezes indesejadas são interrompidas, não obstante a lei, e – como refere o médico pró-despenalização Constantino Sakellerides, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) e ex-director-geral da Saúde – torna evidente que as mulheres não tomam a decisão de abortar «com ligeireza»- a maior parte diz que a decisão foi «difícil» ou «dificílima».

O estudo ressalta ainda o problema de saúde pública que o aborto clandestino constitui já que quase 35% das mulheres ouvidas fala em complicações pós-aborto. Dessas, 27,4% precisaram mesmo de internamento hospitalar. Em um terço dos casos em que foi usado um medicamento abortivo, foi necessário concluir o processo num estabelecimento de saúde.

Isto é, os que ululam o espantalho SNS, ignoram, para além dos traumas psicológicos e físicos que a situação constitui, os custos actuais da criminalização do aborto, comparáveis ou até superiores àqueles que a despenalização acarretaria mesmo se a IVG fosse integralmente suportada pelo SNS, o que duvido!

No Público de sábado entre os artigos dedicados à tese de mestrado sobre o aborto de Andreia Peniche (links reservados a assinantes) retiro o que considero ser o cerne da questão no referendo de 11 de Fevereiro e que o estudo evidencia:

«A autora aponta ‘a dificuldade em perceber as mulheres como seres autodeterminados e capazes de escolhas responsáveis e morais‘».

Ou seja, num país que foi pioneiro na abolição da pena de morte, o que indica que a população nacional não aceita que qualquer que seja a dignidade ética de um determinado indíviduo esta se sobreponha à dignidade intrínseca de uma pessoa humana, todos (ou quase, há uma percentagem muito pequena de fundamentalistas católicos que quer uma lei análoga à da Nicarágua, que condena à morte todas as mulheres que tenham uma gravidez ectópica) aceitam e aprovam o aborto por escolha médica. Mas desses, muitos não aceitam o aborto por escolha da mulher! Isto é, para esses o aborto não é intrinsecamente algo errado o que é errado (ou fútil) é permitir que se realize por escolha da mulher!

Subentendendo a aceitação do aborto por opção médica – uma vez que estou certa que os mesmos que consideram justa a actual lei não aceitariam o assassínio de alguém por indicação médica ou outra – que muito poucos em Portugal consideram ser uma pessoa o embrião ou feto abortado, o que está em causa é o paradigma católico da mulher que ainda impera em Portugal. Mulheres que sendo mais «fracas de espírito» e «atreitas» às tentações do Demo não têm competência moral para tomar este tipo de decisões devendo estas ser feitas por outrem, que ajuizam as motivações femininas para abortar!

Assim, o que vamos votar no próximo dia 11 de Fevereiro é mais do que a despenalização do aborto! Vamos igualmente decidir que modelo de sociedade queremos seja a nossa! Porque uma lei que reflecte claramente falta de confiança na mulher, que não a considera capaz de tomar decisões, corresponde a uma sociedade que não se coaduna com os valores que supostamente deveriam ser os nossos, assente nos direitos do Homem. Se o resultado do referendo for NÃO, a nossa é quanto muito uma sociedade que reconhece (apenas) os direitos do homem…

14 de Dezembro, 2006 jvasco

Fait divers no mundo da religião

A controversa igreja da Cientologia recebe um subsídio governamental de 270 mil libras (cerca de 400 mil euros)

Conselheiro Baptista acusado de crimes sexuais

Menino de 11 anos suicida-se por não ter dinheiro para fazer 1ª comunhão

E agora, a publicidade:

Se tem uma promessa para cumprir e o não pode fazer, ou se simplesmente quer agradecer a N.ª Sr.ª de Fátima as Boas Graças recebidas ao longo da vida, Carlos Gil
Percorre por si, o caminho de Fátima a pé, e transporta com ele o pagamento da sua promessa ou o seu agradecimento a N.ª Sr.ª de Fátima. Acende, em seu nome, o nº de velas prometido no Santuário.

14 de Dezembro, 2006 jvasco

O paradoxo do mal – IV

Um pai tem um filho de 8 meses, e vê que este vai tocar na ficha eléctrica. Em pânico, impede o filho de o fazer. Isto parece absolutamente normal, e ninguém ficaria escandalizado com tal atitude.

Pelo contrário, se um pai dissesse que tinha deixado o seu filho tocar na ficha, sabendo que ele morreria dolorosamente, mas que não o tinha impedido de fazer isso por «respeitar a liberdade do filho», qualquer um consideraria monstruosa essa atitude. Nem adientaria o pai dizer que amava muito o filho e que tinha lamentado imenso a sua perda, mas que não podia desrespeitar a sua liberdade: todos achariam que uma pessoa tão desequilibrada nunca deveria ter sido pai.

O que é que nos faz achar tão legítima a atitude do pai, e tão criminosa a sua potencial omissão?

Nós consideramos que o pai, por conhecer melhor o mundo, sabe melhor do que o filho aquilo que é melhor para este último. Também sabemos que o pai tende a agir, geralmente, no interesse do filho, por causa desse laço de sangue.

Até que ponto é que este tipo de argumentos pode ser válido em relação a um adulto? É complicado…

Apesar do tanto que eu prezo a liberdade, suponho que não hesitaria em impedir o suicídio de um amigo meu, ou mesmo de um anónimo – mesmo que tivesse de invadir o seu espaço. Apesar de acreditar que cada pessoa deve ser livre para se suicidar, o risco de que uma pessoa ao pé de mim o vá fazer por estar num estado psicológico tal que não saiba bem aquilo que é melhor para si próprio é tal que eu sinto que a invasão da sua liberdade com vista a impedir o seu suicídio seria justificável do ponto de vista ético – a opção correcta.

Será assim? Muitos acreditam que o instinto de sobrevivência é tal que um ser humano dificilmente cometeria suicídio se não tivesse num estado tal que não pudesse avaliar convenientemente aquilo que é melhor para si próprio. E que isso legitimaria o impedimento de tal acto.

Se um louco quer cortar as suas próprias pernas por ter medo dos anões vermelhos, devemos deixá-lo cortá-las, ou devemos impedi-lo de o fazer? Sabemos melhor do que ele aquilo que é melhor para ele? Estaremos a agir no interesse dele?

Parece que quem valoriza a liberdade o faz por acreditar que cada pessoa sabe melhor que nenhuma outra aquilo que é melhor para si própria. A partir do momento em que um indivíduo não invade a liberdade dos outros, ninguém deve interferir, pois esse indivíduo sabe, melhor que nenhum outro, aquilo que é melhor para si próprio.

As diferentes excepções – o pai que impede o filho de tocar na ficha eléctrica; o enfermeiro que força o paciente suicida a vomitar a caixa de comprimidos contra a vontade deste; os médicos que não deixam o louco cortar suas pernas – serão justificadas na medida em que realmente não restarem dúvidas que quem invade a liberdade age no interesse do outro, e sabe melhor que este aquilo que o favorece. Que estas condições se reúnam, é algo que pode ser questionado no caso do louco e do suicida, mas dificilmente no caso do bebé de 8 meses.

Quando falo no paradoxo do mal, uma das questões que costumo colocar é a seguinte: «Como pode um Deus de amor ter criado o Inferno? Um lugar de imenso sofirmento por toda a eternidade?» Praticamente todas as respostas que me dão focam a escolha do condenado: quem vai para o Inferno, de certa forma escolheu-o. E Deus respeita essa escolha.

Existe quem não acredite no Inferno; quem acredite que, a existir, estará vazio; e quem acredite que o Inferno não é mais do que a morte simples, perdendo a possibilidade da vida eterna. Este argumento não é dirigido a nenhuma destas pessoas.

Quanto aos outros, gostaria que se detivesse um pouco sobre o problema. Se o Inferno correspondesse de facto a uma eternidade de sofrimento imenso, ninguém o escolheria em plena consciência. Qualquer que fosse a decisão que levasse alguém ao Inferno, seria uma decisão notoriamente inconsciente. Muito mais absurda do que a de qualquer louco.
Se Deus nos amasse, e fosse omnisciente, então a decisão de alguém de ir para o Inferno seria perfeitamente análoga à do bebé de 8 meses que quer tocar na ficha eléctrica – ele não tem noção das consequências do seu acto.
Se Deus não impedir tal acto cuja consequência será o Inferno, a sua atitude é tão injustificável como a do pai que respeita a liberdade do seu filho de 8 meses deixando-o morrer electrocutado. Com a diferença que morrer electrocutado é infinitamente menos grave do que passar uma eternidade a sofrer intensamente.

13 de Dezembro, 2006 Ricardo Alves

Padre católico condenado por genocídio

O sacerdote católico Athanase Seromba foi condenado a 15 de anos de prisão, pelo Tribunal Penal Internacional para o Ruanda, por participação em genocídio e por crimes contra a humanidade. Durante os massacres de 1994, Seromba era responsável pela paróquia de Nyange. Depois de 2000 tutsis se terem refugiado na sua igreja, o sacerdote católico (que colaborava com as milícias hutus) ordenou que a igreja fosse destruída por máquinas escavadoras, com as pessoas lá dentro. Os sobreviventes foram mortos à facada.

Este é o primeiro sacerdote católico condenado por participação no genocídio por este tribunal internacional. Anteriormente, um sacerdote da Igreja Adventista do Sétimo Dia fora condenado a dez anos de prisão. O início do julgamento deste padre já fora noticiado pela Palmira e pela Mariana em 2004. Recentemente, uma freira católica, que selecionava tutsis para serem massacrados no hospital onde trabalhava, foi condenada por participação no genocídio (duas outras freiras católicas tinham sido condenadas em 2001 por um tribunal belga). Muitos outros membros do clero católico, e do clero de outras igrejas cristãs, estiveram envolvidos nos massacres do Ruanda (que antes de 1995, assinale-se, era o orgulho do Vaticano, devido à sua elevadíssima percentagem de católicos praticantes).

Existem pelo menos mais dois padres católicos detidos e aguardando julgamento.