Loading

Categoria: Não categorizado

13 de Novembro, 2010 Ludwig Krippahl

ECR 2: Evolução.

O décimo sétimo capítulo do livro Educação, Ciência e Religião (ECR) responde afirmativamente à pergunta «Pode defender-se a teoria da evolução e, ao mesmo tempo, acreditar em Deus?»(1). É evidente que se pode defender qualquer coisa independentemente do que se acredita. Basta ignorar qualquer inconsistência que daí advenha. Mas a forma como os autores respondem à pergunta revela uma compreensão imperfeita desta teoria que querem compatibilizar com a sua fé, alegando que «o nexo natural, causal e criativo dos eventos é, em si mesmo, a acção criativa de Deus. […] Uma imagem desta posição é pensar em Deus como um compositor, sendo a evolução a sua música, caracterizada por uma complexa beleza.»

Podemos calcular a distribuição de probabilidade para o número de vezes que uma moeda calha coroa em cem lançamentos, ou outras estatísticas do género, porque podemos modelar a complexidade das colisões entre a moeda, o dedo que a empurra, as moléculas do ar e a mesa considerando tudo isto como um processo aleatório. Mas só se assumirmos que o resultado não é determinado por algum ser inteligente a agir sobre a moeda. Se assim for, então o cálculo de probabilidades deixa de fazer sentido. Não poderemos tratar o resultado como uma variável aleatória, nem assumir que os lançamentos são independentes, nem nada do que precisamos para este modelo probabilístico.

Por isso, se perguntarmos a um matemático qual o resultado esperado, e o intervalo de 95% de confiança, para cem lançamentos da moeda assumindo que «o nexo natural, causal» desses lançamentos é «a acção criativa de Deus», a única resposta possível é “sei lá”. Não há forma de modelar isso.

Com a evolução temos o mesmo problema. Se assumirmos que factores como mutações, a segregação dos genes na meiose e o sucesso reprodutivo dos organismos resultam de processos naturais complexos mas sem inteligência, então podemos modelá-los como variáveis aleatórias inferindo das frequências observadas as suas probabilidades. Os modelos da genética de populações são mais complexos que o da moeda mas assentam nos mesmos princípios. E, tal como o da moeda, estarão completamente errados se a evolução for guiada por um ser inteligente. A teoria da evolução é incompatível com esse “Deus compositor”, da mesma forma, e pelas mesmas razões, que a distribuição binomial não serve para descrever o processo de escolher deliberadamente um dos lados da moeda.

Por isso, é inevitável o conflito entre a teoria da evolução e qualquer forma de criacionismo inteligente, mesmo que seja o criacionismo light dos católicos. Partindo do pressuposto que a evolução é um processo natural incapaz de pensar ou antecipar resultados futuros, a teoria da evolução consegue descrever a origem das espécies com muito mais detalhe e rigor do que qualquer alternativa. O que justifica rejeitar a hipótese de haver propósito ou inteligência na evolução, tal como se rejeita que a moeda seja controlada por extraterrestres quando se comporta exactamente como esperado de uma moeda a cair na mesa.

É certo que, para as religiões, a moeda cair por processos naturais não levanta qualquer problema. O problema está apenas na nossa origem, pela premissa alegadamente humilde de sermos a obra mais especial do criador do universo. Essa hipótese leva com um balde de água fria se, afinal, formos produto de bioquímica e selecção natural. Mas a ilusão de quem procura sentido para a sua vida no propósito de um ser imaginário é irrelevante para aferir estes factos. A verdade é que a melhor descrição que temos para a origem dos seres vivos que povoam agora a Terra depende de assumir que não há qualquer propósito ou inteligência na evolução.

Quem, por algum motivo pessoal, optar por um modelo de criação inteligente – muito pior porque, parafraseando o Ricky Gervais, não dá quaisquer detalhes (2) – adopta uma posição inconsistente com a teoria da evolução. Porque se assume «Deus como um compositor, sendo a evolução a sua música», então os modelos probabilísticos que a teoria da evolução gera não fazem qualquer sentido. Se a vida na Terra fosse uma criação inteligente, deliberada e propositada, seria incorrecto modelá-la da forma como a teoria da evolução o faz.

1- Alfredo Dinis e João Paiva, Educação, Ciência e Religião, Gradiva 2010.
2- Como podem ver neste vídeo.

Em simultâneo no Que Treta!

8 de Novembro, 2010 Ludwig Krippahl

Treta da semana: anticlericalismo.

Ontem, em Santiago de Compostela, Joseph Ratzinger lamentou que «Tragicamente, sobretudo no século XIX, cresceu na Europa a convicção de que Deus é de certa forma um antagonista do homem e um inimigo da sua liberdade», afirmando que «a Europa tem de se abrir a Deus e aproximar-se dele sem receio». Avisou também da agressividade do anticlericalismo moderno, que disse parecer o que se vivia em Espanha na década de trinta (1).

A Guerra Civil Espanhola foi um confronto sangrento que matou quase um milhão de civis (2), entre os quais padres e freiras, vítimas como os outros. Talvez se tivessem safo melhor se a Igreja Católica não tivesse apoiado Franco de forma tão explícita e entusiástica (3). Ou talvez não, que guerras como essa não são eventos ordeiros e bem planeados. Mas, seja como for, esse “anticlericalismo” da guerra civil não tem nada que ver com o que se passa hoje.

O Joseph tenta assustar o seu rebanho dando ao ateísmo umas pinceladas de nazismo se está em Inglaterra e uns salpicos de guerra civil quando vai a Espanha. A ironia deve escapar aos muitos que já não sabem em que equipa jogava a Igreja dele. Tenta que, com medo do bicho papão, deixem de se pôr a pensar. É isso que o Joseph quer evitar porque, ao contrário desses conflitos de ódio cego e burrice, o ateísmo de hoje nasce da educação, da liberdade e da tolerância.

Quem cresça na Europa contacta com muitas culturas, ideologias e crenças, tendo de praticar desde cedo uma tolerância céptica, pois tem de aceitar a diversidade de opiniões sem poder adoptar mais que uma minoria. Beneficia também de um sistema educativo que, apesar dos defeitos, é o melhor de toda a história. Nunca a educação média foi tão boa como é agora. Isto é relevante porque aprender, compreender, e ter contacto com outras ideias torna as pessoas menos religiosas. É um antídoto poderoso contra a uniformização de crenças que qualquer religião quer impor, como se vê nas preocupações que os representantes religiosos manifestam acerca da educação. Quase sempre são por se ensinar às crianças algo que eles não querem que elas aprendam e, na educação religiosa, tem de ser cada um com a sua não vão as crianças ter ideias.

Além disso, somos livres de assumir a descrença. É uma liberdade ainda rara, da qual a maioria dos povos não beneficia. E é muito recente. Eu nunca senti qualquer constrangimento social, cultural ou institucional por ser ateu, mas a minha geração é a primeira com esta liberdade. Quando os meus pais eram novos não podiam dizer que a religião é treta sem arranjar sarilhos.

É por estas razões que, na Europa moderna, muita gente protesta quando se gasta milhões de euros com as magias de um senhor de vestido e sapatos Prada. Os protestos não são motivados pelo racismo nazi nem pelo ódio que levou nacionalistas e republicanos a matarem-se uns aos outros. Por um lado, muita gente não fica convencida que o Joseph fala mesmo com o criador do universo, ou que este, depois de ter feito milhares de milhões de galáxias, agora passa os dias preocupado com preservativos ou rezas. Para muitos, o Joseph Ratzinger faz o mesmo que a Maya ou o “professor” Bambo. Inventa umas coisas e convence umas pessoas mas não é nada que se deva levar a sério.

E, por outro lado, damos valor às liberdades que o Joseph e os seus companheiros querem reduzir. A «Europa tem de se abrir a Deus e aproximar-se dele sem receio» parece um pedido de tolerância, mas é o contrário. Cada europeu é que deve decidir por si a aproximação que julgar melhor e se é ao deus do Joseph ou a outro qualquer. E, apesar de dizerem haver só um deus com a qual todos se relacionam, não é isso que revelam nos actos. Por exemplo, no século VIII os muçulmanos construíram uma mesquita em Córdoba. A mesquita passou a catedral quando os cristãos a conquistaram, quinhentos anos mais tarde, e ficou conhecida até hoje por “mesquita-catedral”. Mas agora o bispo de Córdoba quer mudar a designação só para catedral para não “confundir” as pessoas e, apesar do deus ser supostamente o mesmo, os muçulmanos não podem rezar nesse santuário da sua religião (4).

Deus não é o inimigo da liberdade pela mesma razão que o Super-Homem também não é o seu defensor. Mas dá jeito a quem quer ganhar poder tirando liberdade aos outros. A gravidez da mulher violada ou o fim prolongado do doente terminal são problemas desagradáveis de considerar. A homossexualidade, o divórcio, a contracepção e as crenças dos outros exigem de quem discorda o esforço da tolerância. Quem diz vir a mando de um deus pode aproveitar-se destes preconceitos e cobardia moral para convencer as pessoas a desligar o cérebro e confiar. A ter fé, como costumam dizer. A ter fé no testemunho do Joseph e confiar que é ele quem melhor sabe que leis que devemos ter, com quem podemos casar e se podemos mudar de ideias depois. Porque lho disse o deus dele. Quem se puser a pensar tem mesmo de protestar contra isto.

1- Deutsche Welle, Pope urges Spain, Europe to open up to God
2- Wikipedia, Guerra Civil Española
3- Franco lutou contra “o ateísmo e o materialismo”, tendo sido descrito pelo Cardeal Gomá como sendo o “instrumento dos planos de Deus para a Pátria, como citou a Palmira neste post.
4- New York Times, Name Debate Echoes an Old Clash of Faiths. Obrigado pelo email com esta notícia.

Também no Que Treta!

6 de Novembro, 2010 Carlos Esperança

Igreja argentina quer perdão

O sacerdote argentino, Pe. Ruben Capitanio, disse, nesta segunda-feira, que a Igreja Católica argentina precisa encontrar um modo de se fazer perdoar, pela proximidade que manteve com o regime militar, de 1976 a 1983, durante a chamada “guerra suja”.

Pe. Capitanio, um pároco de 59 anos, depôs contra seu ex-colega de sacerdócio Pe. Christian von Wernich, condenado, na semana passada, por envolvimento em torturas, sequestros e assassinatos de opositores da ditadura.

Comentário: A cumplicidade das Igrejas com as ditaduras faz parte da matriz genética.

6 de Novembro, 2010 Carlos Esperança

Diário Ateísta comentado por um leitor

Por

Veradictum

É com verdadeira curiosidade e ansiedade que, sempre que posso, visito o DA, onde me delicio com os textos de CE, de L. Krippahl, L. G. Rodrigues e outros, e com os comentários inteligentes e oportunos de Carpinteiro, com a grande erudição e paciência acima da média de Jovem1983, com a ironia de confrariaalfarroba e rayssa, não esquecendo outros como papapaulo, 1atento, ajpb, andreia, etc.

Admiro e respeito Mollochbaal que tem comentários notáveis assim como Antóniofernando, pela lucidez e elevada erudição que coloca na maioria dos seus comentários.

Acho JoãoC, Zeca Portuga, Mike e Jairo entrecosto absolutamente medievais e desenquadrados da realidade actual e, em certas áreas temáticas, com ideias verdadeiramente obsoletas e bizarras. Relativamente a estes quatro senhores, acho que deveriam evitar os constantes insultos e ameaças, ou voltar para os seus sites religiosos…

Acreditem que sinto uma felicidade enorme por me sentir enquadrado neste grupo de livres pensadores, onde tenho a noção da existência de muita gente que pensa como eu. Saudações a todos.

5 de Novembro, 2010 Luís Grave Rodrigues

Citação do Dia

 


«O ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de comprovadas cabalmente a identidade e a responsabilidade de culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto».

 

– Catecismo da Igreja Católica (§ 2267)

             

1 de Novembro, 2010 Carlos Esperança

Rectificação e pedido de desculpas

Neste Post atribuí a Serra o apoio da IURD quando afinal foi apenas o da ICAR, como acaba de me chamar a atenção o atento leitor António Fernandes.

A IURD apoiou Dilma.

Os meus agradecimentos ao leitor referido e as minhas desculpas a todos.

26 de Outubro, 2010 Luís Grave Rodrigues

A Certificação Oficial

Rezam notícias da nossa vizinha Espanha que começa hoje a ser julgado num tribunal criminal da cidade de Valência um ilustre cidadão de nome Ángel Muñoz Bartrina, que há quase duas décadas se faz passar por vidente e por sacerdote católico, e que fundou uma seita a que chamou «Esclavitud del Sagrado Corazón de Jesús».

O falso padre Ángel Muñoz Bartrina arrisca-se a uma condenação de oito anos de cadeia pelas acusações de fuga ao fisco, de associação criminosa e burla, já que fazia crer aos seus seguidores que era o porta-voz da Virgem Maria e que transmitia mensagens vindas do próprio Diabo.

Moral da História:
Para que alguém goze de benefícios fiscais e se possa dedicar livremente a burlar as pessoas e a extorquir-lhes dinheiro em troca de mensagens da Virgem Maria e de ameaças com as penas do Inferno, tudo isto sem arriscar uma pena de prisão, o melhor é obter previamente uma certificação oficial emitida pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana…

21 de Outubro, 2010 Ludwig Krippahl

ECR 1: Testemunhos.

No seu livro Educação, Ciência e Religião (ECR), o Alfredo Dinis e o João Paiva escrevem que «A racionalidade da fé baseia-se, entre outras coisas, no testemunho que chega a cada geração a partir dos primeiros crentes»(1). Mas não é claro porque é que isto há de ser racional.

Por um lado, só é racional aceitar um testemunho se percebemos como a testemunha sabe a verdade do que afirma. O testemunho de que Jesus era o criador do universo, que nasceu de uma virgem e que morreu para nos salvar só seria aceitável se as testemunhas pudessem averiguar tais coisas. O Novo Testamento não justifica tal conclusão, nem se percebe como o poderiam fazer. Aproveitando a analogia dos autores, que comparam o testemunho bíblico com as testemunhas num tribunal, os evangelhos equivalem à deposição de um médium acerca do que diz o espírito da vítima assassinada.

Por outro lado, se vamos concluir algo acerca dos deuses com base em testemunhos, temos de decidir em que testemunho nos baseamos. Num julgamento onde dez testemunhas se contradizem nenhum juiz racional poderá decidir apenas pelos testemunhos. Com as religiões, este problema é várias ordens de grandeza mais grave. E nem precisamos ir a religiões fora do cristianismo. Ou sequer fora do catolicismo. Mesmo restringindo o âmbito a esta, a que os autores se referem quando falam em religião no singular, temos um problema de testemunhos contraditórios.

O Bernardo Mota escreve que «é inútil e infértil estar a discutir se os católicos acham ou não que Adão existiu» porque «O cristianismo não é a soma das fés pessoais dos cristãos. O cristianismo é hierárquico, como o próprio Cristo quis que fosse. O Magistério ensina doutrina. Não doutrina que inventou, mas sim doutrina que recebeu de Cristo.» E, citando a encíclica De Humanis Generis, de Pio XII, defende que o Magistério ensina que Adão e Eva foram mesmo os dois antepassados de toda a humanidade: «os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural»(2).

O Alfredo Dinis e o João Paiva, católicos que o Bernardo classificará de inconsistentes, consideram que a posição de Pio XII é «um tanto ambígua»(3) e que a ciência permite rejeitar a ideia de sermos todos descendentes apenas de um Adão e de uma Eva. Nesta última têm razão. A diversidade genética humana é incompatível com o modelo do Bernardo que, de resto, é biologicamente ridículo. Mas o Bernardo tem razão no outro ponto. A posição de Pio XII acerca disto não é nada ambígua. Esse Papa claramente acreditava na história do Adão e Eva como a interpretam os criacionistas evangélicos hoje. Felizmente, a razão não nos obriga a ir atrás destes testemunhos.

O que a razão nos diz não é para acreditarmos no testemunho só por ser testemunho. Nem dos evangelhos, nem do Pio XII, Bento XVI, Bernardo Motta ou Alfredo Dinis. Isso só dá carradas de testemunhos e nenhum critério de escolha. A razão exige, pelo menos, que a testemunha saiba a verdade do que alega. Como Pio XII não percebia de genética nem tinha evidências desse Adão o seu testemunho vale zero. E o mesmo valem os testemunhos de quem diz que a hóstia se transubstancia, que Jesus era o criador do universo ou que a sua morte nos salvou a todos. Sem maneira de determinar a verdade dessas alegações não podem ser testemunhas legítimas.

Por isso tenho de discordar do primeiro capítulo do livro. Não é racional ser católico com base nos testemunhos. Tal como não é racional ser muçulmano, judeu, hindu, protestante, shintoista ou baha’i com base em testemunhos. Porque nem sequer podemos concluir que estas testemunhas sabiam o que estavam a dizer.

1- Alfredo Dinis e João Paiva, Educação, Ciência e Religião, Gradiva 2010, p. 14
2- Bernardo Motta, Adão e Eva
3- Alfredo Dinis e João Paiva, Educação, Ciência e Religião, Gradiva 2010, p. 24

Também no Que Treta!.