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20 de Dezembro, 2011 Ludwig Krippahl

“Conto de Natal”

No de Dickens, Ebenezer Scrooge transforma-se radicalmente. Aprende quanto pode fazer por si e pelos outros e, com isso, torna-se numa pessoa melhor. O João César das Neves não é um Charles Dickens, obviamente, mas também não era preciso fazer o oposto. Num texto apressado, conta como um tal André lida com a crise: «Queres saber o segredo da minha calma? Queres saber como consigo não ficar desesperado? É que o meu Pai é dono disto! […] Estou a referir-me Àquele a quem digo todos os dias ‘Paí Nosso’, que é dono de tudo o que tenho e sou, de tudo o que vejo e existe no universo. Nada me preocupa porque Deus é dono da minha vida. A confiança em Deus é a melhor coisa da existência.»(1) A mensagem parece ser que, ao contrário do que se passou com Scrooge, o melhor para nós é aceitar tudo como é: «esta crise tem me feito muito bem. Ao princípio assustou-me, mas um dia percebi que acima dela está Deus [e] desde que Lhe entreguei, mais uma vez, a minha vida senti uma liberdade e alegria profundas […] ‘Tudo concorre para o bem dos que amam a Deus’ (Rm 8, 28)».

Além de promover a bovinidade, a historieta salienta algumas inconsistências do fatalismo cristão. O André não se preocupa porque o seu “Pai” está encarregue de tudo, mas também não estranha que o “Pai” trate os filhos de forma tão injusta. É difícil imaginar que um pai fique indiferente ao filho que passa fome numa cubata na Somália enquanto outro vive luxuosamente num chalé suíço. Pior, esse tal André diz-se descansado da vida porque «se ao Seu Filho Deus deixou que nós O crucificássemos, tudo o que eu sofrer é pouco». Chiça. Felizmente sou ateu e não acredito ser filho de um pai desses. Senão é que andava aterrorizado.

Isto de aceitar a injustiça com passividade e enaltecer o sofrimento absurdo já é treta antiga. Vê-se na história de Jó, na desculpa de que Jesus se sacrificou para nos “redimir”, na adoração dos mártires e no adoçar dos males com pós de caridadezinha para evitar a chatice de os corrigir. Como se o principal problema da pobreza fosse não ter uma sopa quente no Natal. Como somos intuitivamente sensíveis à injustiça, é preciso este barrete. Quem se diz infalível, vive num palácio e veste roupa bordada a ouro tem de louvar a humildade e a pobreza. Ponham a vida nas mãos deste deus, dizem, e dêem graças pelas migalhas que vos calham. Sobretudo, portem-se bem.

Mas nós somos pessoas, não somos ovelhas, e esta crise não é obra dos deuses. Não é o nosso destino nem um teste para ganhar uma nuvem mais fofa no céu. É um problema humano, de actos e de atitudes. É o problema de estar tudo a mando de Scrooges e não de um “Pai” que nos ama a todos. E nota-se nos detalhes. Quem enaltece os mártires com histórias da carochinha não se martiriza a si próprio; quem elogia a pobreza não vive na miséria; e quem exorta a que cada um aceite, sorridente, a sua condição goza geralmente de condições melhores do que as dos outros. É a estes que convém a crença generalizada do destino como obra divina em vez de tarefa humana. Caso contrário, teriam de se assumir responsáveis por terem ficado com a maior parte daquilo que é de todos.

A crença pessoal num deus, na vida depois da morte ou afins é um direito de cada um e não faz grandes estragos. Mas, à volta disso, há sempre quem invente religiões para controlar os outros, disfarçar injustiças e ir mantendo tudo como lhes convém. Promessas de paraíso além-morte, o pai celestial que criou o universo mas precisa que se gaste dinheiro em igrejas imponentes e luxos para os seus representantes, e a ideia de que os miseráveis têm muita sorte por sofrer, são tudo embustes. O ateísmo tem a grande vantagem de nos inocular contra tais aldrabices, e encorajar-nos a enfrentar os fantasmas dos natais futuros como algo que temos o dever de tornar tão bom quanto pudermos. Se o André da historieta não se preocupa, isso não é sinal de fé. É sinal de irresponsabilidade.

1- João César das Neves, Conto de Natal

Em simultâneo no Que Treta!

17 de Dezembro, 2011 Ricardo Alves

Christopher Hitchens (1949-2011)

A doença que o matou ontem atingiu-o no pico da fama. E portanto será provavelmente mais recordado pelos pronunciamentos anti-teístas dos últimos anos do que pelos ataques anteriores à «Madre Teresa de Calcutá» e a Jerry Falwell, a Henry Kissinger e a Bill Clinton, à princesa Diana e à família real britânica.

Do grupo anglo-saxónico conhecido como os «Novos Ateus», Dawkins é o mais informado cientificamente, Dennett o filósofo, Sam Harris o radical e Hitchens é (era) o melhor escritor. Juntava uma vasta cultura erudita (e política) com um estilo de escrita fluente, preciso e humorístico, combinação só possível para um genuíno produto da região demarcada de Oxford. Após as décadas em que pensadores ateus se dedicavam a refutar a existência de «Deus», e quando o esforço já é mais provar que existe ética e moral fora da religião, devemos-lhe, enquanto ateus, a eficaz difusão da noção «anti-teísta» de que «Deus» não apenas não existe como seria péssimo que existisse (noção muito útil para contrapor aos religionários que aceitam as dúvidas sobre a existência d´«Ele» mas argumentam que a ideia de «Deus» é benfazeja e útil).

Hitchens era também, dos ateus hoje mais mediatizados, o que melhor entendia o papel histórico e político do anticlericalismo no combate a todas as formas de autoritarismo. Numa conferência em Lisboa, começou mesmo por citar Marx, no tal bitaite do «ópio do povo», que realmente significa que o homem (ou a mulher) se deve libertar da «alienação» religiosa para depois encetar o combate pela melhoria das suas condições materiais. Para Hitchens, derrubar ditadores ou derrubar santos dos altares era quase o mesmo. Como disse na última entrevista com Dawkins, «(…) para mim, o totalitário é o inimigo – aquele que é o absoluto, que quer controlar o interior da tua cabeça, não apenas as tuas acções e os teus impostos. E as origens disso são teocráticas, obviamente. O início disso é a ideia de que há um líder supremo, um Papa infalível, ou um rabino chefe, ou seja o que for, que serve de ventríloquo para o divino e nos diz o que fazer». O seu paralelo entre o Natal e a Coreia do Norte compreende-se.

O afastamento de Hitchens do trotsquismo terá começado em Portugal, onde observou em 1975 o nosso período revolucionário, numa das suas muitas reportagens da linha da frente dos conflitos mundiais. Afastar-se-ia ainda mais de alguma esquerda europeia em 1989, quando o aiatolá de Teerão emitiu um apelo ao homicídio de Salman Rushdie e muito poucos reagiram. Mais tarde, muitos se chocaram com o seu apoio à guerra do Iraque (embora esquecendo as suas críticas à tortura e à espionagem interna que a acompanharam), mas a coerência de Hitchens era o combate a todas as ditaduras (espirituais e materiais) e a defesa do pensamento livre e da liberdade do indivíduo. Os seus modelos eram Thomas Paine, Thomas Jefferson e George Orwell, todos eles heterodoxos e cosmopolitas.

Nos últimos meses, sabendo que o fim estava próximo, garantiu que não se converteria. Mais: afirmou que na hora final gostaria de estar «activo» e «olhando-a de frente e estar a fazer algo quando chegasse». Que tenha sido assim.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

16 de Dezembro, 2011 Luís Grave Rodrigues

Christopher Hitchens

Christopher Hitchens
(13 de Abril de 1949 – 15 de Dezembro de 2011)


Christopher Hitchens, morreu ontem no “M. D. Anderson Cancer Center” em Houston.
Tinha 62 anos de idade.

Um excelente obituário pode ser visto no «New York Times»

16 de Dezembro, 2011 Abraão Loureiro

Obrigado Christopher

http://www.youtube.com/watch?v=crTE9RvRt_c
http://www.youtube.com/watch?v=YZ3KQa8ZL-s

13 de Dezembro, 2011 Abraão Loureiro

Sou religioso

E vou provar o que digo.

Um dia sentado num banco de jardim e fumando o meu querido cigarro tranquilamente, fui abordado por uma repórter agarrada ao microfone que me questionou sem mais nem menos:

– O senhor acha que o cigarro lhe faz bem?

– Primeiro ponto. O que eu acho é meu, o que os outros acham é deles.

Segundo ponto. O cigarro é a minha religião.

– Mas porque o considera uma religião?

– Pelo mesmo motivo que os religiosos de outras crenças afirmam que lhes faz bem à alma.

– Não entendi a sua resposta.

– Simples. Todo o local de culto provoca uma carga psicológica sobre as pessoas e por isso dizem que sentem uma paz profunda quando entram num templo. Esta carga emocional é gerada pelo efeito do espaço ornamentado com uma simples cruz ou outros adereços tais como pinturas, esculturas, etc. dependendo da religião que praticam. No meu caso, é o cigarro que me provoca esse tipo de efeito.

– Mas o fumo faz mal à saúde!

– As outras religiões também fazem mal à saúde, provocam danos cerebrais e outros. Ouvimos falar de pessoas muito apegadas à religião que sofrem muito sem o saberem, por motivos vários. As doenças do foro psiquiátrico são silenciosas e por norma não são os enfermos que procuram ajuda médica.

As pessoas afirmam que se conseguem encontrar a si próprias dentro de uma igreja. Que os seus pensamentos fluem de forma diferente. Acontece que nos locais de culto as pessoas estão despojadas dos seus bens caseiros. Tv e rádio ligados quase 24 horas, vozes de vizinhos, aves chilreando e outros sons diversos.

Eu carrego a minha cruz dependendo do cigarro, porque psicologicamente acredito que consigo ter um comportamento melhorado. Penso melhor, as ideias surgem com mais facilidade, sinto-me mais tranquilo, consigo ser mais racional e etc. e tal.

– Então está a dizer-me que fumar faz bem!

– Não! Nada disso, mesmo sabendo que cada corpo reage de forma diferente. Mas vou mais além. Ao contrário dos outros religiosos que vivem uma vida de submissão e sabendo que nunca tiraram vantagem alguma, eu digo aos não fumadores: Amigos, se vocês se sentem bem sem fumar, por favor nem sequer experimentem porque a dependência vai causar montes de problemas. Esses problemas podem ser de vária ordem, desde saúde até ao desgaste financeiro ou até todos juntos num só.

Agora diga-me, a senhora já teve conhecimento de um crente que em conversa com um descrente lhe tenha dito: Olha meu amigo, se você se sente feliz por não crer em nenhum deus, por favor nem experimente frequentar uma igreja pois você vai ser um joguete nas mãos dos outros e vai ser explorado de todo o jeito e feitio. Seja sincera e responda-me, conhece algum caso destes?

 

Não obtive resposta.