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João César das Neves terá medo de que a despenalização do aborto tenha efeitos retroactivos?

João César das Neves (JCN) no Diário de Notícias de hoje revela, em relação ao aborto, a mesma compreensão que um talibã reserva para a carne de porco.

Qualifica-o de «infâmia suprema», maior (porque é suprema) do que os churrascos da Inquisição, assustado com a luta pela despenalização que sabe imparável.

A serem verdadeiros os fins de que é acusada a “clínica” de Aveiro implicada no julgamento que tanto incomoda JCN presta um serviço público que a falta de enquadramento legal remeteu para a clandestinidade, a fuga ao fisco e a especulação. Não se discute a acção policial mas a iniquidade da lei que criminaliza o aborto e que é urgente revogar.

A despenalização do aborto (1984) nas situações que a lei já consagra não provoca hoje, em Portugal, um simples vagido de piedosa intolerância quando, na primeira discussão e votação no Parlamento, a direita queria obrigar mulheres violadas a conceber, os fetos com graves deficiências a completar a gravidez e nem o perigo de vida da mãe lhes arrefecia os ímpetos persecutórios. Se pudessem substituir o direito civil pelo direito canónico tê-lo-iam feito com o argumento de que a alma está primeiro.

Proibir aos crentes a prática do aborto é um legítimo direito da ICAR, direito de que carece para impor uma lei que persegue as mulheres que, quantas vezes em situações dramáticas, a ele recorrem. O Estado é laico, ainda que alguns governantes o ignorem. Tão iníqua como a lei que criminaliza só outra que obrigue à sua prática, como acontece na China e aconteceu na Índia.

É urgente alterar a lei para que um problema de saúde pública não seja transferido para a esfera dos tribunais através da repressão policial. Para que no combate à ilegalidade se não torne ainda mais dramática uma gravidez indesejada. Para que não volte a ser notícia um parto escondido na casa de banho.