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Sim à Laicidade, não à Concordata (2)

Existem alguns aspectos da nova Concordata que são particularmente gravosos e que merecem portanto ser discutidos em detalhe.

1) Os artigos 1, 8, 9, 10 e 11 garantem o reconhecimento pelo Estado das instituições católicas, reconhecimento esse que será automático após uma notificação unilateral efectuada pelas autoridades eclesiásticas. Quaisquer outras associações formadas livremente pelos cidadãos estão obrigadas a seguir os trâmites da lei geral do associativismo, ou seja, a efectuarem uma escritura em cartório notarial, pagando os respectivos custos, bem como a publicação em Diário da República. A Concordata confirma assim dois regimes associativos distintos, um para as associações católicas, outro para as associações laicas.

2) As instituições católicas beneficiam de uma vasta lista de inaceitáveis isenções fiscais (ao contrário de um mito muito popular, apenas uma pequena parte destas instituições se dedica à assistência social, conforme será explicado num próximo texto). Embora haja algum recuo relativamente às isenções fiscais da Concordata anterior (nomeadamente, a isenção de IRS para os padres) não é claro se a nova Concordata não permitirá que continue o regabofe que tem mantido as livrarias católicas e os hotéis de Fátima isentos de impostos…

3) Uma vez que a Lei de Exclusão Religiosa abrira a possibilidade de algumas igrejas (que a ICAR decida reconhecer através da Comissão de Liberdade Religiosa, estatal mas por ela dominada) poderem realizar casamentos com efeitos civis, a nova Concordata mantém a outra distinção entre a ICAR e as igrejas “minoritárias”: a possibilidade de a ICAR efectuar divórcios com efeitos civis (artigo 16). Evidentemente, a anulação “canónica” do casamento é quase impossível, mas a nova Concordata recomenda paternalmente aos cidadãos casados catolicamente o “grave dever” de não se divorciarem (artigo 15)!

4) O artigo 19 garante o ensino da religião católica nas escolas públicas, com professores nomeados pela ICAR e pagos pelo contribuinte. Ou seja, a transmissão da crença, num espaço público e pago com dinheiro público, fica garantida por mais uma geração. Ora, a escola deveria servir para transmitir conhecimentos e não para propagar a crença. Se possível, deveria ajudar a formar o espírito crítico e científico dos futuros cidadãos…

A nova Concordata continua assim os piores aspectos da anterior. Estabelece a confusão entre o que é do domínio privado e da livre associação de cidadãos (a crença e as associações de crentes) e o que é do domínio público e estatal, como as prerrogativas estatais de criar instituições, de realizar contratos como o casamento, ou de decidir o que é ensinado nas escolas de todos.

Os aspectos enunciados neste texto e no anterior são mais do que suficientes para defendermos a não ratificação deste acordo concordatário. No próximo texto abordarei alguns mitos comuns que são usados pela propaganda católica nas discussões sobre a Concordata.