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Dia: 24 de Abril, 2010

24 de Abril, 2010 Carlos Esperança

CÉU, INFERNO, PURGATÓRIO E LIMBO

Por

CSF

A tradição católica do Purgatório decorre do judaísmo, do rezar pelos mortos.

A existência do Purgatório foi concebida em 593 durante o pontificado do papa Gregório I e proclamada pelo Segundo Concílio de Lyon (1274), pelo Concílio de Florença (1438 1445), e pelo Concílio de Trento (1545 1563).

Em 2005 a Igreja Católica ainda defende o Purgatório, tal como consta nas secções 1020-1032, 1054, 1472 e 1473 do Catecismo da Igreja Católica, publicado em 1992.

Segundo a actual doutrina católica, imediatamente após a morte, uma pessoa sofre o julgamento particular em que o destino da alma é especificado. Alguns unem-se com Deus no Paraíso e outros são destinados ao Inferno. O pecado mortal é uma “grave violação da lei de Deus”, um estado de punição e separação eterna de Deus. Algumas almas não estão suficientemente livres dos pecados veniais (que significa “pecados perdoáveis”) e as suas consequências para entrar imediatamente no Paraíso, as quais, estão destinadas a unirem-se com Deus no Céu, e para isso devem passar pelo estado de purificação do Purgatório. “não nos coloca em oposição directa com a vontade e amizade de Deus”. Embora “constitua uma desordem moral”, não priva o pecador da amizade com Deus e, consequentemente, da felicidade eterna do Céu. O perdão dos pecados e a purificação podem ocorrer durante a vida, por exemplo, no Sacramento do Baptismo e no Sacramento da Penitência. No entanto, se esta purificação não é atingida totalmente em vida, os pecados veniais podem ser purificados após a morte. No Purgatório, as almas “obtém a santidade necessária para entrar no Céu”. O Purgatório é uma purificação que envolve um castigo temporário doloroso, associada à ideia de fogo, semelhante ao Inferno. O Papa Gregório I escreveu que deve haver um fogo de purificação para algumas pequenas falhas. Orações para os mortos, esmolas, indulgências e obras de penitência na crença católica diminuem a duração do tempo que os mortos passam no Purgatório.

O Papa Paulo VI escreveu: a indulgência é “(…) uma remissão da pena (…) através da intervenção da Igreja”.

A Igreja Católica ensina que o destino dos que estão no Purgatório pode ser afectado pelas acções e intercessão dos vivos. Por causa da comunhão dos santos, os fiéis que ainda são peregrinos na terra são capazes de ajudar as almas do Purgatório, oferecendo orações em sufrágio por eles, em especial a missa.

Para inventar o Purgatório o clero católico recorreu a novas concepções de espaço e tempo; relacionar Terra e Além implicava numa espacialização do pensamento que, lidando com estruturas matemáticas, deixasse de lado as antigas concepções dualistas e criasse esquemas lógicos ternários nos quais a noção de intermediário passasse a ter papel fundamental. Foi assim que, entre guerreiros e sacerdotes, a nova concepção da sociedade de ordens introduziu os trabalhadores; entre o Céu e o Inferno, o sistema de Além completou-se com o espaço Purgatório.

Podemos dizer hoje, grosso modo, que o Purgatório corresponde à burguesia, tal como o Céu pertence à nobreza e ao clero e o Inferno pertence aos trabalhadores manuais: lavradores e artífices.

Fica assim patente que a criação do Purgatório serve a necessidade de criar um lugar ideológico para a burguesia, ou seja, para aqueles que não estavam livres do “pecado” de ter trabalhado mas que por outro lado tinham riquezas e eventualmente títulos.

Para percebermos melhor a finalidade do Purgatório é útil conhecer as ideias de Jacques Le Goff.

Ele separou o «Tempo de Deus» e o «Tempo dos Mercadores» (Le Goff, 1980: 43).

A Idade Média rege-se pelo tempo de Deus, ou seja, neste período o tempo é entendido como uma dádiva de Deus e como tal não podia ser alvo de moeda de troca (Deus dispunha o tempo dos seres humanos como bem entendia, gerido em seu nome pelas autoridades eclesiásticas); a sociedade era regida pela religiosidade (os sinos das igrejas ou dos mosteiros marcavam momentos para a fé – convocação para a missa, celebração de festas religiosas, etc.) e assim encontramo-nos perante uma forma de gerir o tempo, comunitária e centralizada na Igreja.

Apesar da sua existência ter sido inventada em 593, o Purgatório só foi utilizado em pleno Tempo dos Mercadores.

O tempo dos Mercadores rege-se pelo comércio e pela capacidade do indivíduo em fazer dinheiro – dispondo para tal do tempo que ele acha necessário (correndo o risco de criar um certo distanciamento ou falta de assiduidade nas suas obrigações religiosas); encontramo-nos, nesta situação, perante uma forma descentralizada e individualista de gerir o tempo e as obrigações na comunidade.

Para lidar com o embaraço provocado por esse egocentrismo monetarista que em tudo contraria a passagem bíblica de Mateus 19:24 (“Repito-vos: é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino do Céu”), tanto por interesse próprio das novas classes burguesas fazedoras de dinheiro como da tradicional classe clerical que dele tanto precisava, houve necessidade de reorganizar o sistema divino para permitir o ingresso dos endinheirados no Paraíso e/ou a sua aceitação social na comunidade: criou-se para isso, o Purgatório.

Com este artifício, o dinheiro do pecador (o qual sabia estar vedada uma ida directa para o Paraíso) podia ser utilizado para transaccionar o período de estadia nessa antecâmara intermédia chamada Purgatório, compatibilizando-se assim todos os interesses: os pecadores endinheirados sabiam que teriam de pagar pelas suas faltas de alguma maneira, num lugar (sem com isso hipotecar a sua salvação depois da morte ou a sua ostracização no mundo terreno), e o clero continuaria a ser coerente em relação às Escrituras: o seu papel como «gestor financeiro» do Purgatório juntava assim o ingresso no Paraíso de ser objecto de qualquer sanção ou comércio mundano.

A compra de tempo de penitência e redenção fora da ordem natural das coisas, ou seja, no Purgatório, terá implicações na fragmentação da dualidade moral (bom/mau) e na concepção e organização do império celeste: aquilo a que actualmente podemos chamar uma parlamentarização do mundo divino, perene, Iatico, eterno, começava a operar-se; e, com esse feito, começava também a desmoronar-se as estruturas religiosas que permitem uma tão radical mudança nesse organigrama supostamente imutável (pois se as organizações precisam de reestruturações nos seus departamentos é porque estas não funcionam tão bem nem são tão eficientes quanto seria desejável sejam elas terrestres ou celestes. Controlada que estava a gestão do tempo espiritual, devem ser verificadas as Implicações da gestão eclesiástica no tempo natural.

Céu/Purgatório/Inferno = Clero/Trabalhadores/Guerreiros

ou

Céu/Purgatório/Inferno = Nobres+Clero/Burgueses/Trabalhadores

(TEXTO BASEADO EM VÁRIAS OBRAS, ENTRE ELAS A HISTÓRIA DO ATEÍSMO EM PORTUGAL DO ARQUITECTO LUÍS  FERREIRA RODRIGUES)