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Dia: 13 de Abril, 2010

13 de Abril, 2010 Ludwig Krippahl

Convergência.

Muitos alegam que rejeito deuses, alminhas, vida depois da morte e afins apenas por assumir que não existem tais coisas. Como assumo que o universo é só matéria e natural, acusam, tenho de concluir que não há deuses. E se assumisse que o Senhor Jesus é o nosso Salvador ou coisa que o valha chegaria a uma conclusão diferente. Assumir a premissa certa salva a alma e dá paraíso. Como temos de partir de algum sítio, dizem-me, temos de assumir algumas premissas fundamentais que determinam tudo o resto.

Isto está só meio certo. É verdade que temos de partir de alguma premissa. Mas não é preciso ficar-lhe colados para sempre. Nem devemos, porque isso rouba-nos a capacidade de corrigir erros. À partida, tanto posso assumir que o chumbo é mais denso que a água como assumir que é menos denso. Porque, à partida, ainda não tenho dados que indiquem qual hipótese é mais plausível. E se escolhi a errada, quando vejo o chumbo afundar-se posso agarrar-me com toda a força à minha premissa dizendo que a água é impura, que o chumbo afundar não quer dizer nada, que não está no nível certo da realidade ou que é tudo obra do diabo.

Mas é melhor encarar todas as premissas como opiniões provisórias a rever conforme os dados que obtenha. Melhor porque não vicio a conclusão com algum erro nos primeiros passos, que são sempre os mais incertos. Se começar pela hipótese errada – e acontece muitas vezes – paciência. Posso corrigi-la mais tarde e mudar para algo mais plausível. E posso fazê-lo as vezes que for preciso.

Quem assume como certeza absoluta que Jesus é um deus, que Krishna existe, que o deus uno é três, que a Terra foi criada há dez mil anos ou que Maomé é o maior dos profetas vai ficar sempre na sua. Não importa que indícios encontre do contrário. Pode sempre dizer que são um teste à sua fé, inventar uma desculpa qualquer ou alegar uma compreensão daquelas tão profundas que ninguém percebe. O cérebro humano tem uma capacidade excepcional para moldar as suas crenças aos preconceitos. Muita gente até é capaz de ver uma criança a morrer de cancro e ainda acreditar que há um deus omnipotente que nos ama a todos. Ao pé disso, acreditar que o chumbo flutua não é nada.

Mas o cérebro humano tem também a capacidade excepcional de vencer preconceitos e adaptar crenças às evidências. “Enganei-me” custa a admitir a princípio mas, como tudo, é uma questão de hábito. E quem gosta de perceber as coisas habitua-se depressa. Porque cada erro traz uma oportunidade para o corrigir e quem não a agarra fica sem perceber nada.

É claro que se perde as certezas absolutas. Mas é um preço baixo, que as certezas absolutas são mera ilusão. E se bem que não possa rejeitar em definitivo a hipótese de estar sozinho no universo, de vocês todos serem também ilusórios ou outro problema existencial igualmente profundo, consola-me essas hipóteses serem tão inúteis e, na prática, tão irrelevantes que as posso mandar para o fim da fila e não me preocupar com elas enquanto não explorar as alternativas.

Por isto declaro-me inocente da teimosia de que me acusam. Não tenho hipóteses sagradas acerca dos factos. Os factos são o que forem. Não se vergam à minha vontade só por me pôr de joelhos e juntar as palminhas. E também não preciso de certezas absolutas. Não tenho a certeza absoluta de estar acordado, que tudo o resto exista ou até de eu próprio existir. Se calhar Descartes enganou-se e lá por haver um pensamento não quer dizer que tenha de haver um eu a pensá-lo. É possível.

Mas não é plausível. Por isso o bicho papão da incerteza não me assusta. Sei que se olhar de frente para as várias hipóteses e as confrontar com os dados posso ir descobrindo como as coisas são. Mais vale uma ideia provisória e cautelosa que possa ir aproximando da realidade do que deixar-me entalar na ilusão da Verdade Revelada™.

Um bónus agradável é saber que chego às mesmas conclusões a que chegaria se tivesse partido de premissas diferentes. Sabendo o que sei e julgando as hipóteses pelos seus méritos, seria ateu ainda que tivesse crescido muçulmano, budista ou judeu. É uma grade diferença entre quem tem religião e quem é ateu. Os religiosos são puxados, cada um para o seu lado, pelas convicções que lhes impingem desde infância. Os rituais, os sacerdotes, os preceitos, mandamentos, proibições e obrigações que os deuses, sabe-se lá porquê, se entretêm a impor aos seus fiéis.

Em contraste, os ateus chegam à mesma conclusão, e cada um por si. Cada um parte de premissas diferentes, percorre caminhos diferentes e tem uma maneira diferente de ser ateu. São pessoas diferentes. Mas todos tiveram um momento em que notaram que isto das religiões não bate certo. Um momento de “espera lá…” a partir do qual passaram a ver as várias alternativas e a procurar as mais plausíveis. E a hipótese mais plausível é que essa história dos deuses, anjinhos e companhia é tudo treta.

Em simultâneo no Que Treta!

13 de Abril, 2010 Carlos Esperança

Britânicos estudam possibilidade de prender o Papa

Dois escritores britânicos anunciaram que têm a intenção de processar criminalmente o Papa Bento XVI. Em causa, está o escândalo de pedofilia no seio da Igreja Católica, que está a abalar o Vaticano, e no qual, segundo as últimas notícias, o Cardeal Ratzinger pode estar envolvido.

Os escritores Richard Dawkins e Christopher Hitchens são ateus e críticos da religião. Os dois intelectuais informaram que pretendem levar Bento XVI à justiça quer Grã-Bretanha, quer no Tribunal Penal Internacional.

13 de Abril, 2010 Carlos Esperança

Momento zen de segunda_12-04-10

João César das Neves (JCN) voltou às homilias de segunda, no DN, para fustigar os leitores com «a nona bem-aventurança».

Quiçá envergonhado com as notícia sobre a sua Igreja, em vez de fazer a leitura crítica, deu-se à exegese da sua história e à negação do seu passado mais negro. JCN imagina calúnias onde os historiadores vêem nódoas, descobre mentiras onde existe perversão e adivinha ataques curiosos onde há factos indesmentíveis.

Confundindo o cristianismo com o Vaticano, diz o bem-aventurado que os discípulos de Cristo são perseguidos há 2000 anos, não imaginado que os judeus, os muçulmanos, os índios, os hereges, os livres-pensadores, os albigenses e os próprios protestantes tenham uma visão oposta.

JCN afirma que «A Igreja [deve referir-se à católica] é a única instituição a que se assacam responsabilidades pelo acontecido há 100, 500 ou 1500 anos», esquecendo que os impérios e as religiões politeístas não resistiram aos crimes que praticaram mas os monoteísmos ainda resistem.

JCN não se conforma com a pungência da verdade: «Os cristãos actuais são criticados pela Inquisição do século XVII, missionação ultramarina desde o século XV, cruzadas dos séculos XI-XIII, até pela política do século V (no recente filme Ágora, de Alejandro Amenábar, 2009)». Deviam ser mentiras mas os factos esmagam os desejos pios.

No seu usual delírio místico, insurge-se porque a Igreja Católica, Apostólica, Romana (ICAR) é atacada (na sua opinião, paradoxalmente) por ser «contra o sexo e a favor da procriação», um facto que nada tem de paradoxal e é uma obsessão doutrinária.

Depois agride os iluministas, sem os quais, a vida da Igreja seria um sonho, mas a dos livres-pensadores um pesadelo, por a considerarem « a principal inimiga da ciência: supersticiosa, obscurantista, persecutória do estudo e investigação rigorosos», jurando que a evidência histórica demonstra o contrário.

Denuncia ainda os jacobinos por terem acusado a Igreja pelas «terríveis perseguições religiosas, étnicas e sociais, destruição cultural de múltiplos povos, amiga de fogueiras e câmaras de tortura, chacinas, saques e genocídios», como se fosse uma mentira que «a caridade, mediação, pacifismo» que atribui à sua Igreja pudessem desmentir.
Depois de passar pelos marxistas chegou onde agora lhe dói: «Vivemos hoje talvez o caso mais aberrante: a Igreja é condenada por… pedofilia».

JCN não percebe que ninguém, a não ser as Igrejas, a começar pela sua, em relação aos judeus, converte os crimes individuais em ferrete colectivo.

O que JCN não percebe é que não estão em causa crimes de alguns padres (até podiam ser quase todos) no legítimo ataque à ICAR. Nem se acusam cristãos, como finge crer. O que o devia envergonhar e revoltar é a cumplicidade de numerosos bispos e dos três últimos papas a protegerem os pedófilos sem cuidarem do mal que faziam às crianças, preferindo ocultar os crimes a salvar crianças dos predadores.

A pungência da prosa do megafone do episcopado, JCN, converte-se em ridículo para quem sabe o que está a acontecer: «O ataque à Igreja é uma constante histórica. A História muda. A Igreja permanece. Porque ela é Cristo. Dela é a nona bem-aventurança: “Bem-aventurados sereis quando vos insultarem e perseguirem” (Mt 5, 11).

Amém.