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Dia: 2 de Abril, 2008

2 de Abril, 2008 Ricardo Alves

O mundo muçulmano seculariza-se (em silêncio)

Não há como exagerar a importância da chamada de atenção que Rui Pena Pires faz no (felizmente regressado) Canhoto: no mundo muçulmano, a alfabetização de mulheres e homens progride, a endogamia diminui, e a fecundidade está em queda (ver o impressionante quadro da evolução do número de filhos no Líbano).

A alfabetização e a urbanização são componentes inevitáveis da modernidade, mesmo para ditaduras religiosas que não apreciam os efeitos secundários desses processos. As indicações de que os xiítas do Líbano passaram de sete para dois filhos por mulher, no espaço de trinta anos, é um sinal de que se passa algo na privacidade das casas muçulmanas de que raramente se fala na Europa: informação e contracepção, presumivelmente sem consulta aos mulás. O que também ajuda a relativizar o «alarme demográfico» que a extrema-direita faz soar com frequência na Europa.

2 de Abril, 2008 Ricardo Alves

Agitar um espantalho para pedir dinheiro

As palavras de Jorge Ortiga, já referidas pela Mariana, merecem mais um pequeno comentário.

Quando o líder da CEP afirma que «o Estado democrático não pode ser militantemente ateu», eu concordo. Simplesmente, um Estado militantemente ateu mandaria fechar as igrejas, eventualmente poderia prender sacerdotes apenas por o serem, e promoveria o ateísmo através do sistema de ensino, com aulas refutando explicitamente o teísmo. Foi o que aconteceu na Europa de Leste em maior ou menor grau, com variações de espaço e tempo consideráveis, mas todos os laicistas portugueses condenam hoje esse género de práticas políticas. Ninguém em Portugal, que eu saiba, defende o ateísmo de Estado. Ortiga gosta de confundir laicidade de Estado com ateísmo de Estado, naquilo que é a típica táctica de agitar um espantalho.

Em segundo lugar, quando Ortiga pede que «[o Estado procure] satisfazer a opção dos cidadãos a quem proporciona as condições necessárias para viver a sua religião», pede no fundo que a religião seja apoiada activamente pelo Estado. Acontece que a religião, ao contrário da saúde e da educação, não é um direito social. É um direito político e cívico. As confissões religiosas só podem pedir ao Estado que garanta a liberdade individual de professar ou mudar de religião, a liberdade de associação, e a liberdade de manifestar a sua crença ou mantê-la privada. Tudo o mais (subsídios ao culto, isenções fiscais, aulas de religião na escola pública, capelães hospitalares pagos pelo Estado), é um abuso que terá um dia de terminar. Esperemos que amanhã seja a véspera desse dia.