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Liberdade e tolerância

É frequente ouvir reclamar o respeito pelos outros a quem nunca defendeu a liberdade, o apreço pela tradição a quem odeia a modernidade e apelos à tolerância a quem pretende cercear o livre-pensamento.

Se as crenças não implicassem acções, frequentemente do domínio do irracional, não haveria razão para as desrespeitar, combater ou ridicularizar, mas acontece que, com base em preconceitos, se cometem os mais hediondos crimes e se criminalizam os mais elementares direitos.

Será legítimo, por respeito, com base na tradição ou em nome da tolerância, aceitar a mutilação sexual feminina, a lapidação para adúlteras ou a decapitação para apóstatas? Uma crença que defende o Paraíso para os assassinos ao serviço de Deus deve ser respeitada? Um Governo que troque o direito divino pela sharia deve ser tolerado?

Pode aceitar-se, em nome da vontade divina, que se proíba o preservativo para defesa da SIDA e das doenças sexualmente transmissíveis ou o planeamento familiar nos países em que a bomba demográfica ameaça condenar à morte, por inanição, os habitantes?

Quem, moralmente bem formado, será capaz de condenar a interrupção da gravidez a quem foi vítima de violação ou incesto?

Mais importante do que a reverência por quaisquer preconceitos ou pela perpetuação de práticas criminosas é o respeito pela Declaração Universal dos Direitos do Homem cuja defesa é um imperativo ético e civilizacional.

Doutro modo ainda hoje o esclavagismo, a tortura e a discriminação da mulher teriam suporte legal. É o desrespeito por práticas aberrantes e pelas tradições perversas que conduziram os países mais evoluídos à democracia e ao respeito pelo indivíduo.

“Quando os nazis levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse” (Martin Niemöller).