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Dia: 13 de Fevereiro, 2007

13 de Fevereiro, 2007 Carlos Esperança

Referendo – IVR

O 11 de Fevereiro de 2007 ficará na história como o dia em que os portugueses deram público testemunho da Interrupção Voluntária da Religião (IVR).

O Cânone 1331 do Direito Canónico – o Código Penal das Almas -, determina que os que votaram SIM no referendo «não podem casar, baptizar-se e nem poderão ter um funeral religioso» como explicou pacientemente o compassivo cónego Tarcísio Alves.

A Conferência Episcopal Portuguesa, perdido o medo do Inferno, arrisca-se a ter de indemnizar os crentes pelo tempo perdido em missas, novenas, terços, orações e outros pios devaneios.

Esta excomunhão automática, tão grave que nem os padres a podem retirar, alienou ao santo rebanho 2.338.053 ovelhas com as quais deixaram de poder argumentar nas transacções com o Estado e na chantagem dos números.

Deus deve ter ficado muito zangado com os portugueses, como assevera o clero. Mas, que pode um mito contra a força do voto, o exercício da democracia e a libertação do dogma?

A Senhora de Fátima, que chorava lágrimas de sangue em muitos panfletos, nas caixas do correio, esvaiu-se com os resultados, entrou em estado de choque e teve de fazer uma curetagem ao saco lacrimal.

Por algum tempo a Igreja vai deixar de atirar placentas aos olhos dos crentes e de arremessar fetos às mochilas das crianças dos colégios religiosos.

13 de Fevereiro, 2007 Carlos Esperança

D. Efigénia ficou doente (crónica)

A minha vizinha Efigénia (pseudónimo que uso para evitar agravar-lhe o mal), amiga da missa e da hóstia, ficou doente.

No período que precedeu o Referendo da IVG papou a missa diária, deixou queimar o arroz e a massa três vezes, vazou-lhe a sopa outras tantas e pegou fogo o fogão quando se distraiu a rezar a salve-rainha. Até o bolo de chocolate que fizera para o filho, que vinha de fim-de-semana, se lhe reduziu a carvão quando debitava o terço no oratório do quarto.

A D. Efigénia já me disse que era uma pena eu não ir à missa, tão boa pessoa, até reza pela minha conversão e não desanima de ver-me subir as escadas da igreja da paróquia, entregue a uns frades depois de começarem a escassear os padres seculares.

A D. Efigénia nunca pensou perder o Referendo, era pela vida, sabia que a Senhora de Fátima andava a desfazer-se em lágrimas de sangue, espécie de menstruação ocular, e que não permitiria que as forças do mal vencessem.

Aliás, ela bem sabe como os portugueses são atreitos ao medo do Inferno, embora este tenha sido abolido, e como sentem a falta das cantorias e do padre no funeral. Sorria feliz com o Cânone 1331 que excomungaria os que votassem SIM no Referendo: «não poderiam casar, baptizar-se nem ter um funeral religioso».

Julgava a boa da D. Efigénia que o medo era suficiente para dar a vitória à Senhora de Fátima, ao seu amado filho, ao pai do Céu e a todos os que se preocupam com pecados.

Quando viu que 2.338.053 desprezaram as suas orações, missas, novenas, terços e outros pios demonífugos começou a cismar que Deus não existe, a senhora de Fátima é uma burla, os anjos não voam, rastejam, e os padres são funcionários de uma empresa cujos produtos não têm certificado de garantia nem prazo de validade.

A D. Efigénia, continua a benzer-se, mas até julga que alguns defensores do Não são proprietários de clínicas clandestinas e que a despenalização do aborto lhes vai acabar com o negócio.

Entre a salvação da alma e a reflexão, a D. Efigénia hesita e aflige-se, adoece e cisma, mas nunca mais rezou um pai-nosso. Diz que tem muitos na conta e não resultaram. Finalmente, convenceu-se de que o aborto não é um sacramento e pode ser feito sem a ajuda do padre.

13 de Fevereiro, 2007 Ricardo Alves

Sabiam?

Sabiam que a Marktest publicou este excelente livro que recolhe as crónicas e outros escritos do «nosso» Carlos Esperança?

Para alguém da minha geração, para além do prazer de apreciar a escrita do Carlos Esperança, e as suas estórias bem contadas, este livro permite conhecer um pouco do mundo, (para mim) distante e quase incompreensível, que era a Beira Interior no terceiro quartel do século passado, entre a catequese terrorista da ICAR, a pobreza e o futebol, as procissões e a «Índia portuguesa», os padres informadores da PIDE, os contrabandistas e as aulas do liceu, e depois o Martinho da Arcada antes da guerra colonial, as praias da Caparica nos anos 60 e finalmente o 25 de Abril. Compreender o que foi tudo isto não é óbvio para quem só tem memória da democracia.

A partir de 1974, dão-se umas alfinetadas valentes numas figuras que sobraram do antigamente e que parecem não sabê-lo (como os seguidores de Josemaría Escrivá e o pai do Dinis de Santa Maria), e, após o 11 de Setembro, surge a preocupação com o islamismo e outros clericalismos, e a sua vacina: a laicidade.

Tudo numa prosa de fazer inveja, e com o humor do Carlos.

(É pena que não esteja nas livrarias.)