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Dia: 6 de Agosto, 2006

6 de Agosto, 2006 Palmira Silva

A crucificação de Madonna – actualização

Alguns dos nossos leitores informaram-me que a encenação da composição «Live to tell», em que Madonna aparece numa cruz de espelhos e com uma coroa de espinhos na cabeça, tem a finalidade de alertar os seus espectadores para as vítimas da SIDA em África. Na realidade, o objectivo de Madonna é angariar pelo menos 3 milhões de dólares para auxiliar os quase 1 milhão de orfãos da SIDA no Malawi. A cantora anunciou os seus planos numa entrevista à Time.

Considerando a posição criminosa da Igreja católica em relação ao preservativo, reiterada pelo actual Papa ainda no ano passado, quando recebeu os bispos africanos, acho francamente oportuna esta encenação de Madonna.

No Malawi, como nos restantes países africanos em que a Igreja detem uma influência não despicienda, e não obstante os apelos do governo local para que a Igreja reveja a sua posição em relação ao preservativo, os representantes do Vaticano continuam a opôr-se a qualquer programa de prevenção da SIDA que envolva preservativos.

6 de Agosto, 2006 Palmira Silva

A crucificação de Madonna


O deus etrusco Ixion crucificado
Prometeu acorrentado

A imprensa católica especialmente mas praticamente todas as agências noticiosas reproduzem a reacção da Igreja Católica ao espectáculo que Madonna leva hoje a Roma, a uns escassos metros do Vaticano. Durante o «Confessions Tour», há uma cena em que Madonna, usando uma coroa de espinhos, desce para o palco numa gigantesca e cintilante cruz de espelhos.

O Cardeal Ersilio Tonino ululou que a cena é «um acto de hostilidade aberta» enquanto o bispo Velasio De Paolis verberou que o espectáculo «representa os frutos podres da laicidade e do absurdo do mal».

Não se percebe muito bem porque razão a devota da Kabbalah, um ramo místico do judaismo, que afirma estar mais próxima de Deus desde o seu acidente no ano passado, é um fruto podre da laicidade. Só se o bispo se estiver a referir ao facto de que foi o advento da laicidade que impediu a perseguição e queima na fogueira de todos os que não seguissem escrupulosamente a «única» religião verdadeira.

É também a famigerada laicidade que impede que este perigo para a «verdadeira» fé, como o Vaticano descreveu a Kabbalah em 2004, seja erradicado. O facto de De Paolis considerar implicitamente a Kabbalah um fruto do mal é apenas expectável de uma Igreja que cada vez mais mostra as suas verdadeiras cores e cada vez mais dá mostras da rejeição do ecumenismo do concílio Vaticano II.

E mais uma vez, os representantes de todas as religiões do livro, que são incapazes de apelar à paz no conflito entre Israel e o líbano, uniram-se a uma só voz, desta vez contra a cantora e o seu uso «blasfemo» da simbologia da cruz.

Não percebo muito bem os fundamentos das estridentes objecções à utilização da cruz, introduzida na simbologia cristã pelo mitraista Constantino, um dos símbolos mais antigos e mais ubíquos que existem. Desde o Neolítico que a simbologia da cruz está presente em todas as mitologias jamais inventadas. Até Prometeu, o criador dos homens na mitologia grega, é representado nalgumas versões acorrentado a uma cruz, e não a uma rocha, no monte Cáucaso.

A cruz, e posteriormente o crucifixo, só aparece regularmente na arte cristã a partir do século V. E era vulgar em todo o mundo muitos séculos antes. Na realidade, o termo stauros, que aparece na Bíblia e foi traduzido como cruz, significa apenas estaca.

As cruzes solares, muito frequentes, representam o círculo do zodíaco (do grego zoidion que significa círculo animal) com uma cruz que marca as quatro estações. No centro era muitas vezes representado o Sol «crucificado». As cruzes eram assim comuns como representações da crucificação do Sol, simbolizando a passagem das estações e a sua ressureição no equinócio da Primavera (a Páscoa na mitologia cristã).

O sol e o deus Sol não são os únicos deuses encontrados crucificados em antigas cruzes. Muitas figuras de mitologias sortidas morreram na cruz e foram ressuscitados; desde Osiris e Hórus no Egipto, Krishna na India, Mitra na Pérsia, Quetazlcoatl no México, Hesus dos druidas, Attis na Frígia, etc.. Os paralelos entre as míticas vidas destes Messias pagãos com o que é descrito na Bíblia são inúmeros, e são apenas mais uma indicação que Cristo, tal como os seus antecessores, é apenas mais uma figura mítica.

Nomeadamente, inúmeras figuras da mitologia pré-cristã «nasceram», de mães «virgens», pouco depois do solstício de Inverno, mais ou menos a 25 de Dezembro. O Natal cristão é apenas mais um ritual pagão recuperado que festeja o solstício do Inverno e o «nascimento» do Sol.