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Dia: 19 de Julho, 2006

19 de Julho, 2006 Carlos Esperança

Conventos ou campos de concentração?

Os maníacos de Deus nunca deixaram de o procurar. Em tempos recuados, convencidos de que Deus era como o lince da Malcata, que fugia da civilização e do urbanismo, os anacoretas procuravam a solidão dos montes, viviam em grutas e dedicavam-se à contemplação mística.

Nunca se soube se Deus ficava maravilhado com a demência dos créus e o exotismo da resposta às depressões. Os trogloditas insistiam no silêncio e no abandono do mundo. Era, sobretudo, a luxúria que procuravam esconjurar. Alguns viraram santos por bizarra decisão pontifícia, outros morreram sós, sem terem visto Deus nem um simples anjo que lhes levasse um pouco de juízo.

Mais tarde a seita organizou-se e o poder era exercido pelo clero secular enquanto os frades e freiras, em conventos separados, que acidentalmente comunicavam por túneis, se dedicavam ao ócio e à oração.

Não haveria objecções se a livre vontade estivesse na origem de tão insólitos modos de vida. Muitas vezes, porém, foi o regime de propriedade e o direito sucessório que empurrou para as pias grilhetas jovens na flor da idade e do desejo, entregues a Deus para as poupar ao amor e ao incómodo da divisão de heranças.

A perversidade religiosa encontrou sempre na privação da liberdade a forma de agradar a Deus e na renúncia ao prazer o caminho para o Paraíso.

Os Estados, pusilânimes, receosos da força do clero, nunca verificaram se os conventos eram supermercados da fé ou cárceres privados para salvação das almas.

19 de Julho, 2006 Ricardo Alves

Marx e a religião

A passagem de Karl Marx em que se afirma que «a religião é o ópio do povo» é frequentemente citada como prova de que o pensamento marxista (e o comunismo, por extensão) seria anti-religioso. No entanto, essa passagem é mal compreendida, talvez por raramente ser citada na sua totalidade.
  • «A miséria religiosa é, por um lado, a expressão da miséria real e, por outro, o protesto contra ela. A religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espírito. É o ópio do povo.»

Note-se que a referência ao ópio, que na época de Marx era uma droga de aristocratas e burgueses ociosos, significa apenas que a religião é o escape, a fuga à «miséria real» disponível para as classes «oprimidas». Ao designar a religião como um «protesto» contra essa miséria e como «coração de um mundo sem coração», Marx demonstra até alguma compreensão pelo fenómeno religioso (senão mesmo simpatia). Nitidamente, se se tivesse que completar a série de metáforas usadas por Marx, facilmente se escreveria que a religião não é causa de opressão, mas sim consequência; que não é a doença, mas sim o seu sintoma.

Continuemos com a Introdução à Crítica da Filosofia em Hegel.

  • «A crítica arrancou as flores imaginárias que enfeitavam as cadeias, não para que o homem use as cadeias sem qualquer fantasia ou consolação, mas para que se liberte das cadeias e apanhe a flor viva. A crítica da religião desengana o homem para que este pense, aja e organize a sua realidade como um homem desenganado que recobrou a razão a fim de girar em torno de si mesmo e, portanto, do seu verdadeiro sol.»

Na sequência do seu raciocínio (perfeitamente lógico atendendo às premissas) Marx argumenta portanto que a crítica da religião não é um fim em si próprio, mas apenas um primeiro passo para que o homem se liberte das suas «cadeias». De certo modo, pode dizer-se que Marx subordina a crítica anti-religiosa à luta política socialista, não reconhecendo à primeira mais do que um valor instrumental. No Terceiro Manuscrito Económico e Filosófico (concretamente no capítulo «Propriedade Privada e Comunismo»), Marx é ainda mais claro sobre o carácter secundário da alienação religiosa.

  • «A alienação religiosa como tal, ocorre somente no campo da consciência, na vida interior do homem, mas a alienação económica é a da vida real, e por isso, a sua substituição afecta ambos os aspectos.»

Fica explícito, no trecho anterior, que a «alienação económica» é o caso geral, enquanto a «alienação religiosa» é o caso particular. Marx parecia acreditar que a segunda decorria da primeira. Não concebia, aparentemente, a operação recíproca: que as estruturas eclesiais e a cultura religiosa pudessem ser causa primeira de opressão e de alienação, e que determinassem, pelo menos em parte, a economia. Não se aceita portanto, no marxismo, que o laicismo seja tão ou mesmo mais importante do que o socialismo.

[Publicado previamente no blogue Esquerda Republicana.]

19 de Julho, 2006 Carlos Esperança

Maldito seja Deus

No Próximo Oriente os livros sagrados continuam a matar. Israel vê a terra prometida por Jeová ameaçada por milhares de mísseis que os beatos do Corão recebem de países esquizofrénicos cujos habitantes se viram para Meca cinco vezes ao dia.

Os judeus subvertem a ética, o direito internacional e a sensatez na resposta às pias provocações islâmicas. O Islão só conhece o ódio, a mesquita e o livro que Alá ditou ao estúpido pastor Maomé que levou vinte anos a decorá-lo entre Medina e Meca.

A administração americana estudou o Antigo Testamento e tem à frente um presidente que fala com Cristo, qual deles o mais ignaro, e acredita nas fantasias bíblicas.

É desolador ver Beirute, Bagdade e Damasco, cidades cosmopolitas, há cinquenta anos, reduzidas a escombros e orações. O Profeta é um energúmeno que os crédulos evocam, Alá uma santa besta, que rivaliza com o Deus apocalíptico, e os crentes padecentes do ódio, fanatismo e morte. Jeová está armado até aos dentes e não pára a ofensiva.

A Europa, dividida entre o servilismo ao pastor evangélico Bush e a tradição humanista, fala a várias vozes e capitula em diferentes tons. No Vaticano, o Sapatinhos Vermelhos debita lugares comuns e disfarça o anti-semitismo com orações.

Como combater o racismo, a xenofobia e o nacionalismo, se a fonte desses males se encontra nas páginas falsificadas dos livros sagrados?

Se fosse possível apagar as religiões sem magoar os crentes, despejar Deus na sanita sem o barulho do autoclismo, erradicar o tribalismo da humanidade e fazer de prosélitos gente civilizada, o mundo caminharia para um novo patamar de progresso e bem-estar.

Assim, são milhares as crianças sem lágrimas e sem braços, com feridas na alma e olhos desorbitados pelo medo, que vão aprendendo com o barulho das bombas e os estilhaços que lhes dilaceram o corpo, o ódio que hão-de cultivar e transmitir, a exaltação da morte que arrasa nações e destrói os povos.

Maldito seja Deus.

19 de Julho, 2006 Ricardo Alves

Reino Unido ilegaliza dois grupos islamistas

Duas organizações islamistas, a Al-Ghurabaa e a Saved Sect, foram ilegalizadas pelo governo do Reino Unido. Ambas as organizações são consideradas herdeiras do Al-Muhajiroun, que se dissolvera em 2004 por ordem do seu líder, o clérigo extremista Omar Bakri (conhecido por se referir aos autores do 11 de Setembro como «os dezanove magníficos», autoexilou-se no Líbano no verão de 2005). Omar Bakri, que alegadamente continua a controlar as organizações referidas, formou-se na Irmandade Muçulmana e no Hizb-ut-Tahrir, e é famoso pela propaganda do ódio e pelas suas declarações de apoio verbal ao terrorismo («Os seculares dizem que “o Islão é a religião do amor”. É verdade. Mas o Islão também é a religião da guerra. Da paz, mas também do terrorismo. (…) Maomé disse mais: “Eu sou o profeta que ri quando mata o seu inimigo”.»).

Esta ilegalização é possível porque, segundo a recente Lei de Prevenção do Terrorismo britânica, passou a ser crime pertencer a grupos designados pelo governo do Reino Unido como «simpatizantes do terrorismo», e organizar comícios ou usar roupas que lhes demonstrem apoio. Confesso, muito honestamente, que embora não duvide da premência de proibir e reprimir organizações terroristas, tenho algumas dúvidas sobre a necessidade de proibir grupos que «mesmo que não se envolvendo directamente em actos de terrorismo, dão apoio e fazem declarações que glorificam, celebram ou exaltam as atrocidades cometidas pelos grupos terroristas» e que, no máximo, estarão envolvidos no recrutamento a favor de organizações terroristas.

As associações agora ilegalizadas participaram numa famosa manifestação contra a publicação dos cartunes dinamarqueses em que se gritaram palavras de ordem como «Liberdade vai para o Inferno [Freedom, go to hell]» ou «a Europa pagará, o seu 11 de Setembro chegará [Europe, you will pay, your 9/11 is on the way]», e onde também se exibiram cartazes com os dizeres «Massacrai os que insultam o Islão [massacre those who insult Islam]». Na medida em que o cartaz referido é um apelo ao crime (especificamente, um incitamento ao assassinato), não tenho dúvidas de que constitui um crime, e que quem o exibiu deve ser julgado e condenado, como aliás aconteceu. (Já as palavras de ordem, não me parece que constituam um crime, embora revelem fanatismo e desprezo pela vida humana.) Entre o incitamento à violência e a justificação da violência, haverá uma distinção (que admito que nem sempre seja clara). E a ilegalização de um grupo por decisão governamental (e portanto política) é perigosa, ao contrário de condenações judiciais individuais por crimes tipificados na lei. Acho suficiente processar os membros individuais destas organizações por apelarem à violência. Proibir grupos político-religiosos por «glorificarem o terrorismo», conduz também a proibir, por coerência, todos os grupos neo-nazis (por «glorificarem o nazismo») e alguns grupos católicos (por «glorificarem a Inquisição»). Será mesmo esse o melhor caminho?