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Dia: 4 de Junho, 2006

4 de Junho, 2006 Carlos Esperança

A excisão genital e a fé

A mutilação genital feminina não é apenas uma crueldade inqualificável, é uma mistura de religião e tribalismo, um acto de demência religiosa que vê no prazer da mulher uma fonte de imoralidade.

No cristianismo a sexualidade feminina é uma abominação que Agostinho condenou quando a idade e o múnus o fizeram o casto. No islão é uma ofensa ao profeta, que os mullahs vigiam, e um perigo que as teocracias se encarregam de erradicar.

No mundo árabe, onde a Idade Média floresce nas teocracias que embrutecem e constrangem socialmente, todas as sevícias e actos de crueldade contra a mulher são formas de perpetuação do poder clerical e do carácter misógino do Corão.

Nos países cristãos a mesma demência, contida pelo carácter secular, é uma constante herdada da cultura judaico-cristã, uma obsessão do clero e um desatino dos mais retrógrados dirigentes.

Nos EUA o presidente Bush, em demência homofóbica, quer a revisão da Constituição para que os casamentos homossexuais sejam interditos.

Do Vaticano, a última teocracia europeia, o ditador vitalício ordena aos sicários que lhe servem de correia de transmissão, que defendam a ortodoxia bíblica, que se oponham à emancipação da mulher e lhe reprimam a sexualidade, numa cruzada pela castidade e por aquilo que designam de bons costumes.

A ICAR leva o caos e a chantagem a qualquer lugar onde os direitos humanos sejam interpretados de igual forma para ambos os sexos. Nem o passado obsceno que guardam os muros do Vaticano morigeram o Papa.

4 de Junho, 2006 Palmira Silva

Código da Vinci: never ending story

«O Código da Vinci» foi proibido em mais dois Estados indianos, Andhra Pradesh e Meghalaya, elevando-se assim para 7 o número de Estados na Índia onde não é possível ver o filme. A estes estados juntam-se o Punjab, Nagaland, Tamil Nadu, Pondicherry e Goa.

Em Goa, as ameaças dos grupos católicos locais do recurso à força, isto é violência, para evitar que o filme fosse visto, pouparam o governo local às decisões indigentes e cobardes dos seus congéneres de Andhra Pradesh, que confessaram ter imposto a proibição com medo das represálias católicas. De facto, a distribuidora retirou o filme. Em Bombaim (Mumbai), o Comissário da polícia local viu-se obrigado a medidas extraordinárias de segurança em torno dos cinemas que exibem o filme para evitar a fúria dos (poucos mas aguerridos) católicos locais.

Também no Paquistão o filme foi proibido, por pressão não só da minoria cristã como da maioria muçulmana do país. Como já referi, o perigo do filme para os dignitários cristãos e muçulmanos reside especialmente no facto de o livro levantar questões, ou antes, sugerir blasfémias execradas por estas religiões misóginas, sobre o papel das mulheres nas respectivas religiões. E especialmente por não só sugerir que a misoginia das três religiões do livro se revela na sua abominação da sexualidade, com especial ênfase na feminina que é dever dos «santos» das 3 religiões reprimir, como sugere que o pecado original nos moldes que hoje é entendido foi uma congeminação da Igreja para destruir o «sagrado feminino» e justificar a subjugação da mulher.

4 de Junho, 2006 Carlos Esperança

Laura VanRyn e a eficácia da oração

Durante cinco semanas – diz o Diário de Notícia de ontem (sítio indisponível) – os pais de Laura, profundamente religiosos, viveram «um misto de angústia e de esperança» enquanto durou o estado comatoso da filha, gravemente ferida num acidente de viação.

Estiveram noite e dia à cabeceira e, quando viram a jovem a sair de coma «deram graças a Deus».

Estranharam, à medida que ela recuperava a consciência, ouvir-lhe coisas incoerentes, como assinalaram no blog Laura VanRyn que propositadamente criaram.

As orações e os louvores a Deus tinham sido por uma colega da filha morta. No mesmo acidente Whitney Cerac, uma colega de 18 anos, com semelhanças físicas evidentes, era a paciente que recuperava do estado de coma.

O trágico equívoco fez explodir de alegria a família da sobrevivente, considerada morta, enquanto os infelizes pais reconheciam o capricho trágico da sorte que os iludiu durante cinco semanas.

4 de Junho, 2006 Palmira Silva

Um alibi do outro mundo

Um dos nossos leitores brasileiros informou-nos de um caso absurdo que ocorreu na cidade gaúcha de Viamão em que uma mulher foi inocentada da acusação de mandante de um assassínio que sob ela pendia, através de … cartas psicografadas!

Aparentemente a justiça brasileira reconhece as palermices sortidas do espiritismo e cartas psicografadas servem de prova nos tribunais brasileiros, o primeiro caso ocorrido em 1979 em que cinco cartas psicografadas inocentaram um homem acusado de assassínio: «pela primeira vez em toda a história jurídica do mundo, um juiz de Direito apoia sua decisão em uma mensagem vinda do Além». (Diário da Noite de 10.09.79, pág. 13).

A psicografia é descrita como integrando a apelidada pomposamente de «sematologia espírita» pelo fundador e codificador daquela que é hoje em dia uma religião com implantação crescente no Brasil – país em que co-habita inesperadamente com o cristianismo – Hippolite Léon Denizard Rivail aka Allan Kardec, nome assumido pelo fundador do espiritismo após o espírito Z o ter «informado» que esse era o seu nome no tempo dos druidas (gauleses).

Segundo Kardec, num artigo na Revista Espírita de Janeiro de 1858, a psicografia ou escrita automática divide-se em directa e indirecta consoante a fraude prosa ditada «do Além» é transcrita directa ou indirectamente pelo médium.

O psicógrafo mais famoso no Brasil e quiçá no mundo é Francisco Cândido Xavier (Chico Xavier) que para além das cartas psicografadas na origem da primeira absolvição do outro mundo, supostamente psicografou mais de 400 livros, incluindo textos (e poemas) de João de Deus, Antero de Quental e Guerra Junqueiro.

Xico Vavier doou os lucros da sua profícua prosa «psicografada» à Federação Espírita Brasileira (FEB). Ambos ganharam notoriedade e manchetes dos jornais brasileiros quando 3 meses após a morte de Humberto Campos, a 5 de Dezembro de 1934, Chico Xavier começou a debitar crónicas do outro mundo do falecido. Manchetes redobradas quando em 1944 a viúva e os 3 filhos de Humberto Campos, moveram uma acção judicial contra a FEB, em relação aos direitos de autor sobre as obras psicografadas.

A psicógrafa que mais lucrou com prosa do outro mundo é a «médium» Zibia Gasparetto, uma escritora sem sucesso de policiais à la Agatha Christie até a inspiração espírita a ter catapultado para os tops de venda. Zibia montou por ordem do «outro mundo» um império editorial que atende pelo nome de Vida & Consciência.

Sobre a psicografia partilho da opinião de Agripino Grieco, crítico literário, que falava sobre textos psicografados atribuídos a autores famosos: «A psicografia é a prova cabal de que a morte faz muito mal ao estilo de um autor».

Como confirmação deixo para apreciação um texto do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) e uma passagem de um conto supostamente ditado pelo seu espírito a Zibia Gasparetto.

«O ambiente em que começou a vida brasileira foi de quase intoxicação sexual. O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia de Jesus precisavam descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne. Muitos clérigos deixaram-se contaminar pela devassidão. As mulheres eram as primeiras a se entregar aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses.»
Casa Grande & Senzala

«Irene olhou o relógio e suspirou angustiada. Faltavam dez para as oito. Armando saíra com amigos. Olhou-se no espelho mais uma vez. Como gostaria de ser linda, elegante, maravilhosa, para poder vingar-se dele naquela hora. Para ver em seus olhos o arrependimento por havê-la perdido! Mas ela não se achava bonita. Seus amigos diziam, era sempre muito requisitada pelos homens, mas era porque ela era independente, bem na vida, e indiferente.»
O Encontro, conto de Gilberto Freyre psicografado por Zibia Gasparetto em 1995.