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Dia: 29 de Março, 2006

29 de Março, 2006 Ricardo Alves

Laicização do protocolo de Estado

O deputado Fernando Rosas entregou na Assembleia da República um requerimento que questiona o Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a existência, no protocolo de Estado, de um lugar para o Cardeal Patriarca de Lisboa da Igreja Católica.

A questão foi originalmente levantada pela Associação República e Laicidade (ARL), aquando da tomada de posse do Presidente da República. Nessa ocasião, o Cardeal Patriarca de Lisboa não apenas teve um lugar na tribuna de honra junto dos anteriores presidentes da República, como fez parte do ordenamento da apresentação de cumprimentos ao recém-empossado Presidente, imediatamente após os Chefes de Estado e Primeiros-Ministros presentes e antes dos Vice-Presidentes da Assembleia da República. A ARL recordou que a Lei da Liberdade Religiosa (Lei nº16/2001) preconiza que «o Estado não adopta qualquer religião» e que «nos actos oficiais e no protocolo de Estado será respeitado o princípio da não confessionalidade» (pontos 1 e 2 do Artº 4º – Princípio da não confessionalidade do Estado). Deve notar-se que a mesma Lei estipula que «o Estado não discriminará nenhuma igreja ou comunidade religiosa relativamente às outras» (ponto 2 do Artº 2º).

O constitucionalista Vital Moreira afirma, sobre este assunto, que «nem era preciso estar na lei, bastando o princípio constitucional da separação entre o Estado e a religião». O requerimento do deputado Fernando Rosas conclui perguntando «o que tenciona o Ministério fazer para que o Protocolo de Estado cumpra as leis da República e Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho em particular»?
29 de Março, 2006 Carlos Esperança

A libertação de Abdul Rahman

Regresso ao caso de Abdul Rahman , convertido ao cristianismo. O Supremo Tribunal afegão decidiu suspender o processo que inevitavelmente o condenaria à morte por alegada «incapacidade mental».

A decisão é jubilosa, os pressupostos execráveis.

As pressões internacionais desempenharam um papel de relevo mas os depoimentos dos familiares, «ele não tem todas as capacidades mentais», «é louco» e «diz ouvir vozes estranhas na cabeça», foram o alibi para libertar um cidadão que optou por uma religião diferente daquela em que foi criado.

Provavelmente se tivesse optado pela indiferença religiosa ou pelo ateísmo, decisões igualmente legítimas, não teria sido considerado louco, condição sine qua non para manter ligada a cabeça ao tronco, porque a solidariedade internacional seria mais frouxa e as pressões menos intensas.

Não podemos esquecer o silêncio e cobardia de vários Governos de países democráticos em relação à fatwa contra Salman Rushdie e a displicência com que parecem ser vistas as ameaças de morte a Taslima Nazreen.

É perante factos de que o caso de Abdul Rahman constitui um paradigma que devemos interrogar-nos até onde pode ir a defesa do multiculturalismo e a compreensão com o comunitarismo.

Se aceitarmos que a vontade de Deus, interpretada pelos clérigos, se pensarmos que o direito canónico pode, em qualquer circunstância, ser o fundamento do Direito Penal, é a barbárie que prevalece sobre os avanços da civilização.

Se pensarmos que Camilo foi preso por adultério, que o divórcio era praticamente proibido há 30 anos, que o ensino religioso era obrigatório nas escolas públicas, até há pouco, que a escravatura existiu até meados do séc. XIX e a inquisição até 1821, não temos razões para considerar a civilização europeia superior à árabe.

Efectivamente superior é a democracia comparada com a teocracia, a civilização face à barbárie e a supremacia do Estado de direito sobre a tradição.

Nota: Este caso já mereceu 3 artigos da Palmira: «Sentença de morte no Afeganistão», Insanidades mentais e «Abdul Rahman libertado».