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Dia: 12 de Dezembro, 2005

12 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Crónicas do Cavaleiro da Pérola Redonda

J. C. das Neves brindou-nos hoje com mais uma das suas crónicas inenarráveis. Neste puro delírio tomista, o inefável cavaleiro da Pérola Redonda não defende directamente a sua dama, a Igreja de Roma e seus ditames, mas fá-lo indirectamente com um ataque ao «dragão» que, desde Agostinho de Hipona, ameaça a sua hegemonia e autoridade: o uso da razão, mais concretamente a ciência.

O fazedor de opinião do Diário de Notícias aproveita para o seu ataque inano à ciência o facto de que decorre ainda o ano Internacional da Física. Ano em que se celebra o centenário do Annus Mirabilis de Einstein. Denominado assim porque em 1905, ainda funcionário do gabinete de patentes de Berna, Einstein publica não quatro como o excelso professor indica mas sim cinco artigos memoráveis* que mudaram para sempre a ciência.

E aparentemente o professor estava um pouco baralhado quando debitou a opinação em análise porque não só Einstein não «concebeu em 1905, quase de raiz, a mecânica quântica» como praticamente até à sua morte manteve um conflito permanente com a mecânica quântica, MQ. Conflito cuja expressão mais conhecida é um artigo que escreveu em 1935 com Podolsky e Rosen, onde se propunham demonstrar a grande inconsistência da MQ. O assunto é conhecido, no meio científico, como o Paradoxo EPR (de Einstein, Podolsky, Rosen).

Depois deste pouco auspicioso começo, o «filósofo», ou melhor, «téologo» da ciência tenta incutir no seu leitor (nesta altura perdido de riso se tiver um mínimo de cultura científica) a dúvida sobre a bondade do conhecimento científico. Lançando-se em lucubrações sobre a a vontade de Einstein, que morreu a trabalhar na sua teoria unificada, em «desaprender» ciência, aparentemente por causa da bomba atómica. Lucubrações completamente sem fundamento e teria sido útil ao spin doctor do DN ler qualquer coisinha sobre Einstein antes de se lançar nas suas habituais efabulações.

Nas palavras de Einstein a um historiador «Sugere que em 1905 eu devia ter previsto a possível construção de bombas atómicas. Tal era impossível, dado que a possibilidade da reacção em cadeia dependia da existência de dados empíricos que não podiam ter sido antecipados em 1905… E mesmo que tal conhecimento estivesse disponível, teria sido ridículo tentar esconder uma conclusão particular da teoria da relatividade restrita. Uma vez que a teoria existia, a conclusão existia».

Uma dos mimos com que J. C. das Neves nos obsequia neste indescrítivel artigo é a promoção de um economista keynesiano a «um dos seus (ciência) mais astutos observadores». Nomeadamente um representante de uma ciência não exacta que se socorre de termos e conceitos de uma ciência exacta, a física, para elaborar uma versão «respeitável» da «teoria» dos ciclos que tenta explicar as crises que o mundo capitalista atravessa e conjecturar sobre as várias «forças» actuantes. Na realidade ainda hoje alguma economia pede emprestada respeitabilidade à física, sendo um dos campos da moda actualmente a econofísica, tema de um workshop na Universidade de Évora em 27 de Janeiro próximo. Parecer-me-ia um pouco arriscado propor como um astuto observador da «assustadora» (J.C. das Neves dixit) física alguém que se socorre desta para se impor no seu próprio campo…

Fiquei na dúvida se J.C. das Neves é frequentador do Diário Ateísta porque o seu parágrafo seguinte poderia ser debitado por um qualquer dos crentes que comenta todos os assuntos em apreço com alusões a Pol Pot, Mao ou Stalin. Ou seja, por uma razão qualquer obscura J. C. das Neves promove a ciência o marxismo-leninismo usando-o como mais um papão para denegrir a ciência, essa malvada relativista que ousou destronar as verdades «absolutas» da Santa Madre Igreja, por exemplo a insustentável leveza das almas nos limbos!

Os verdadeiros motivos de J. C. Neves na escrita deste conjunto de inanidades revelam-se quasi no fim da opinação. Num parágrafo em que mais uma vez mistura ciências exactas com ciências sociais (não exactas) o ilustre spin doctor tenta lançar a confusão sobre os temas «fracturantes» sobre que tantas vezes nos mimoseou com as suas pérolas redondas de raciocínio. Nomeadamente o aborto e a homossexualidade. Em que tenta menorizar os argumentos científicos a favor do aborto ou que desmistifiquem os preconceitos homofóbicos da Santa Madre Igreja.

Imediatamente antes do seu final apoteótico (ou apopléctico?), em que carpe ter a ciência no século XIX substituido a religião nas respostas às questões da humanidade e sugere que a ciência é mortal (!?) para o homem, J. C. das Neves tem um lapso de lucidez. Não obstante ter indicado o «culpado» errado, que na realidade é o ressurgimento de fundamentalismos religiosos anacrónicos, a sua análise do problema dos tempos modernos está certa: esta nova fase místico-religiosa traduz-se no crescimento do «desprezo pela atitude racional e avança o misticismo e a magia, prosperam os charlatães e a mixordice intelectual», como são exemplo a super abundância de milagres produzidos pelo anterior Papa ou a recuperação do exorcismo pela Igreja católica. E concordo em absoluto que «Estão em risco séculos de avanços do conhecimento». Mais concretamente todos os séculos que medeiam desde o Renascimento, em que saímos da longa noite obscurantista imposta pela Igreja de Roma, até hoje!

*Os cinco artigos são publicados a um ritmo alucinante. Assim, em Abril Einstein publica um artigo que será igualmente a sua tese de doutoramente sobre a determinação das dimensões de moléculas (e em que prova inequivocamente a existência destas, algo que não era consensual à altura); em Março foi publicado o artigo que lhe valeu o prémio Nobel em que explica o efeito fotoeléctrico; em Maio um artigo sobre movimento browniano; em Junho um artigo intitulado «Electrodinâmica dos corpos em movimento» em que apresenta aquilo que hoje em dia chamamos relatividade restrita e finalmente em Setembro um suplemento ao artigo da relatividade em que pela primeira vez aparece a equação que é talvez o ex-libris de Einstein: E=mc2.

12 de Dezembro, 2005 Mariana de Oliveira

Debate

Próxima quarta-feira, 14 de Dezembro
Debate sobre
LAICISMO E LAICIDADE
com
Luís Mateus e Ricardo Alves
da Associação Cívica República e Laicidade
na Companhia de Teatro
A Barraca

Depois da representação da peça «O Mistério da Camioneta Fantasma».O espectáculo tem início às 21.00 horas.

Bilhete simples: 12,50 euros
50% para os associados e amigos da Associação Cívica R&L.

Marcações para o 213965360 ou 213965275 até às 19:00 horas de quarta-feira.

Para mais informações: http://abarraca.planetaclix.pt/, [email protected] ou [email protected].

12 de Dezembro, 2005 Carlos Esperança

Santíssima Trindade

Em tempos da beata ditadura salazarista, por lei de 1936, um Cristo sofrido tornou-se obrigatório nas escolas, ladeado por um idiota vestido de oficial general e pela figura sinistra do antigo seminarista de Santa Comba Dão.

Na 3.ª classe do ensino primário era obrigatório ensinar às criancinhas o dogma da Santíssima Trindade que, não sendo originalidade da ICAR nem do cristianismo, contribuía para o embrutecimento infantil e bovinidade dos professores que tinham por missão explicá-lo.

Dizia-se que «eram três pessoas iguais, distintas e uma só verdadeira». Todas eram uma e era Deus. Além de dogma era mistério. Além de mistério era estúpido, mas alimentava a fé.

A ICAR, no seu instinto comercial, deitou fora o Pai, encerrou num pombal recôndito o Espírito Santo e dedicou-se à comercialização do Filho. Segmentou o mercado e passou ao negócio da cruz, com ou sem atleta.

Depois de ter amadurecido o produto, em vez de impingir os outros dois artistas da tríade, criou o culto mariano. Passou a vender Nossas Senhoras como os tasqueiros vendem tremoços para acompanhar a cerveja.

Reparem, pios leitores, que o Pai apareceu a Moisés a ditar-lhe uns mandamentos no Monte Sinai e nunca mais regressou. Aconteceu o mesmo a alguns satélites artificiais.

Quanto ao Espírito Santo, os próprios cardeais não o vêem há várias épocas de caça.

Só o JC aparece de vez em quando a alguns bem-aventurados, como aconteceu à Irmã Lúcia que recebeu uma visita em Tuy. Quem aparece com frequência é a Virgem, que a tradição e as vantagens do negócio conservam imaculada, quase sempre a pessoas de instrução rudimentar e excessiva fé.

Mas agora o que está a dar são os santos, especialistas em cunhas a Deus, aptos a curar o mau olhado, a evitar possessões demoníacas e a render emolumentos ao Vaticano.

A fé é um negócio que alimenta a voragem do padres, a credulidade dos infelizes e a superstição de muito boa gente.

12 de Dezembro, 2005 Ricardo Alves

«A religiosidade nas escolas»

O EXPRESSO de 3-12-05, a propósito da persistência de crucifixos em salas de aula de escolas públicas, refere declarações do gabinete da ministra Lurdes Rodrigues e de um responsável sindical, afirmando que essas situações se verificam exclusivamente na região Norte de Portugal e que não ultrapassam a vintena – o título da notícia é mesmo: «Só 20 escolas têm crucifixos».

Ambas as informações são factualmente incorrectas e uma simples consulta ao repertório produzido pela Associação República e Laicidade permitiria verificar que existem escolas com símbolos religiosos permanentes distribuídas pela região Norte, pela região Centro, pela região de Lisboa e pela do Alentejo e, sobretudo, permitiria perceber que essas situações foram citadas a título meramente exemplificativo, sendo muitas outras aí deliberadamente omitidas para proteger a privacidade das pessoas que fizeram chegar a informação à associação.

Acrescente-se que a Associação República e Laicidade considera a medida entretanto tomada pelo Ministério da Educação – mandar retirar crucifixos de salas de aula a pedido explícito de encarregados de educação – claramente insuficiente: está constitucionalmente garantido aos cidadãos portugueses o direito de não serem, por forma alguma, postos na situação de terem que revelar convicções (positivas ou negativas) que mantenham, designadamente em matéria religiosa, e o exercício desse direito, que não se compadece com a postura agora adoptada pelo Governo, requer a retirada de todos os símbolos religiosos das salas de aula, garantindo assim, a par da não confessionalidade da escola pública, a separação entre o Estado e as igrejas e a igualdade entre todos os cidadãos independentemente das suas convicções em matéria de religião.

Ricardo Alves (membro da Direcção da A.R.L.)

(Texto publicado no Expresso de 10/12/2005 como carta de leitor.)