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Dia: 11 de Outubro, 2005

11 de Outubro, 2005 Carlos Esperança

O latim está de volta

Quando refiro a morte de Deus os leitores facilmente descobrem que uso uma figura de estilo. Não morre o que nunca viveu, não desaparece o que não existe. Dizer que Zeus morreu ou que Vénus foi seduzida são metáforas.

De Deus nunca foi encontrado o cadáver, sentido o cheiro da decomposição, ou visto o mais leve despojo. Quantas relíquias a ICAR venderia a almas piedosas se a mais leve prova da sua existência fosse encontrada?!

Os crentes afligem-se com apelos lancinantes à paz e orações inúteis contra cataclismos que dilaceram a humanidade, reduzem cidades a escombros e matam milhões de pessoas que acreditam na bondade e protecção divinas.

E as dúvidas aumentam quando Bush revela que fala Com Deus e que as asneiras que faz não são da sua autoria mas da responsabilidade de quem considera Comandante do comandante-chefe das Forças Armadas do EUA.

De facto, por pior que seja, Bush não podia cometer tantos erros, provocar o caos, sem a ajuda de Deus que sempre teve propensão para escolher as piores companhias.

O sínodo que está reunido no Vaticano não deixará de avaliar o estado calamitoso em que se encontra o seu único produto – Deus -, a única fonte de rendimento e pretexto para o assalto ao poder em numerosos países.

As reverendíssimas criaturas chegaram à conclusão de que perderam a ligação a Deus.

Um cardeal que dormitava, após lauto almoço, admoestado por B16, terá dito que não dormia, pensava que Deus só sabia latim e, por isso, tinha deixado de ouvir os crentes.

Os cardeais, cansados das missas e de sínodo, deram-lhe razão. B16, retrógrado e hábil, aproveitou para enterrar o concílio Vaticano 2.º e pensa trazer de volta o latim às missas e a, pelo menos, uma oração.

Não interessa que os crentes não saibam o que dizem. O que é preciso é que Deus perceba.

11 de Outubro, 2005 Carlos Esperança

As relíquias da santa

Os restos mortais são na nossa cultura objecto de respeito mas não de idolatria. Ninguém guarda um pêlo púbico da defunta consorte, o parafuso do colo do fémur da inefável sogra, o osso de um progenitor ou a cartilagem de um irmão. Nem, de um parente chegado, a unha com que procedia à higiene auricular.

Só a ICAR, na mórbida contemplação da morte, é capaz de forrar uma capela com ossos humanos, como acontece em Évora, sem sabermos se todos eram de cadáveres. Só a macabra paranóia eclesiástica é capaz de passear um dedo de Francisco Xavier pelas paróquias da Beira Alta, como eu vi na adolescência, sem certificado de garantia nem autorização do Delegado de Saúde.

Em Itália vários santos prepúcios, atribuídos a Cristo, disputaram a autenticidade até que os padres decidiram que JC não podia ter abandonado o sepulcro e emigrado para o Céu sem uma parte do corpo, passando a excomunhão a ser aplicada a quem tivesse o arrojo de falar desse pedaço de pele que os judeus amputam ritualmente.

Não sei que partes do cadáver ou peças do vestuário recôndito da Teresinha de Ávila, uma santa a quem os delírios hormonais exacerbaram os místicos, vai o clero expor à concupiscência e veneração dos fiéis portugueses nos próximos dias 7 a 9 de Dezembro na Guarda, Covilhã e Seia.

Há neste delírio esquizofrénico da Igreja católica, nesta obsessão mórbida por relíquias, uma estranha forma de proselitismo do clero a roçar a necrofilia.