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Dia: 7 de Maio, 2005

7 de Maio, 2005 Carlos Esperança

A liberdade está em perigo

A vocação totalitária das religiões está inscrita no código genético. Não há democracia onde o poder da Igreja não se encontre claramente limitado, nem liberdade onde não se tenha imposto o laicismo. Já Pio IX tinha afirmado a incompatibilidade da ICAR com a liberdade e a democracia – sábias palavras de um pontífice que odiava os judeus e a modernidade com igual fervor.

Há muito que o Diário Ateísta acompanha o ressurgimento dos neo-cruzados que como feras esfaimadas se precipitam contra governos democráticos na tentativa de imporem a verdade única e fazerem da Bíblia a fonte do direito. Não compreendem que haja mais mundo para além do direito canónico e dos dogmas da sua Igreja.

São bandos de beatos à solta, bárbaros sedentos de proselitismo, clérigos fanatizados nos campos de treino do Vaticano e nos antros do Opus Dei. É a igreja das cruzadas e da inquisição que ressurge, é a contra-reforma que avança, é o mercado da fé à procura da globalização.

A vitória dos neoconservadores americanos e a conquista do aparelho do Estado mais poderoso do mundo por beatos evangélicos, em perfeita simetria com o histerismo do islão político, lançou a ICAR através das Conferências Episcopais numa desvairada deriva contra o poder secular.

Em Espanha (ver artigo da Palmira) a «desobediência civil» promovida pelos bispos é um vigoroso ataque à democracia desferido por lacaios do único estado totalitário europeu – o Vaticano.

Na América do Sul, há poucos anos apoiavam os ditadores assassinos, hoje ameaçam e limitam as transformações democráticas em curso.

Em Timor Lorosae, dois bispos ameaçam lançar o País numa guerra civil e humilham os governantes faltando a reuniões adrede preparadas, sem explicações ou desculpas, exigindo a demissão de quem tem a legitimidade democrática, encaminhando o País para uma teocracia.

Em Timor Lorosae, os bispos começaram por exigir a revogação da lei que criou, a título experimental, o carácter facultativo do ensino religioso em 32 escolas. Depois pediram demissão do chefe do Governo, agora exigem «a imediata remoção do primeiro-ministro».

O bispo de Baucau, Basílio do Nascimento, declarou à Lusa – segundo o Público de hoje -, «ter proposto que o poder político se pronuncie a favor da criminalização do aborto e da prostituição, aguardando que o Parlamento se venha a pronunciar sobre esta matéria».

A seguir virá o divórcio e o adultério. Depois, a sodomia, a blasfémia e a apostasia. Por fim os timorenses dividir-se-ão entre os que seguem a ICAR com velas ou com cacetes. É a dialéctica do poder totalitário.

7 de Maio, 2005 pfontela

Os amigos de Ratzinger

Não é novidade que Bento XVI não desperta muitas simpatias fora dos círculos (neo)conservadores, mesmo entre católicos. Entre os católicos que não estão muito felizes com esta escolha do espirito santo parece existir uma solução comum para o problema: pura negação, que se traduz na afirmação que: Ratzinger não é Bento XVI. Claro que como todas as ilusões, esta mais tarde ou mais cedo vai ser quebrada (se é que ainda não foi). Mas mesmo sem o apoio entusiástico de parte dos crentes não se pense que Bento XVI anda sozinho pelos corredores do Vaticano. Longe disso, o que não faltam são organizações que são tão fanáticas e fundamentalistas como o próprio papa.

Entre o rol de aliados de Ratzinger encontram-se grupos como: Focolare, Comunhão e libertação, Neocatechumenate, Renovação Carismática. Embora esta explosão de movimentos tenha ocorrido em grande parte com JPII foi sem dúvida Ratzinger que assegurou o seu lugar permanente dentro da ICAR através de duas coisas: conseguir aprovação papal e criar um nicho teológico onde elas se encaixassem – isto foi feito com a defesa da co-essencialidade das dimensões carismática e institucionais da Igreja, sendo que a primeira deve a sua autoridade, prática e teológica, à sua defesa do primado do papado. Mas não é só por partilharem as mesmas posições que o novo papa gosta deles, muitas destas organizações respondem apenas ao seu líder carismático e estão baseadas em Roma (ou perto) o que significa que podem ser mobilizadas, e controladas, directamente do Vaticano (enquadrando-se maravilhosamente no esquema de centralismo que o papado deseja).

Mas é claro que entre o rebanho as coisas não são nada pacíficas, sendo que muitos dentro da ICAR acusam estes grupos de terem uma visão rígida e monolítica, usarem tácticas de recrutamento coercivas, possuírem uma convicção absoluta de estarem a agir sob um mandato directo de deus, agirem sempre em segredo, usarem controlo mental e de promoverem anti-intelectualismo. Mas mais uma vez (e ao contrário do que os católicos gostam de dizer) as suas vozes não tiveram nem têm qualquer peso. Ratzinger não só aprova entusiasticamente este modelo como afirmou que: «é nestes vários movimentos espirituais que a inserção do leigo na Igreja é realizada».

É com estes actores que se vai desenrolar o próximo capitulo do conflito entre a ICAR e o mundo secular, e quem sabe se mesmo entre facções antagónicas dentro da organização. Tenho a esperança que a Europa seja forte o suficiente para se manter firme na caminhada para uma sociedade mais livre mas devo dizer que vislumbro a sombra do clericalismo cada vez mais próxima.

7 de Maio, 2005 Palmira Silva

Desobediência civil

«Por definição, toda religião – toda fé – é intolerante, pois proclama uma verdade que não pode conviver pacificamente com outras que a negam.» Mario Vargas Llosa

A conferência Episcopal espanhola publicou ontem uma nota em que, se tal é possível, exponencia a rejeição da Igreja ao estado de direito, concretizada na reacção à lei que contempla a possibilidade de casamentos entre pessoas do mesmo sexo. De acordo com estes «peritos» em Direito esta não é uma «verdadeira lei» e exigem aos católicos que se oponham de forma «clara e incisiva» a esta lei iníqua.

Têm sido inúmeros os apelos da hierarquia católica à desobediência civil para, como diz o Bispo de Segorbe-Castellón, Juan Antonio Reig Pla, a actuação dos católicos não ir «contra a sua consciência rectamente formada». Reig Pla, afirmou ainda que um católico «tem que obedecer a Deus antes que aos homens, pois, de contrário, pode-se chegar a um Estado totalitário». O que me induz em dúvida sobre o que o ilustre prelado entende por totalitarismo, já que este é, por definição, o poder de uma doutrina, de uma ideologia, de uma «verdade» indiscutível. Ou seja, um estado democrático nunca pode ser totalitário mas as religiões são inerentemente totalitárias e intolerantes!

Já o Arcebispo de Génova, Cardeal Tarcisio Bertone, opinou que José Luis Zapatero, foi demasiado impulsivo no que considera ser o seu afã de «dar uma bofetada na Igreja» comparando algumas promessas eleitorais de Zapatero, sufragadas em eleições democráticas e livres, à «promessa de Herodes», aludindo à passagem mítica de Herodes e Salomé. «Depois de excitado pela dança da sua enteada (e sobrinha) Salomé, Herodes Antipas lhe disse: ‘peça-me o que quiser, que te darei’. E acrescentou sob juramento: ‘Dar-te-ei o que me pedires, embora seja metade de meu reino’». Do mesmo modo, «há governantes veleidosos que, a fim de arrecadar uns quantos votos, são capazes de dar de presente um reino que nem sequer lhes pertence. Não creio que, chegado o momento, estes governantes tenham incómodo em oferecer numa bandeja a cabeça da Igreja, para manter-se no trono». Certamente que este outro ilustre prelado prefere as monarquias teocráticas, como a dos reis católicos, ou o totalitarismo de Franco (posto no poder com o auxílio do Vaticano) que dominaram durante séculos a Espanha e que ofereceram à Igreja, sem quaisquer incómodos, as cabeças dos que ousaram contrariar os ditames desta.

Para além das habituais tácticas de vitimização que são lugar comum na actuação da Igreja de Roma, os últimos tempos têm sido palco de exibições de totalitarismo muito preocupante por parte da Igreja católica. Tentativas de recuperação do integrismo católico que se manifestam um pouco por todo o globo mas com especial visibilidade em Timor e em Espanha. Como o Diário Ateísta vem alertandomuitos meses a Igreja Católica encontra na conjuntura actual as condições necessárias para restaurar a antiga ordem, fundada no casamento (incestuoso) do poder político com o poder clerical. Com uma integração de todos os elementos da sociedade sob a hegemonia do «poder espiritual» representado, interpretado e proposto pela Igreja Católica, mais uma vez com o seu expoente máximo no Papa, não mais um primum inter pares.

Reitero as minhas expectativas já expressas de que a História recente nos tenha despertado da atitude complacente em relação às religiões e acordado para a ameaça latente que estas constituem para o modelo de sociedade que queremos construir, preconizado na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Que ameaça ruir se não pusermos um freio aos ensejos totalitários e intolerantes das religiões, nomeadamente da Igreja de Roma, e se cedermos às chantagens sob a forma da desobediência civil, tão queridas aos Papas do século XXI, que se vão expectavelmente repetir onde o catolicismo é a religião dominante.