20 de Abril, 2005 Mariana de Oliveira
Nem tudo são rosas
Será que estas vozes discordantes continuarão a sê-lo ou serão, entretanto, silenciadas?
Será que estas vozes discordantes continuarão a sê-lo ou serão, entretanto, silenciadas?
O facto de os cardeais terem escolhido entre si o pastor alemão Ratzinger para o redil da ICAR, justifica uma segunda publicação no Diário Ateísta do texto escrito em 15-02-2001 para o «Diário as Beiras», de Coimbra.
O Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Sagrada Congregação da Fé (ex. Santo Ofício) num ensaio consagrado à liturgia, em 11 de Fevereiro de 2001, criticou severamente a música rock e pop e manifestou reservas em relação à ópera que acusa de ter «corroído o sagrado» de tal modo que – cita – o papa Pio X «tentou afastar a música de ópera da liturgia», donde se deduz que ela é claramente desajustada à salvação da alma.
Eu já tinha desconfiado que certa música é a «expressão de paixões elementares» e que o «ritmo perturba os espíritos», estimula os sentidos e conduz à luxúria. Salvou-me de pecar a dureza de ouvido que tinha por defeito e, afinal, era bênção.
Mas nunca uma tão relevante autoridade eclesiástica tinha sido tão clara quanto aos malefícios da música, descontada a que se destina à glorificação do Senhor, à encomendação das almas ou a cerimónias litúrgicas (outrora com o piedoso sacrifício dos sopranistas).
Espero que o gregoriano, sobretudo se destinado à missa cantada, bem como o Requiem, apesar do valor melódico, possam ressarcir-nos a alma dos danos causados pelo frenesim da valsa, a volúpia do tango ou a euforia de certos concertos profanos.
Só agora, mercê das avisadas palavras de Sua Eminência, me interrogo sobre a acção deletéria do Rigoleto ou da Traviata, dos pensamentos pecaminosos que Aida ou Otelo poderão ter desencadeado em donzelas – para só falar de Verdi – ou dos instintos acordados pela Flauta Encantada de Mozart ou pelo Fidélio de Beethoven! E não me venham com a desculpa de que há diferenças entre a ópera dramática e a cómica, ou entre esta e a bufa.
A música, geralmente personificada na figura de uma mulher coroada de loiros, com uma lira ou outro qualquer instrumento musical na mão, já nos devia alertar para o pecado oculto na arte de combinar harmoniosamente os sons.
Sua Eminência fez bem na denúncia. Espera-se agora que, à semelhança das listas que publicou com os pecados veniais e mortais e respectivas informações complementares para os distinguir, meta ombros à tarefa ciclópica de catalogar as várias músicas e os numerosos instrumentos em função do seu potencial pecaminoso.
Penso que a música sacra é sempre de louvar (desde que dispensados os eunucos), enquanto a música de câmara, a ser executada em reuniões íntimas, é de pôr no índex. Na música instrumental, embora o adjectivo seja suspeito, talvez não haja grande mal, mas quanto à música cifrada não tenho dúvidas de que transporta uma potencial subversão.
Nos instrumentos há-os virtuosos, como o sino, o xilofone, as castanholas e quase todos os de percussão, deixando-me algumas dúvidas, mais por causa do nome, o berimbau.
Nos de corda, excepção para o contrabaixo e, eventualmente, o piano (excluídas perigosas execuções a quatro mãos) quase todos têm riscos a evitar. A lira, o banjo, a cítara, o bandolim e o violino produzem sons que conduzem à exacerbação dos sentidos.
Mas perigosos mesmo – a meu ver – são os instrumentos de sopro. Abro uma excepção para os órgãos de tubos que nas catedrais se destinam a glorificar o Altíssimo. Todos os outros me parecem pecaminosos. A flauta, o clarim, o fagote, o pífaro e a ocarina estimulam directamente os lábios e, desde o contacto eventualmente afrodisíaco aos sons facilmente lascivos, tudo se conjuga para amolecer a vigilância e deixar-nos escravizar pelos sentidos. Nem o acordeão, a corneta de pistões ou a gaita de foles me merecem confiança.
Num ponto estou em desacordo com os meus colegas de blog: a eleição de quem eu considerava o mais provável sucessor de João Paulo II, por uma simples análise política de uma instituição que reitero como puramente política, não constitui motivo de regozijo. Simplesmente porque a minha análise global dos cenários que esta calamidade implica é francamente negativa.
Apesar de não acreditar em profecias «nostradâmicas» ou «malaquianas» que prevêm este Gloria Olivae como o penúltimo Papa, acho que as consequências da eleição deste Papa, para quem o epíteto ultra conservador é um eufemismo, serão desastrosas. Direi mesmo que o dia de hoje, 19 de Abril de 2005, pode constituir um marco para um retrocesso civilizacional que será muito difícil de recuperar. Para que tal não aconteça nós, ateístas, agnósticos e, como tive a grata surpresa de confirmar agora mesmo na SIC Notícias, alguns católicos, temos de redobrar os nossos esforços para combater os inevitáveis ataques à laicidade e ao apelidado relativismo moderno, que espero esclarecer num próximo post.
Não é um bom augúrio um Papa que considera que «Se os divorciados se casam civilmente, ficam numa situação objectivamente contrária à lei de Deus. Por isso, não podem aproximar-se da comunhão eucarística» assim como «O fiel que convive habitualmente more uxorio com uma pessoa que não é a legítima esposa ou o legítimo marido, não pode receber a comunhão eucarística».
Mesmo em termos estéticos e musicais este Papa tem uma palavra a dizer condenando a música rock como um «contra-culto que se opõe ao culto cristão», acusando ainda a música de ópera de ter «corroído o sagrado».
Claro que algumas das conquistas do século passado vão estar sob ataque cerrado, nomeadamente o fim da discriminação de sexos, opção sexual ou de religião. De facto este Papa considera as mulheres como divinamente predestinadas à dominação do homem, condenando, entre inúmeras outras coisas, a emancipação da mulher, recuperando toda a letra da encíclica Casti Connubii do pio Pio XI.
De igual forma deixou claro e de forma «incisiva» a sua rejeição às uniões homossexuais. Segundo Joseph Ratzinger e, podemos pressupor, Bento XVI: «diante do reconhecimento legal das uniões homossexuais (…) é necessário opôr-se de forma clara e incisiva. Há que se abster de qualquer tipo de cooperação formal à promulgação ou aplicação de leis tão gravemente injustas». Esta posição anacrónica e tão vigorosa de apelo à desobediência civil , expressa nas santas «Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais», mereceu de Mario Vargas Llosa um artigo que recomendo.
E, claro, o suposto diálogo ecuménico foi abruptamente interrompido quando se elegeu como Papa o autor do Dominus Iesus.
Voltamos assim em pleno e sem rodeios diplomáticos a uma Igreja com um referencial centrado na mui glorificada Idade Média das Cruzadas e caça às bruxas e hereges! Para que o fim desta história não seja uma reedição da História negra da Humanidade temos de unir esforços, todos, ateus, agnósticos e crentes com referencial no século XXI!
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.