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As danças da chuva e a seca no Alentejo

O sentimento religioso perde-se nos tempos. Para lidar com o imprevisível, com o que não conhece, com a perplexidade perante um mundo complexo cheio de fenómenos aleatórios, o homem projectou as suas aspirações em seres imaginários com capacidades muito superiores às suas, com explicações relativamente simples para os fenónemos naturais, e respostas reconfortantes para os mistérios pertubantes.

Um caso exemplar é o das danças da chuva. Desesperados porque precisam de chuva, dispostos a sacrifícios para a obterem, mas impotentes face aos caprichos da natureza, várias tribos primitivas desenvolveram rituais nos quais se tentava apaziguar ou convencer os Deuses a serem generosos ou misericordiosos. É óbvio que o impacto das danças na pluviosidade foi nulo, mas isso não impediu os povos de continuarem, ano após ano, geração após geração, em pontos muito dispersos do globo, a manterem esses rituais. O clero local era claro: quando se dançou e não choveu, o ritual não foi feito com convicção suficiente; quando se dançou e choveu, a chuva ocorreu graças ao ritual. O reforço comunitário, a memória selectiva, o post hoc, validação subjectiva, negação e outro tipo de análise supersticiosa e falaciosa permitiu manter vivos estes rituais curiosos.

Mas muito curiosa é a forma como esses ritos são transpostos para a sociedade ocidental. No www.ateismo.net é possível encontrar uma notícia que a Mariana Pereira da Costa destacou da agência Eclesia no dia 25 de Janeiro:

«O Bispo de Beja, D. António Vitalino, já alertou o clero da diocese para que ‘se ponha uma intenção especial sobre a seca no Alentejo e que esteja atento aos casos de maior gravidade’.

Era hábito no Alentejo fazerem-se procissões onde se pedia ‘bom tempo e boa colheita’. As ‘chamadas rogações’, disse o bispo. Liturgicamente estão previstas, só ‘que esse costume foi-se perdendo’. Com o ambiente de secularismo ‘as pessoas pensam mais nos subsídios da União Europeia do que em Deus’.»

Recomendo vivamente o comentário que se segue, também sobre este assunto.

Como nos mostrou a tragédia no sudeste asiático, o homem ainda está sujeito aos caprichos da natureza. No entanto, cada vez tem mais poder para a inter-agir com ela, bem como para lidar com as suas consequências.

Cada vez mais, importa encarar estas questões com uma atitude racional. Importa prestar atenção às consequências do efeito de estufa para que não seja o homem a causar os desastres e cataclismos de que pode padecer. Importa saber onde contruir diques, saber onde contruir barragens, saber quais os planos hidrológicos adequados,

quais os impactos ambientais.

E, claro, fazer investigação. Fazer evoluir o conhecimento. Já se começa a compreender os mecanismos da chuva ao ponto de a poder provocar artificialmente. Como evitar a seca tremenda sem causar desequilíbrios ambientais? É importante manter a investigação nestas áreas.

E também importa saber quem mais precisa de apoio, como maximizar a protecção, como minimizar os riscos. Tudo isto com uma atitude racional.

Não com danças da chuva!

Mas o que o Bispo pede, no fundo, é oposto.