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Dia: 19 de Dezembro, 2004

19 de Dezembro, 2004 lkrippahl

Ciência ou Religião?

Têm sido muitos os conflitos entre ciência e religião. Giordano Bruno foi queimado vivo por ter especulado a existência de outros planetas habitados. Galileu teve mais sorte; escapou à sentença ao declarar publicamente que afinal não havia luas a orbitar Júpiter, e pouco mais de trezentos anos depois da sua morte até foi perdoado pela Igreja Católica.

Hoje em dia as coisas estão mais calmas, pelo menos em países como o nosso. Os astrónomos já descobriram centenas de planetas fora do nosso sistema solar, e não têm medo da fogueira por especular. Finalmente percebemos que a Natureza não dá muita importância às nossas convicções pessoais, e que, por isso, ter fé não adianta muito se queremos saber como as coisas são na realidade. A nossa sociedade reconhece que em matéria de facto a ciência é bastante mais fiável e merece autoridade sobre a religião.

Mas há ainda a noção que a religião é a maior autoridade em questões éticas e matérias de valor. Infelizmente, a nossa sociedade dá se mais peso à opinião dos padres que dos cientistas quando questiona o que é ético fazer numa área em que um cientista sabe muito mais que um padre. Não sei porquê. Não vejo porque uma demonstrada capacidade de acreditar no falso confere ao padre maior autoridade na determinação do que é ou não de valor, ou porque uma demonstrada capacidade em determinar o que é verdadeiro tira ao cientista capacidade de decidir o valor das coisas.

E penso que esta abordagem nos traz problemas concretos, como a investigação em células estaminais embrionárias.

A preparação duma linha de células estaminais embrionárias implica a criação dum zigoto, o seu desenvolvimento até a fase de blastocisto, e a destruição do blastocisto pela remoção da massa celular interna. Traduzindo: cria-se um ser humano, que em seguido é morto. Podemos tentar dar a volta ao problema arranjando definições mais ou menos restritas do que é um ser humano, mas eu penso que não é a definir palavras que resolvemos isto. E quero deixar bem claro que eu dou imenso valor a uma vida humana. Se estivéssemos a falar dum embrião saudável firmemente implantado no útero da mãe, eu concordaria que era um problema ético sério matá-lo, pois seria a diferença entre sete ou oito décadas de vida humana par esse ser, ou nada. Oitenta anos de vida é algo muito valioso para se deitar fora sem problemas.

Por isso, eu concordo com a posição da Igreja Católica quando diz, na encíclica _Evangelium_vitae_:

“O ser humano deve ser respeitado e tratado como uma pessoa desde a sua concepção”

Mas um zigoto na lâmina dum microscópio não está na mesma situação que um embrião implantado no útero. Não tem condições para se desenvolver, e está condenado ou a morrer ou a ser congelado. Nunca se desenvolverá o suficiente para dar valor à vida que tem. Retirar a massa celular interna a um zigoto sem condições para se desenvolver para ajudar outra pessoa com uma doença grave é como retirar um rim a um paciente em coma irreversível para salvar a vida a outra pessoa.

Parece que o problema da Igreja Católica é que o zigoto tem alma, e por isso a sua vida é “sagrada”, e não pode ser sacrificada para salvar outros mesmo que não tenha qualquer hipótese de se desenvolver, de ganhar consciência, e de dar valor à sua existência.

Isto de um deus colocar almas em todos os zigotos humanos parece-me problemático. Vejamos o caso dos gémeos verdadeiros, em que o blastocisto se divide acidentalmente e as duas partes se desenvolvem como seres humanos independentes. Será que este deus cria uma alma extra na altura da divisão, dá ao zigoto duas almas de início já a contar com o problema, ou será que um gémeo de cada par é um desalmado?

Sabemos também que cerca de um terço, ou talvez mesmo metade, das concepções não chegam a vingar, ou porque o blastocisto não se consegue implantar ou porque o embrião é abortado espontaneamente. Será que um deus infinitamente sábio e misericordioso coloca almas nestes seres sabendo que não viverão mais que umas semanas e nunca terão hipótese de se desenvolver?

Mais intrigante ainda é a ideia que este deus coloca uma alma num zigoto criado num laboratório para gerar uma linha de células estaminais. Porque faria tal coisa? E como podem os senhores padres saber que o seu deus foi de tal maneira insensato?

Tenho muito respeito pelas pessoas, acreditem no que acreditarem, mas, perdoam a honestidade, acho isto um disparate.

Mas vamos admitir que o zigoto ou blastocisto criado no laboratório e agora congelado a -70ºC tem uma alma. Mesmo assim, não se justifica manter essa alma aprisionada num punhado de células por período indeterminado. Se fosse eu, preferia que acabassem logo com aquilo e dessem algum uso àquelas células do que me deixarem preso num corpo microscópico dentro dum congelador. Ao menos a minha morte servia para ajudar outros, e tinha o céu garantido (podiam baptizar-me primeiro, se achassem necessário).

Em suma, esta abordagem feita de absolutos, da vida ser sagrada, da alma e tais coisas, está a causar um problema ético muito maior do que o que pretende resolver. Juntar um espermatozóide a um óvulo para fazer células capazes de curar leucemia ou regenerar órgãos não é um mal; é um bem. Separados, a vida desse espermatozóide e desse óvulo não era melhor, e tãopouco beneficiaria o zigoto de ser congelado para o resto da sua vazia existência. E é imenso o que se pode ganhar de tão modesto sacrifício.

Mas é uma questão de tempo. Galileu foi perdoado. Giordano Bruno ainda não, mas pelo menos a Igreja Católica já não queima ninguém por estas coisas. E eventualmente irá aceitar também a utilização de células estaminais embrionárias.

Digo isto porque ninguém proíbe a investigação destas técnicas em animais. Não têm alma, por isso não há problema. E quando tivermos curas simples e eficazes para a leucemia, para doenças degenerativas dos órgãos, entre outras, mas as pessoas só as poderem usar nos seus animais de estimação e não para salvar os seus filhos, ninguém vai dar ouvidos aos padres.

19 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Mensagem – 3.º Encontro Nacional de Ateus

Companheiro/as

A combinação de religião e política não faz um país melhor mas torna o Estado muito pior. Por isso, a sociedade secular não pode consentir nenhum tipo de mistura.

No dealbar do novo milénio o islão é a crença cuja demência dos seus prosélitos atingiu fulgor mais esquizofrénico. Regista-se um fenómeno regressivo, de virulência inusitada, na generalidade dos países submetidos ao Alcorão. O ambiente cultural definha, os direitos humanos são postergados, a liberdade é cerceada e as mulheres massacradas, num mundo cruel de contornos paranóicos.

À medida que a decadência avança e o fracasso da cultura árabe se acentua, a religião é o que resta como afirmação da identidade de uma sociedade que renunciou à modernidade, estagnou e se atolou na miséria, na ignorância e na fé. A religião deixou de ser uma crença para consumo individual e transformou-se no aparelho repressivo que controla tudo e todos, num terror colectivo alimentado pela delação e constrangimento social.

É ingénuo responsabilizar os países colonizadores, culpar a cobiça pelo petróleo, denunciar a espoliação dos seus recursos. Tudo isso é verdade, como é verdade o direito da Palestina à existência, tal como o de Israel, mas o islão é a maior tragédia que se abateu sobre os árabes, mais destruidora do que todas as catástrofes naturais juntas, e a espalhar-se como vírus letal um pouco por todo o planeta.

A religião, mais do que a crença disponível para oprimir e embrutecer os povos, é no islão o cimento que aglutina nações e tribos dilaceradas por ódios e ressentimentos internos, para as orientar contra o inimigo comum – os infiéis, ricos, instruídos e felizes, considerados um insulto à vontade divina. Por sua vez, a língua árabe transforma-se em instrumento religioso a que os clérigos atribuem carácter sagrado.

Perante tal desvario podia pensar-se que a difusão e aprofundamento do laicismo seriam reclamados como vacina capaz de conter o vírus. Puro engano. Um fenómeno mimético, estranho e preocupante, percorre os países democráticos onde a religião dominante, contida no domínio privado, apoia as exigências das concorrentes e reclama o espaço público onde, a médio prazo, espera medir forças e impor a hegemonia. O Estado laico é agora o inimigo comum a abater para, depois, se aproveitar dos órgãos do poder e tentar o exclusivo. Há um recuo civilizacional e ideológico em marcha para ajustar a sociedade ao espírito religioso. Não podendo as religiões renunciar aos equívocos em que se fundamentam, esforçam-se por fazer regredir os povos até serem aceites.

O cristianismo está hoje a ensaiar uma postura integrista, comum a ortodoxos, protestantes e católicos. E não são apenas os clérigos a vociferar em nome de Deus, são legiões de crentes, acirrados nas sacristias, a brandir crucifixos, são intelectuais, organizados em seitas, a debitar a Bíblia e restos do mundo rural, aterrados com o juízo final, a fazer maratonas de jejuns, orações e penitência. O papa JP2 afastou da ICAR muitos cidadãos mas transformou os que ficaram em histéricos soldados de Cristo, em prosélitos ávidos da conversão do mundo, sendo o Opus Dei e o Movimento Comunhão e Libertação dois dos mais sinistros e radicais.

Os cristãos dos EUA, que impõem a Bíblia nos actos públicos, as orações e os crucifixos nas escolas, que gostariam de que a ciência se reduzisse ao artesanato que criou o homem segundo a descrição bíblica, são iguais aos mullahs islâmicos, aos judeus das tranças, aos cristãos ortodoxos que se colam ao aparelho de Estado e, tal como os católicos, se mortificam, encerram-se em conventos e submetem-se aos dogmas. O jejum, a abstinência, a oração e o martírio são distracções masoquistas comuns a todas as religiões, reservando o sadismo para os infiéis e apóstatas.

Não há características étnicas que predisponham ao crime, há preconceitos culturais que o fomentam, fanatismo que o estimula, obsessão pelo Paraíso que o impõe. Urge denunciar as religiões sem estigmatizar os crentes. Fazer a exegese dos textos «sagrados», apontar o seu carácter violento, o espírito cruel e a natureza feroz, reflexos da época em que foram escritos, não é responsabilizar os devotos pelas malfeitorias da religião. O ateísmo combate a mentira e o crime, não as suas vítimas, ainda que estas possam ser fanatizadas e postas ao serviço do despotismo divino.

Nem todos os árabes são muçulmanos e, destes, são em número reduzido os terroristas. Seria um erro confundir um grupo de pessoas particular com o carácter criminoso da crença que não podem abjurar sem risco de vida. O combate às religiões não é contra os crentes. A necessidade de as remeter para a esfera privada não priva os devotos de regalias, pelo contrário, assegura-lhes o acesso aos direitos, liberdades e garantias que só o Estado de direito confere, contra a vontade do clero.

A crueldade dos livros sagrados não pode servir de pretexto para perseguir os crentes mas deve ser-lhes mostrada, para os tornar um pouco menos crentes e bastante mais críticos.

Quando se reiteram as virtudes das religiões, nomeadamente o espírito de paz, devemos precaver-nos contra o ódio que medra nas alfurjas da fé e os crimes que aí se organizam. A pobreza, a discriminação e a fé são uma mistura explosiva que conduz os mais pobres de espírito ao caminho do assassínio e do martírio.

A predisposição beligerante dos credos, na obsessão hegemónica e monopolista que os desvaira, só pode ser travada com a submissão a um quadro legal inflexível que trate igualmente todas as religiões e que submeta ao código penal os crimes com motivações religiosas. A Constituição laica e o seu rigoroso respeito, sem concordatas ou outras tergiversações, é o antídoto para os desmandos cruéis que contagiam os países civilizados. É preciso debelar a infecção para evitar o regresso ao passado.

O ateísmo pretende um mundo de amplas liberdades, onde não se expurguem livros e não voltem a ser possíveis autos de fé; luta pela erradicação do esclavagismo e da xenofobia; exige a igualdade de direitos entre os sexos, que as religiões sempre negaram; crê na fraternidade humana e no êxito da luta contra a pobreza, o medo, a doença, a ignorância e a superstição.

O ateísmo aspira a que as religiões deixem de ser o instrumento de alienação dos povos, que cesse a sementeira de ódio entre as nações, que os escravos do Deus que herdaram dele se possam libertar sem perigo; ambiciona que seja erradicada a violência que os livros sagrados exaltam, para que os anátemas que lançam sejam desprezados e os castigos com que ameaçam se tornem risíveis.

O ateísmo assume, defende e promove, sem tibieza ou tergiversações, os princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Não foram os ateus que mataram Deus, foi ele que se suicidou, incapaz de renunciar à crueldade com que os homens o criaram e de conformar-se com a liberdade, o progresso e a modernidade. Tanto pior para o clero que vive à sua custa e ainda bem para os crentes que do mito se libertam.

Este nosso encontro destina-se ainda a achar a forma de combater o crescente poder da ICAR, em Portugal, graças a cumplicidades no aparelho de Estado, enquanto a sua influência vai minguando na sociedade.

Bem-vindos a Coimbra. 19/12/2004