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Dia: 8 de Dezembro, 2004

8 de Dezembro, 2004 Ricardo Alves

Refutando BSS (2)

Os argumentos de Boaventura Sousa Santos (BSS) favoráveis à existência de «Deus» são mais sofisticados e pomposos do que os de César das Neves e seus seguidores, mas são também, sem dúvida, mais irracionais do que os de um Tomás de Aquino. Atente-se na argumentação que se segue, retirada do célebre «Um discurso sobre as ciências».

«Hoje é possível ir muito além da mecânica quântica. Enquanto esta introduziu a consciência no acto do conhecimento, nós temos hoje de a introduzir no próprio objecto do conhecimento, sabendo que, com isso, a distinção sujeito/objecto sofrerá uma transformação radical. Num certo regresso ao pan-psiquismo leibniziano, começa hoje a reconhecer-se uma dimensão psíquica na natureza, “a mente mais ampla” de que fala Bateson, da qual a mente humana é apenas uma parte, uma mente imanente ao sistema social global e à ecologia planetária que alguns chamam Deus.»

Neste parágrafo, BSS joga com as palavras e confunde os registos à pior maneira pós-modernista, com o objectivo de tentar legitimar um argumento teísta a partir da mecânica quântica. Deve notar-se que a mecânica quântica (MQ), como descrição da realidade que é, implica tanto a consciência (humana ou animal) na natureza como a mecânica clássica ou a termodinâmica. BSS escreve, no entanto, como se o princípio da incerteza implicasse a «consciência» nos fenómenos quânticos, uma ideia que não se encontra nos manuais de física quântica mas sim em alguns maus livros de divulgação científica. BSS cita muito estes últimos, mas nenhum manual, o que denuncia a origem do seu equívoco.

Deve também assinalar-se que o «Deus» de BSS só tem de comum com o «Deus» da tradição judaico-cristã o nome. O de BSS não falou com Moisés no cimo do Sinai e não ressuscitou um pregador qualquer. Pelo contrário, está presente nas federações sindicais mundiais e no meio ambiente do nosso planeta (mas não no dos outros planetas?), quiçá mesmo nos calhaus e nos dejectos… Esta ideia é retomada no trecho seguinte.

«(…) Os conceitos de “mente imanente”, “mente mais ampla” e “mente colectiva” de Bateson e outros constituem notícias dispersas de que o outro foragido da ciência moderna, Deus, pode estar em vias de regressar. Regressará transfigurado, sem nada de divino senão o nosso desejo de harmonia e comunhão com tudo o que nos rodeia e que, vemos agora, é o mais íntimo de nós.»

Portanto, segundo BSS, «Deus» voltará (onde esteve entretanto, BSS não nos diz; mas que a ciência foi mazinha para «Ele», lá isso foi…). Sendo um «Deus» tão diferente do original (judaico/cristão/muçulmano), seria da mais elementar honestidade chamá-lo por outro nome. É que, ao contrário do que assumem os pós-modernistas, não se pode alterar o significado das palavras à medida das necessidades argumentativas, sob risco de acabarmos por não nos entender uns aos outros. E o «desejo de harmonia e comunhão» de BSS também pode ser satisfeito ouvindo música ou vendo um quadro, o que não faz de Wagner ou de Van Gogh «deuses». Quando muito, sê-lo-iam em sentido figurado, não no sentido tradicional e exacto do termo.

Refutando BSS (1)

8 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Nota pública

Foi hoje publicado no Público o artigo do Carlos sobre a eutanásia, já editado neste Diário.

8 de Dezembro, 2004 pfontela

A lei da blasfémia – a saga continua

Na última semana um dos mais curiosos projectos do governo inglês veio a público. Não de uma forma concreta e oficial mas mais como que um teste das águas da opinião pública.

O projecto de lei é nada mais nada menos que uma proibição de todo o tipo de blasfémia (ou seja, todo o tipo de descrição menos simpática e/ou elogiosa de qualquer crença religiosa). A opinião pública inglesa reagiu de forma negativa a uma medida que considera como uma clara violação do direito individual de livre expressão. O governo bem tenta vender a medida como uma panaceia para a intolerância religiosa mas nem isso parece funcionar.

Mas a reprovação não se ficou pela opinião pública, os partidos da oposição também se mostraram desfavoráveis, os conservadores linearmente opuseram-se e os liberais democratas têm sérias dúvidas sobre tais medidas.

A gota de água foi quando o actor Rowan Atkinson (o famoso Mr Bean e Blackadder) em conjunto com outros comediantes e com a National Secular Society vieram publicamente denunciar a medida pelo que ela é: ineficaz, abusiva e destruidora de direitos básicos de expressão e critica.

Como já mencionei, em comentários que fiz anteriormente, os extremistas religiosos estão a unir-se e a preparar-se para um verdadeiro assalto à sociedade europeia tal como a conhecemos (o fenómeno é especialmente visível no Reino Unido, talvez devido à proximidade cultural com os EUA). Desta vez o governo recuou, dizendo que a proibição não se aplica à comédia, mas ainda não se sabe bem ao que se aplicará, será que voltaremos ao tempo dos censores religiosos e das fogueiras? Não me parece provável que os defensores da ortodoxia religiosa sejam bem sucedidos neste primeiro assalto mas é preciso ter cuidado, estamos a lutar pela sobrevivência de um dos bens mais preciosos que temos, a sociedade secular.