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A Constituição europeia não é laica

Uma Constituição pode não fazer referência a «Deus» e, apesar disso, não só não separar as instituições políticas e as igrejas, como até prever a sua colaboração, ferindo decisivamente a laicidade. É esse o caso do tratado constitucional europeu.
A omissão de uma referência a «Deus» é sem dúvida positiva (conforme assinalado pela Mariana) mas o ruído gerado pela «querela do Preâmbulo» permitiu perder de vista algo mais fundamental: a ausência de uma disposição constitucional preconizando a separação entre as instituições da UE e as igrejas e comunidades religiosas, e a existência do artigo I-52º, que não apenas institui uma forma de colaboração permanente entre a UE e as igrejas, como também garante que os privilégios institucionais das igrejas (entre eles, as Concordatas) serão imunes à legislação comunitária e à própria Carta dos Direitos Fundamentais:
Artigo I-52.º: Estatuto das Igrejas e das organizações não confessionais

1. A União respeita e não afecta o estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as igrejas e associações ou comunidades religiosas nos Estados-Membros.

2. A União respeita igualmente o estatuto das organizações filosóficas e não confessionais.

3. Reconhecendo a sua identidade e o seu contributo específico, a União estabelecerá um diálogo aberto, transparente e regular com as referidas igrejas e organizações.
O lóbi da ICAR em Bruxelas (a COMECE, Comissão da Conferência dos Episcopados da União Europeia) exigira num documento datado de 21/5/2002 a inclusão deste texto no Tratado Constitucional, exigência essa reforçada por Karol Wojtyla na exortação apostólica Ecclesia in Europa (ler o parágrafo 114). O projecto de Constituição para a Europa dá portanto à ICAR o essencial daquilo que pediu: o respeito dos seus privilégios e a garantia de que será consultada institucionalmente sempre que a UE discutir leis que afectem a família, a bioética ou a contracepção. Não nos deve portanto espantar que a COMECE tenha emitido, a 31/10/2003, um comunicado triunfal em que declara que «os bispos europeus foram unânimes em acolher favoravelmente o projecto de constituição europeia». Faltou, evidentemente, uma referência ao cristianismo. Mas, que importância tem isso quando o preâmbulo nem tem valor jurídico?
Outro texto, mais desenvolvido: Laicidade e Constituição europeia (5/2004)