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Autor: lrodrigues

4 de Março, 2006 lrodrigues

A noção do ridículo

A reunião da Câmara Municipal de Cascais do próximo dia 6 de Março de 2006 adivinha-se, sem dúvida, muito animada e educativa.
De facto, a ilustre vereadora com a responsabilidade do pelouro da cultura, Ana Clara Justino (independente eleita pelo PSD), resolveu proporcionar ao executivo municipal uma lição sobre a Páscoa.

E já fez o trabalho de casa e tudo:
De acordo com a «Informação à Câmara» que já fez distribuir, a piedosa vereadora ensina-nos que «o cordeiro, a cruz, o pão e o vinho» são os símbolos que identificamos com a Páscoa.

E a lição continua:
«O cordeiro simboliza Cristo, sacrificado em prol do seu rebanho, a cruz mistifica todo o significado da Páscoa na ressurreição e no sofrimento de Cristo. O pão e o vinho oferecido aos seus discípulos, simbolizam a vida eterna, o corpo e o sangue de Jesus. Mas se perguntarmos a uma criança qual o símbolo que para ela mais se associa à Páscoa, facilmente adivinhamos a resposta: o ovo!»

E depois lá continua a dissertação, desta vez sobre os ovos na antiguidade, como podemos observar na imagem à direita.

(Clicar sobre a imagem para a ampliar, e de seguida sobre o ícone que aparecer no canto inferior direito).

Talvez não tenha ocorrido à senhora vereadora (isso teria sido para ela um ovo de Colombo) que o Estado português é laico por imposição constitucional.

A senhora vereadora esqueceu-se certamente que o cordeiro que ela toma como Deus ensinou há já dois milénios ao rebanho de que ela faz parte que «a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus».

E talvez a senhora vereadora não saiba que não lhe pagam um salário ao fim do mês, nem senhas de presença nas reuniões do executivo, nem lhe dão carro e motorista às ordens, para andar a espalhar a fé cristã pelo concelho.
Nem tem de andar a esbanjar os recursos financeiros da autarquia a evangelizar o munícipes.

Mas pior do que tudo, a senhora vereadora sabe muito bem que as crianças do concelho de Cascais não lhe fizeram mal nenhum, e não têm que ser martirizadas e sujeitas à tortura de ensinamentos iconoclastas e medievais, infligidas pelo próprio executivo da Câmara Municipal, que deveria ser o primeiro a respeitar o laicismo do Estado.

Mas, no fim, se virmos bem, há ainda outra coisa que falta à senhora vereadora:
A noção do ridículo!

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

1 de Março, 2006 lrodrigues

Ave Maria, cheia de graça

Tom Monaghan ficou mundialmente conhecido quando decidiu vender a cadeia de restaurantes de que era proprietário nos Estados Unidos, a célebre «Domino’s Pizza», pela bonita e simpática soma de mil milhões de dólares.
Aparentemente Tom Monaghan quis passar a ser o paradigma e o exemplo vivo do multimilionário que não sabe o que fazer ao dinheiro.

Mas como é um fervoroso e devoto católico, o bom do Tom Monaghan lá arranjou maneira de gastar uma boa parte da sua fortuna a investir no seu lugar no Céu, não vá o Diabo tecê-las quando chegar a altura de entregar a alma ao seu (dele) criador.

Segundo a «Newsweek», Tom Monaghan decidiu fundar uma cidade inteiramente nova que será localizada a sudoeste do estado americano da Florida.

O nome da cidade está já decidido e não podia ser mais apropriado aos objectivos que o beato milionário pretende atingir.
E já tem um site promocional na Internet e tudo!

A nova cidade terá o bonito e apropriado nome de… Ave Maria.

Será construída uma enorme catedral com mais de 30 metros de altura, e um crucifixo de 20 metros servirá de guia às 11.000 habitações cuja construção está projectada, e que só serão arrendadas ou vendidas a quem provar ser um bom católico.
Mas não é só a construção civil que já está planeada.
Também a peculiar forma como Tom Monaghan interpreta e difunde o catolicismo e os respectivos valores ultra-conservadores terá reflexo no modo de vida dos habitantes da futura cidade.
Aliás o pio milionário nunca escondeu que pretende investir o seu dinheiro “no mesmo sítio onde está a sua fé” e sempre disse:
«Acredito que toda a História não é mais do que uma gigantesca batalha entre o bem e o mal. E eu não quero ficar à margem».

Provavelmente por isso fez uma doação de muitos milhões de dólares à Igreja Católica da Nicarágua para a reconstrução da catedral de Manágua que tinha sido destruída por um terramoto, embora não tenha dado um cêntimo sequer para a reconstrução das casas de centenas de milhar de pessoas que viviam miseravelmente e que tinham ficado sem abrigo.

Decerto atormentado e, sem sombra de dúvida, psicologicamente traumatizado pelo seu passado, já que foi educado em orfanatos por freiras católicas, coitado, Tom Monaghan, agora com 68 anos de idade, há muito que pretende vender o seu fanatismo religioso.
Fundou estações de rádio, escolas, uma pequena universidade e até uma faculdade de direito católica de onde estão neste momento a sair os primeiros advogados, cuja devota formação inegavelmente promete vir a dar que falar.

A nova cidade será, assim, um exemplo de virtudes católicas.
Para já, as farmácias da cidade serão impedidas de vender preservativos ou quaisquer contraceptivos, e será completamente proibida qualquer forma de planeamento familiar.
O aborto estará absolutamente fora de questão, quaisquer que sejam as circunstâncias.
A venda de artigos que possam ser considerados pornográficos ou pecaminosos será proibida.
Os programas que serão difundidos nos canais de televisão por cabo disponíveis na cidade serão cuidadosamente escrutinados.
Serão construídas capelas por toda a cidade em sítios estrategicamente estudados, de forma a que todas as pessoas se possam deslocar facilmente a pé para ir à missa.
Apesar disso, na catedral serão rezadas missas de hora a hora, sete dias por semana.

Numa altura em que nos Estados Unidos os fundamentalistas católicos tudo têm feito para tentarem substituir o estudo da teoria da evolução de Darwin pelo “criacionismo” nas Universidades americanas, também não é difícil de prever que tipo de ensino será ministrado em Ave Maria.
Até porque pelo menos um quarto dos professores serão membros do clero católico, e o ensino terá obrigatoriamente como primeiro objectivo incentivar os jovens a tornarem-se padres ou freiras.
Também não é difícil de prever que livros existirão nas bibliotecas e como será o quotidiano da cidade.

Embora mais triste seja imaginar como serão educadas as suas crianças…

Neste tempo em que tanto se tem falado em fundamentalismo islâmico, é curioso como os fanatismos religiosos, mais burqa menos burqa, mais Ave Maria menos Ave Maria, são, afinal, todos iguais.
E como é irresistível para todas as crenças, sejam elas quais forem, a tentação de procurarem tornar o Estado dependente das religiões.
E como é cega a sua persistência em determinar a vida das outras pessoas de acordo com os seus cânones, professem elas ou não a mesma religião.

Esta cidade será, pois, um gigantesco monumento ao fundamentalismo e ao fanatismo religioso.

O próprio Papa Bento XVI em pessoa tem manifestado interesse por Ave Maria, inteirando-se sempre que pode do avanço da construção da nova cidade.
O que, convenhamos, não é nada de surpreender…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

19 de Fevereiro, 2006 lrodrigues

A Profanação do Cadáver

Código Penal Português:

Artigo 254º
(Profanação de cadáver ou de lugar fúnebre)
Quem:
b) Profanar cadáver ou parte dele, ou cinzas de pessoa falecida, praticando actos ofensivos do respeito devido aos mortos; ou
c) Profanar lugar onde repousa pessoa falecida ou monumento aí erigido em sua memória, praticando actos ofensivos do respeito devido aos mortos;
é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

Por iniciativa da Santa Madre Igreja e, não fosse o Diabo tecê-las, sob forte escolta policial (obviamente paga pelo Estado), e ainda com a complacência do Ministério Público, o cadáver de Maria Lúcia de Jesus e do Imaculado Coração de Maria foi hoje profanado.
Arrancado ao túmulo instalado provisoriamente num convento (com a complacente situação de excepção que o Estado e as autoridades públicas portuguesas persistem em conceder aos bons católicos e aos seus cadáveres), o corpo da Irmã Lúcia foi transportado para o Santuário de Fátima onde repousará agora, e até ver, definitivamente.

O macabro transporte foi acompanhado no seu trajecto por intermináveis reportagens em directo de todas as estações de televisão, embora quase sempre com imagens idênticas.
Mas todas com comentários mais ou menos idiotas e proferidos em voz sussurrada e em tom de abjecto auto-amesquinhamento e de uma cautelosa submissão, não se sabe bem a quê.

Ao longo do trajecto viam-se inúmeras pessoas, todas ansiosas por um relance do santo caixão e até, quem sabe, na ânsia de que uma pequena snifadela aos gazes da decomposição do corpo do santo cadáver lhes pudesse proporcionar uma overdose de santidade que lhes garantisse a remissão de secretos e inconfessáveis pecados, e lhes franqueasse milagrosamente as portas do Reino dos Céus.

Foram rezadas missas e entoados cânticos, tudo, e como de costume, em tom circunspecto, respeitoso e muito humilde.
Assim como se os fiéis estivessem a cumprir uma espécie de divina necessidade de louvor e glorificação, que lhes exige uma permanente pose de submissão canina.

Tendo como único crime praticado a sua pacóvia simplicidade, a Irmã Lúcia foi, ainda em criança e sem qualquer hipótese de recurso, impiedosamente condenada a prisão perpétua pela Igreja Católica.
Não fosse alguém duvidar dos critérios da mãe de Deus na escolha de três crianças alimentadas a sopas de cavalo cansado para transmitir uma mensagem à Humanidade, durante uma vida humana desperdiçada por uma clausura que durou 87 anos, a Irmã Lúcia só foi exibida fugazmente a intervalos estudadamente regulares.

Foi uma vida humana sacrificada a meros objectivos publicitários e promocionais de uma gigantesca fraude, que até, e antes de mais, começa por ser insultuosa para a inteligência e até para a fé dos próprios católicos.

Usada em vida, a irmã Lúcia continua agora a ser usada, sem qualquer vergonha ou pudor, mesmo depois de morta.
E tudo por mais, mas muito mais, do que 30 dinheiros…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

17 de Fevereiro, 2006 lrodrigues

Em Boa Companhia

Nestes tempos muito se tem falado de fundamentalismo islâmico, principalmente a propósito das fanáticas reacções a que temos assistido à publicação das caricaturas de Maomé, e no que isso pode perigar o Estado de Direito e o modo de vida ocidental que tantos séculos nos custou a conquistar.

E com toda a razão, diga-se desde já, muito também se tem comentado como o fundamentalismo islâmico está já a pôr em causa não só o direito à liberdade de expressão, mas também outros direitos igualmente fundamentais à nossa vida em Democracia.

Isto mesmo que não levemos em consideração o comunicado do Vaticano, difundido no passado dia 5 de Fevereiro, que considerava que o direito à liberdade de expressão consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem não deveria prevalecer sobre os sentimentos religiosos dos crentes, qualquer que fosse a sua religião.

Por isso, talvez fosse uma boa ocasião para não perder de vista outras manifestações de fanatismo religioso a que continuamos a assistir por esse mundo fora.

Como é, por exemplo, o caso de um juiz italiano, decerto um homem de fé e um bom e fervoroso católico que, contra a vontade de uma mãe indignada, decidiu manter um crucifixo numa sala de aula de uma escola pública.
Porque, considerou o meritíssimo, presumo que sem se rir, «um crucifixo é idóneo para expressar o elevado fundamento dos valores civis que, embora tenham origem religiosa, são também os valores que delineiam o laicismo no actual ordenamento do Estado».

De outro canto do mundo chega-nos a notícia de que a tenebrosa organização católica que dá pelo nome de Opus Dei declarou que não tinha qualquer intenção de apelar a um boicote ao filme «O Código da Vinci», inspirado na obra de Dan Brown, cuja estreia está prevista para Maio próximo.

Mas, contudo, ao mesmo tempo apelou a que o filme ainda pudesse ser “alterado” de forma a não conter referências capazes de ferir a sensibilidade dos frágeis espíritos católicos.

Mas para que o alcance deste «apelo» ficasse claramente entendido por todos, a Opus Dei declarou expressamente, e para que não houvesse equívocos, que a produtora do filme, a ?Sony Pictures?, ainda tinha tempo de proceder às alterações pretendidas, uma vez que estas seriam ?apreciadas? pelos católicos «particularmente nestes dias em que todos já sentiram as dolorosas consequências da intolerância».

A mensagem não podia ser mais clara!

Não há qualquer dúvida:
O fundamentalismo islâmico, de que tanto se tem falado ultimamente e que tanto põe em causa a Democracia Ocidental, continua, ainda nos dias de hoje, a andar na boa companhia do fundamentalismo católico!

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»).

9 de Fevereiro, 2006 lrodrigues

A Opção

A gerência do «Carrefour» decidiu colocar este aviso no seu hipermercado do Cairo:


«Caros Clientes:
Expressamos a nossa solidariedade com a comunidade egípcia e islâmica.
O Carrefour não vende produtos dinamarqueses».

Como é óbvio, a gerência dos hipermercados Carrefour é perfeitamente livre de fazer as opções e as escolhas que muito bem entender: comerciais e ideológicas.

E eu também:
A partir de hoje nunca mais na minha vida entrarei num hipermercado Carrefour.

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

17 de Janeiro, 2006 lrodrigues

As Duas Metades

Segundo a «Reuters», um estudo de um sexólogo italiano descobriu que os casais que possuem um aparelho de televisão no quarto de dormir têm relações sexuais com metade da frequência que os casais que não o têm.

Segundo consta, mal foi divulgada esta notícia o Vaticano (onde, como é sabido, se encontram os mais reputados especialistas em sexologia do mundo) decidiu aconselhar todos os padres, bispos, cardeais e até o próprio Papa, a colocar nos seus quartos de dormir dois aparelhos de televisão:

O primeiro destina-se a eliminar metade do desejo sexual dos ilustres clérigos; o outro aparelho serve para eliminar a segunda metade…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

12 de Janeiro, 2006 lrodrigues

Mais vale Prevenir…

Segundo o «Detroit Free Press», o bispo auxiliar de Detroit, Thomas Gumbleton, de 75 anos, pôs a sua congregação em alvoroço quando admitiu ter ele próprio em criança sido vítima de abusos sexuais por parte de um padre.

Como se não bastasse já para a confusão criada, o bispo ainda propôs a revogação da lei que impede que as vítimas possam processar a Igreja Católica nos casos mais antigos de violações praticadas por membros do clero católico.
O bispo Gumbleton considera que muitos desses abusadores não prestaram ainda contas dos seus actos, e que os mesmos deviam ser denunciados publicamente.
Mas desde logo as autoridades eclesiásticas americanas e a «Conferência dos Bispos Católicos», reunida em Washington, D.C., rejeitaram peremptoriamente tal ideia, preferindo manter a actual lei.

Não fosse o diabo tecê-las!…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

6 de Janeiro, 2006 lrodrigues

Com a boca na botija

Segundo a Associated Press, Lonnie Lathan um pastor baptista e membro do comité executivo da «Convenção Baptista do Sul», a maior Igreja Protestante dos Estados Unidos, foi preso em Oklahoma City sob a acusação de «lascívia» por ter sido apanhado em flagrante a propor a um polícia à paisana que fosse com ele para um quarto de hotel para lhe fazer sexo oral.

Quando foi libertado o bom do reverendo declarou que tinha sido apanhado numa cilada já que se encontrava no local somente a… pregar.
Isto apesar de o local ser conhecido por ser frequentado por prostitutos masculinos.

O reverendo Lonnie Lathan tornou-se conhecido pelo vigor com que não só se manifestou contra a homossexualidade e contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo mas também pelo apoio à política da sua Igreja de tentar convencer os homossexuais «a aceitarem Jesus Cristo como seu salvador e a rejeitar o seu estilo de vida destrutivo e de pecado» para assim se tornarem heterossexuais.

Confesso que sempre achei curioso e ao mesmo tempo difícil de compreender o entusiasmo fanático com que tantas pessoas, principalmente padres, pastores e similares, se proclamam contra os homossexuais e contra a sua luta por uma simples igualdade de direitos na sociedade.

Talvez, quem sabe, esteja aqui a explicação…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)