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Mês: Janeiro 2008

18 de Janeiro, 2008 Carlos Esperança

A vida de José. Crónica piedosa

Naquele tempo, em Nazaré, aparava tábuas um carpinteiro, com delongas, que a crise da construção civil estava para durar. A cidade regurgitava de taumaturgos, pregadores, profetas e mendigos, que os tempos eram difíceis e urgia fazer pela vida.

José, na pacatez de quem se habituara a esperar pelas encomendas, ruminava o desgosto da miséria em que caíra, descendente que lhe diziam ser do rei Salomão, personalidade que ficava bem em todas as árvores genealógicas mas não mitigava a fome a ninguém.

Às vezes soía o carpinteiro abandonar as alfaias do ofício e entrar sorrateiramente em casa para solicitar à mulher o cumprimento das obrigações matrimoniais. Demovia-o ela por mor da enxaqueca que a apoquentava, da dor de dentes que lhe provocava a cárie do segundo molar ou do estado de impureza que invocava. E lá voltava o carpinteiro para o ócio da oficina que as encomendas tardavam em chegar e era inútil a faina.

Quando um dia esperava a compreensão da mulher ouviu dela o anúncio da gravidez, um milagre que a própria não sabia explicar e que ele aceitou mal, apesar da conversa que a casta esposa tivera com o anjo que trazia o correio do Paraíso, de nome Gabriel, e que tanto anunciava uma gravidez a uma virgem, mulher de um carpinteiro judeu, como ditaria em árabe, séculos depois, a vontade de Deus a um rude condutor de camelos.

E o José, na sua infinita paciência e melancolia, ensimesmado, refugiava-se na oficina, e pensava na vida. Um dia poisou-lhe nas tábuas por aparar uma pomba. Pegou num martelo e atirou-lho com tal força e pontaria que a pomba, a sangrar do bico, logo se finou.

Chegou o anjo Gabriel, furioso como nunca se vira, a abanar as asas e a levantar poeira, a avançar irado para o carpinteiro. Este, calmo e decidido, impediu o anjo de falar.

– Não te metas na minha vida, são contas velhas.

18 de Janeiro, 2008 Ricardo Alves

«Vida espiritual»

«Vida espiritual» é só um nome pretensioso para a actividade cerebral.

Aos religiosos que argumentam que os pensamentos de cada um de nós são mais do que função da matéria que nos constitui, gostaria de perguntar qual foi o primeiro animal que teve «vida espiritual» (ou «alma», já agora). Foi o nosso antepassado comum com os chimpanzés e os orangotangos? Foi o Neanderthal? Começámos a pensar de modo diferente com o Neolítico? Antes? Depois? Quando?

17 de Janeiro, 2008 Carlos Esperança

O Papa, este papa…

Regresso à não visita do Papa, deste papa, à Universidade de La Sapienza, em Roma, como aqui foi referido pelo Ricardo Carvalho.

O Papa, este papa, impedido de fazer a conferência para que havia sido convidado pelo reitor de uma das mais prestigiadas Universidades italianas, sentiu a vergonha mas não sentiu na pele o que é a repressão a que a sua Igreja se acostumou.

O Papa, este Papa, que se dá mal com as citações, e dar-se-ia pior se citasse algumas passagens bíblicas, não foi coagido na liberdade de expressão pois tem todos os meios de comunicação a que a corte de súbditos e a sua influência política abrem as portas.

O Papa, este papa, sente-se justamente humilhado por ter sido afastado de um púlpito laico por motivos de higiene e para o fazer perceber, a ele e ao reitor que o convidou, que quem não respeita a liberdade deve ser privado dela nem que seja, como foi o caso, de forma simbólica.

Bento 16 nunca defendeu a liberdade de expressão e a única liberdade a que tem sido fiel é à de poder calar os adversários.

O Papa, este papa, era o prefeito do ex-Santo Ofício, quando o Vaticano, o arcebispo de Cantuária e o rabino supremo de Israel tomaram uma posição favorável ao aiatola que condenou Salmon Rushdie, na sequência da publicação de «Os Versículos Satânicos».

O Papa, este papa, esteve ao lado do odioso carrasco contra a vítima, contra o direito à apostasia, contra a liberdade de expressão, sem se insurgir contra a pena de morte.

O Papa, este papa, foi o ideólogo do seu antecessor JP2, que anatematizou os ateus, combateu o laicismo, silenciou teólogos, beatificou fascistas, actividades que agora prossegue, sem desfalecimento, por conta própria.

Quem pactuou com o seu antecessor na excomunhão do teólogo do Sri Lanka, Tyssa Balasuriya, por ter posto em causa a virgindade de Maria e defendido a ordenação de mulheres; na perseguição ou redução ao silêncio de Bernard Häring, Hans Küng, Leonardo Boff, Alessandro Zanotelli e Jacques Gaillot; na marginalização de Hélder da Câmara e Oscar Romero e no apoio às ditaduras fascistas, não é digno de ser escutado por quem preserva a liberdade.

Eis a mensagem que professores e alunos da Universidade de La Sapienza lhe enviaram.

17 de Janeiro, 2008 Ricardo Silvestre

and the winner is…

Lembram-se de certeza dos Prémios “Má Fé” da Revista New Humanist com um conjunto badfaithlogo.jpgde facínoras e charlatães, que poluem o oxigénio que respiramos.

Depois de uma votação interessante, ganhou o infame reconhecimento de “o maior inimigo da racionalidade”… Dinesh D’Souza. Parabéns, atrasado mental.

Dinesh é um católico conservador, que entre pérolas de sabedoria, disse que o 11 de Setembro tinha sido causado pela “esquerda cultural” uma vez que tinha “desenvolvido uma cultura Americana decadente que ofende e descrimina as sociedades tradicionais”. O Falwell deve ter achado o Dinesh um visionário.

Para terminar, deixo uma frase desta luminária.

“A tribo secular é feita de pessoas que não tem a certeza de saber o porque de existirem de todo. A tribo religiosa é composta por indivíduos que acreditam que tudo o que pensam e fazem é consequencial. A tribo secular é composta de matéria que nem consegue explicar sequer como é capaz de pensar.”

17 de Janeiro, 2008 Ricardo Alves

O agnosticismo superficial

Há um certo agnosticismo superficial que os crentes tentam, por vezes, invocar a seu favor. Parte da premissa de que «a ciência não pode refutar a existência de Deus», se esse «Deus» encolher para dimensões deístas (iniciou o universo e remeteu-se à inactividade) ou ainda menores (existe fora de um universo que não criou mas que observa sem fazer nada). Tendo lidado com a contradição entre ciência e teologia dessa forma superficial, alguns crentes partem depois para uma defesa dos dogmas das religiões reveladas, ou, quando é a política que lhes interessa, para uma defesa dos valores morais mais ou menos reaccionários das igrejas tradicionais.

Acontece que da premissa de que a ciência tenha dificuldade em dizer algo sobre um «Deus» situado fora do universo não se segue, em primeiro lugar, que a religião tenha algo de válido a dizer sobre essa mesma hipótese. Em segundo lugar, ao agnosticismo face a um «Deus» indetectável deveria seguir-se uma equidistância face às diversas religiões com ele compatíveis, e até a oposição às religiões que se acham «reveladas» (para nada dizer dos respectivos valores morais).

No entanto, deve sublinhar-se que se os humanos criadores das diversas religiões reveladas tivessem inventado deuses meramente ausentes, e tranquilamente exteriores ao universo, jamais teriam tido sucesso. Esses deuses nunca teriam garantido as formas de relação com os falecidos que constituem o apelo maior comum a tantas religiões, ou os argumentos de autoridade que permitiram aos sacerdotes aliar-se aos poderes políticos. A crença no «Deus» ausente, no fundo, só serve mesmo para fins de credibilidade filosófica.

16 de Janeiro, 2008 Helder Sanches

Adeus, querido diário

Há exactamente 11 meses, estreei-me no Diário Ateísta, estabelecendo para mim próprio alguns objectivos para a minha colaboração naquele que considero ser um dos mais importantes meios de divulgação do ateísmo em português.

Por diversas razões, optei por cessar a minha colaboração com o DA a partir de hoje. Espero não ter desiludido nem os meus colegas de equipa, nem, principalmente, os leitores deste espaço. A estes últimos, em particular e sem excepção, quero agradecer os comentários a todos os meus artigos, comentários esses que muitas vezes me ajudaram a reflectir mais profundamente sobre as minhas próprias ideias. Aos meus colegas do DA, agradeço todo o apoio que sempre me deram e toda a solidariedade editorial de que sempre beneficiei.

Um grande abraço para todos. Muito obrigado.

16 de Janeiro, 2008 Ricardo Silvestre

cavalo de Tróia

A Constituição dos Estados Unidos da América tem na sua primeira emenda a seguinte frase: “O Congresso tj3.JPGnão pode emitir leis respeitantes ao estabelecimento de religião, ou que proíbam o seu livre exercício”. No primeiro dia de Janeiro de 1802, Thomas Jefferson escrevia à Associação Baptista de Danbury, CT, onde assegurava esta congregação (que alias estava a ser perseguida…por outra congregação, neste caso, Protestante) que “existiria um muro entre o Estado e as Igrejas”.

Ao longo dos tempos, os fanáticos religiosos daquele país tem lutado contra esta emenda, tentado tornar os USA numa “nação cristã”. As diferentes denominações parecem não ser um problema, apesar da gentalha ser da mais diversa, mormons, baptistas, protestantes, católicos e outros grupelhos. Estas hordas querem é só um resultado, “in God we trust” deixar de ser uma frase nas notas e moedas, e passar a ser o cabeçalho da Constituição. 

Mas apesar de todas as tentativas, os secularistas sempre conseguiram defender essa emenda, e fazer com que os US não resvalem para o precipício.

Well, not anymore. O “cavalo de Tróia” está bem lançado. Vejam aqui. 

Para quem é menos versado em Inglês, o que Huckabee disse em campanha no Michigan foi: “Eu tenho adversários políticos que não querem mudar a Constituição. Mas eu acredito que é mais fácil mudar a Constituição do que mudar a palavra de Deus. E é isso que precisamos fazer – fazer uma emenda na Constituição para que esta esteja de acordo com os padrões de Deus, do que tentar mudar os padrões d’Ele para acomodar  visões contemporâneas.” 

Para além deste atrasado mental estar errado, o problema maior é este teocrata ser o candidato que lidera nas intenções de voto dos republicanos para as eleições deste ano!! 

Os Talibans podem sorrir de satisfeitos. Estão a um passo de tornar a América naquilo que eles são. 

16 de Janeiro, 2008 Carlos Esperança

Factos & documentos. Padres-curandeiros

JORNAL “LINHA GERAL” (LEIRIA), N.º 38, DE 21-07-1932 (Página 1)

«Vários casos interessantes nos relatam dia a dia os jornais, dando-nos a impressão de estarmos vivendo em pleno século XVIII ou pouco menos.
«Conta o nosso camarada Gazeta de Torres que uma infeliz louca de nome Maria Luísa, de Vilar, concelho do Cadaval, tem sido tratada pelo padre da freguesia, que lhe vem aplicando benzeduras, ou lá o que é, para lhe tirar do corpo o mafarrico, explorando a crendice duns, a ignorância de outros e a inocência de poucos, para tirar disso o proveito que julga necessário para si e para a religião que diz servir.
«Também o nosso camarada Diário Litoral diz que na freguesia de Vera Cruz, concelho de Portel, outro santo padre se dedica ao mister de curandeiro, para afugentar o diabo do corpo duma filha de Miguel Ralo, do lugar da Amareleja, também enlouquecida. O tratamento aplicado, neste caso, consistiu em orações, missas e… uma sóva de chicóte aplicada na infeliz, a qual, já se vê, produziu os resultados de esperar… Loucura incurável, e mais, algumas equimoses.
«Sempre os mesmos, estes santos varões.»

Leiria, 11 de Julho de 2006 – (In Arquivo Distrital de Leiria). Enviado por MM

15 de Janeiro, 2008 ricardo s carvalho

o princípio do fim?

«[…] A visita do Papa à Universidade de La Sapienza, em Roma, foi cancelada pelo Vaticano devido a protestos de professores e alunos que acusaram Ratzinger de “reaccionário” e “obscurantista”. […]

Esta é a primeira vez que o Papa cancela uma visita devido a protestos, desde que iniciou o seu mandato em 2005. A agitação começou quando sessenta e sete mestres da Universidade La Sapienza argumentaram, em texto divulgado, que o Pontífice é “reacionário” e “obscurantista” em assuntos científicos, referindo-se a um discurso de 1990 no qual o então cardeal Joseph Ratzinger citou o filósofo Feyerabend para dizer que “o veredicto contra Galileu foi racional e justo”.

Os estudantes também se associaram ao protesto, reclamando a laicidade da ciência, recusando preconceitos como a homofobia e acusando o vaticano de “querer invadir todo o espaço político e social”. […]»

(via Esquerda.Net)

15 de Janeiro, 2008 Carlos Esperança

Reconciliação entre fascistas desavindos

Seis meses depois da publicação do “Motu Proprio” sobre a liturgia romana anterior à reforma de 1970, “Summorum Pontificum”, em que Bento XVI aprova a utilização universal do Missal promulgado pelo Beato João XXIII em 1962, a Santa Sé fala de reconciliação com os católicos que colocaram objecções às reformas litúrgicas do Concílio Vaticano II.

Pergunta O arcebispo Marcel Lefebvre, excomungado por JP2, domiciliado no Inferno, arranjará transporte para o Paraíso?