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Dia: 7 de Agosto, 2006

7 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

Madonna e a cruz

Quando várias empresas se conluiam para concertar preços e sabotar a concorrência, o crime é punido por instituições públicas que têm por fim impedir distorções ao mercado, facilitar a entrada de novos fornecedores e defender os interesses dos consumidores.

Nem os liberais mais exaltados condenam a aplicação de coimas e outras sanções penais que garantam a concorrência honesta. Foram, aliás, condenadas, há pouco, empresas que combinavam entre si os preços de medicamentos.

Mais danosas do que as empresas farmacêuticas são as transnacionais da fé que vendem mezinhas para salvação da alma.

A crucificação encenada por Madonna levou clérigos católicos, muçulmanos e islâmicos a unirem-se nos protestos e uivarem em uníssono contra a opção estética da cantora.

A cruz é um antigo instrumento de tortura que sacrificou homens e mulheres. Abundam pinturas e esculturas que documentam o sofrimento feminino. A suposta crucificação de Cristo não confere ao cristianismo o monopólio do logótipo nas coreografias litúrgicas.

Os cristãos exploram com a cruz o negócio da fé, exibindo o sofrimento do seu Deus, e tentam apropriar-se do símbolo, em exclusivo.

Sempre que a liberdade possa ser posta em causa, solidarizam-se as religiões do livro. É a vocação totalitária a unir três credos que se odeiam entre si.

Se as democracias tolerarem as prepotências clericais, hoje a cruz não pode ser usada em coreografia profana, amanhã não pode servir de cabide a um casaco para evitar os vincos, depois proíbem-se as contar de somar e, finalmente, a santidade torna-se obrigatória.

É preciso conter os loucos e fanáticos que pretendem crucificar a liberdade.

7 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Impunidade em nome de Deus II

Há uns tempos, a propósito de mais um caso de pedofilia no seio de uma igreja cristã, um dos nossos devotos leitores, próximo do Comunhão e Libertação, acusava-me de querer minar o celibato da Igreja Católica com os meus posts sobre abuso sexual perpetrado por membros do clero cristão. Na realidade, pessoalmente considero que o celibato, embora contra natura, não é o problema principal subjacente. O problema é o poder absoluto que corrompe absolutamente, é o sentimento de impunidade que as religiões conferem.

Os membros mais vulneráveis de uma igreja são vítimas frequentes da ganância, manipulação e ou depravação sexual do respectivo pastor. Pastor, que se sente impune para praticar estes crimes já que se considera representante na Terra de um poder supremo, mandatário de uma autoridade «divina», acima das leis dos homens.

Como é indicado no artigo sobre o reverendo King, defendo que o estado deve garantir a liberdade de religião dos seus cidadãos mas por outro lado não pode demitir-se da responsabilidade de os proteger das predações religiosas. Liberdade religiosa não é impunidade religiosa, as igrejas devem estar sujeitas às leis do respectivo país. A linha sobre o que é liberdade religiosa e o que é criminalidade religiosa deve ser bem demarcada. E as actividades da religião devem ser vigiadas para que os cidadãos não sejam vítimas da sua própria credulidade e da manipulação por gente mal formada. Não há leis «divinas», os que pretendem falar em nome de um qualquer Deus deviam estar sujeitos às mesmas leis dos restantes cidadãos!

A promessa e encenação de milagres sortidos, como é o modo de operação por exemplo da IURD ou da Igreja Maná, deveria ser considerada publicidade enganosa e como tal proibida. Não há nem nunca houve qualquer tipo de «milagres»!

De igual forma a instigação ao ódio, seja ele ao ódio contra minorias sexuais ou ao ódio contra os infiéis, ateus ou os que não seguem os preceitos do livro «sagrado», seja este livro a Bíblia, o Corão ou outra qualquer colecção dos dislates de um alucinado, deveria ser criminalizada. Os púlpitos não podem ser utilizados para uma dada religião impor as respectivas aberrações a todos!

Em relação ao abuso sexual de fiéis por parte de membros do clero, nomeadamente católico, a igreja deveria ser obrigada a denunciar às autoridades todos os casos de que tivesse conhecimento. A prática corrente de encobrimento a todo o custo da pedofilia em particular, traduzida num documento do actual Papa, debitado em 2001 ainda como Cardeal Ratzinger, que ordenou ficarem em segredo pontifício todos os casos de abuso sexual de menores por parte de sacerdotes católicos, deveria constituir um crime público!

Se, como na homília de hoje do cavaleiro da pérola redonda, J.C. das Neves, que reconhece os muitos crimes cometidos pela Igreja ao longo dos tempos, «o maior mal-entendido da História» é não perceber que a Igreja é «o único abrigo dos maus», algo de que nunca tive quaisquer dúvidas, porque razão persiste a Igreja em armar-se em depositória da «verdade absoluta», em guardiã intransigente da «moral e bons costumes» e acima das leis dos homens?

Porque será que persiste em achar legítimo que os crimes cometidos em nome de Deus só por Deus podem ser julgados e devem ser perdoados enquanto, por exemplo no caso do aborto, considerado um «crime» pior que a pedofilia, exige que se mande para a cadeia as mulheres que decidam por interromper uma gravidez, mesmo no caso de aborto terapêutico em que a vida da mulher (ou criança) corre risco?

Não é relativismo, não é criar um sentimento de impunidade inadmissível afirmar que mesmo os mais «horríveis pecadores» serão perdoados e até conduzidos «à glória, logo que se convertam»? Porque razão um crente deve ser perdoado e um não crente castigado? Que comportamento ético podemos esperar dos seguidores de uma religião que assenta nestes pressupostos?

7 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Impunidade em nome de Deus

O reverendo Emeka Ezeuko King, da Christian Praying Assembly (CPA) em Lagos, Nigéria, foi acusado pelo ministério público local de conspiração e assassínio depois de ter ateado fogo em 7 dos seus fiéis. Uma das vítimas, Ann Uzoh, não resistiu ao tratamento de choque do devoto pastor, que se autointitulava o Cristo dos nossos dias, para obrigar os pecadores a confessar o «crime» de imoralidade sexual.

De acordo com as testemunhas, no fatídico dia, 22 de Julho passado, o reverendo King primeiro tentou arrancar-lhes a confissão de tão imoral e anti-cristã conduta a golpes de uma barra metálica. Depois, com a colaboração da reverenda irmã Kelechi, igualmente em custódia policial, aspergiu os pecadores com gasolina e deitou-lhes fogo.

King é um líder religioso carismático, o Jesu Oyingbo, que prometia milagres tais como «inoculação espiritual» contra o HIV/SIDA, cancro e todas as doenças relacionadas com sangue. Aparentemente «inoculava» de forma mais carnal as mulheres da sua congregação, mesmo as casadas.

O abuso sexual dos fiéis, sejam eles adultos ou crianças, é, como já escrevi inúmeras vezes, recorrente no clero cristão. Mais um exemplo chega-nos dos Estados Unidos, em que o bispo Terry Hornbuckle está a ser julgado por violação de 3 mulheres da sua congregação. Uma dessas mulheres foi violada por Hornbuckle na sequência de um encontro privado em que este pretendia dissuadi-la de comportamentos «contrários à lei da Igreja», já que tinham chegado ao «moralista» pastor rumores de que a mulher em causa era homossexual.

Os dois casos têm em comum o facto de os clérigos envolvidos serem «estrelas» (cadentes) no panorama religioso local, com frequentes aparições nos media dos respectivos países e a sua popularidade de certa forma lhes ter concedido um sentimento de impunidade, nomeadamente no que diz respeito à imposição nas congregações respectivas da sua visão aberrante de (i)moralidade sexual.