Quem se compraz com estes oxímoros, fá-lo por se sentir encurralado. Como não temos religião alguma, não podem acusar-nos de seguir a religião errada, e por isso preferem renunciar ao rigor conceptual e proclamar que não ter religião é uma religião. Não compreendem que é um perfeito absurdo chamar fé à ausência de fé, como é outro disparate dizer que rejeitar a tradição é uma tradição, ou que a saúde é uma doença.
O pontificado de B16 ficará na história pela intolerância, intransigência doutrinária e conservadorismo teológico. A fraterna e entusiástica recepção aos excomungados fiéis da Sociedade S. Pio X (SSPX), filhos pródigos de pendor fascista e anti-semita, é a marca de água de um frio pontífice fascinado pelo poder absoluto.
B16 é demasiado inteligente e arguto para acreditar na existência de Deus, na verdade dos evangelhos ou no negócio dos milagres, mas sabe que a multinacional da fé a cujos destinos preside só sobrevive com mão de ferro e inflexibilidade ideológica.
Sagra bispos e cria cardeais de acordo com a intransigência intelectual e o proselitismo de que deram provas; fabrica santos e beatos segundo as necessidades do mercado e os interesses das sucursais que esportulam os devidos emolumentos.
O apego de B16 ao Opus Dei, Comunhão e Libertação, Legionários de Cristo, SSPX e outras seitas prosélitas de pendor fortemente reaccionário, é uma estratégia de combate ao islão, ao laicismo e ao ateísmo. O que fascina B16, é a liderança do obscurantismo e a hegemonia no mercado da fé.
Engana-se quem julga B16 um clérigo arcaico, deslumbrado pelo fausto e mordomias da cadeira de Pedro, como acontecia com o supersticioso antecessor. Este é muito mais sofisticado e melhor estratego. Usa a influência e dinheiro das ordens e movimentos que dirige e dos políticos que infiltra nos Estados.
A ICAR abomina a democracia. O ódio de Pio IX consta da matriz genética dos seus sucessores. B16 recusa a liberdade individual em nome da vontade do Deus de que se diz intérprete. A ordem e a autoridade são valores a que apela com o zelo dos fanáticos e a crueldade dos algozes.
B16 abomina todas as liberdades: desde a liberdade de expressão à liberdade religiosa ou da descrença, do livre-pensamento ao direito de crítica, da prática da sexualidade sem fins procriativos à eutanásia. B16 e os seus sequazes só apreciam regimes políticos que se submetam às sotainas e acolham os ditames dessa obscura ditadura sediada num bairro de Roma mal frequentado – o Vaticano.
Estátua de Giordano Bruno no Campo dei Fiori (Roma) erigida no local onde este foi queimado vivo pela Igreja Católica em 17 de Fevereiro de 1600. A partir de 1603, todo o trabalho de Bruno desapareceu sob ameaça da Igreja, que proibiu que as teorias avançadas pelo herético ateísta Bruno fossem sequer mencionadas. O trabalho de Bruno apenas voltou a ser citado um século depois por outro «herege», Newton. A ICAR ainda hoje recusa o trabalho de Bruno, por cujo assassinato nunca pediu desculpas, e o seu carrasco, o cardeal Bellarmino, foi canonizado em 29 de Junho de 1930.
A Igreja Católica, que nunca excomungou Hitler, que morreu católico, cujos representantes afirmam sem pudor que um aborto é equivalente aos ataques por bombistas suicidas, e assim excomunga liberalmente mulheres, quaisquer que sejam os motivos para o aborto, mesmo salvar a vida da gestante e mesmo que essa gestante tenha 8 anos (neste caso são os pais os excomungados), quer agora que sejam excomungados os cientistas que trabalham com células estaminais!
De facto, o cardeal Alfonso Lopez Trujillo, responsável pelo Conselho Pontifical da Família, o tal que diz que o HIV é suficientemente pequeno para passar através dos preservativos, afirmou a uma revista oficial do Vaticano, a Famiglia Cristiana, numa entrevista publicada na quinta-feira, que os cientistas que trabalham com células estaminais devem ser excomungados, da mesma forma que as mulheres que abortam e os médicos que as auxiliam.
O cardeal Trujillo pretende ainda que a excomunhão latae senentiae, isto é automática, seja estendida aos políticos que aprovem leis permitindo a investigação em células estaminais.
Numa altura em que a revista Nature torna acessível a todos o Stem Cell Insight para que os interessados neste campo fascinante de investigação possam apreciar os progressos nesta área emergente e as possibilidades que oferecem no tratamento de diabetes juvenil e deficiências imunológicas congénitas, desordens neuronais, cancro ou mesmo o envelhecimento, para além de permitirem a regeneração de tecidos para condições como ferimentos na coluna dorsal, etc., o Vaticano volta a demonstrar que a condenação de Galileu, Giordano Bruno e muitos mais cientistas não foi em «erro», é a imagem de marca de uma Igreja obscurantista e prepotente, completamente desligada da modernidade, a que se opõe ferozmente.
Não ficou claro se esta deve ser considerada a posição oficial da Igreja mas, conhecendo o pensamento sobre o tema de um papa que já criticou os «ateus» cientistas, que enquanto Ratzinger considerou pecaminosa qualquer manipulação genética, incluindo a clonagem terapêutica (quer usando células estaminais embrionárias quer adultas) e sabendo ainda que Bento XVI já tinha declarado que uma das prioridades do seu papado seria exactamente este tema, não é difícil prever que o será dentro em breve!
Há mais de um ano escrevi «este novo Papa considera que se uma célula adulta é alterada para se tornar totipotente (ou estaminal) então deve ser considerada um embrião. Ou seja, é expectável que brevemente pretenda proibir, na boa tradição inquisitorial a que já nos habituou, a investigação em células estaminais, embrionárias ou adultas, e todas as terapias envolvendo estas células, que serão certamente consideradas um pecado mortal».
Infelizmente mais uma vez parece que não me enganei na minha análise deste papa!
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