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Mês: Maio 2006

4 de Maio, 2006 Palmira Silva

O pior presidente da História


«A concepção de Bush de uma missão baseada na fé, que está acima de qualquer questionamento racional, condiz com os dogmas pró empresariais da sua administração em relação ao aquecimento global e outros assuntos ambientais urgentes». A não perder esta análise dos mandatos de Bush pelo historiador Sean Wilentz, que faz a capa «The Worst President in History» (ou quase, é a opinião da maioria dos historiadores que estudam o tema) da Rolling Stone, a publicação que recuperou o seu estatuto de revista de culto nos últimos tempos. Em que o tema religião é um dos pratos fortes, já que a base de apoio de Bush está neste momento quasi restrita aos que o consideram «um cristão que de facto age de acordo com a sua crença»…

4 de Maio, 2006 Carlos Esperança

Terras da Beira

São cada vez mais os mortos que povoam os cemitérios e menos os vivos que ficam. Os jovens saíram pelas estradas que invadiram o seu habitat. Fugiram das courelas que irmãos disputavam à sacholada e à facada, dos regatos que secaram a caminho das hortas, da humidade que penetrava as casas e os ossos e da pobreza que os consumia.

Não há estímulo para permanecer. Não se percebe que as penedias tivessem custado vidas na disputa da fronteira, que homens se tivessem agarrado aos sítios e enchido de filhos as mulheres que lhes suportavam o vinho, a rudeza e os maus-tratos.

Os tempos mudaram e os campos, abandonados, são pasto de chamas que lhes devoram os arbustos, no estio, e os entregam à erosão.

Os funerais são o momento de fazer o recenseamento dos que resistem. Nas missas, os padres em via de extinção debitam com ar sofrido a homilia, com pressa de passar à paróquia seguinte e sem coragem para falar do Inferno. Ora, sem medo, sem ameaças e sem convicção não há fé que resista ao ar lúgubre de uma igreja, ao frio do lajedo e às imagem abonecadas que substituíram as antigas que rumaram aos antiquários.

Falar de castidade a quem a idade condenou, dos malefícios do aborto a quem passou há décadas a menopausa e na obrigação de aceitar os filhos que Deus mandar a quem já não é capaz de os gerar, é persistir em rotinas que a desatenção e a demência cultivam.

Há dias fui à Beira onde nasci. São poucas as pessoas que ficaram e Deus, na sua eterna ficção, aparece apenas como pretexto para arejar umas imagens que adejam em padiolas, com um velho padre que tropeça sob o pálio erguido por braços frouxos que ameaçam deixar-lho cair em cima, enquanto carrega a custódia.

Por hábito, e bem parecer, enquanto uns ruminam orações, outros vão na procissão para acertar o preço da vaca ou das ovelhas de que querem livrar-se. A fé desfez-se com o tempo e a bíblia, que tanto medo infundia, enfeita o altar e apara as cagadelas das moscas que ornamentam as páginas do Levítico.

4 de Maio, 2006 lrodrigues

Um Mal Menor

Segundo o «Independent», a Igreja Católica poderá estar próxima de uma mudança histórica na sua atitude perante o uso do preservativo, «o que poderá trazer uma nova esperança para milhões de pessoas» de países subdesenvolvidos actualmente devastados pela SIDA.

Um responsável do Vaticano declarou mesmo que está a ser conduzido «um estudo científico, técnico e moral muito profundo».

Mas atenção:

A ser aberta uma excepção o uso do preservativo só será permitido para casais devidamente unidos pelo matrimónio católico, e em que um deles, ou ambos, estejam infectados com o vírus do HIV.
Nesta situação a Igreja Católica poderá vir a considerar o uso do preservativo «um mal menor».

Para os restantes casos não serão abertas excepções!

Ora bem:
Não quero aqui falar da interessantíssima forma como a Igreja, da escuridão fria dos corredores do Vaticano, continua a encarar a mulher e, sem sequer se aperceber daquilo que diz, declara com a certeza de um especialista na matéria: «se a sobrevivência de uma mulher estiver ameaçada pelos avanços sexuais do marido, ela terá a justificação de se defender a si própria, persuadindo o homem a usar um preservativo».
Absolutamente notável!

Também não quero falar da estupidez de uma instituição religiosa que nem sequer com os seus próprios erros aprende: ora queima Giordano Bruno ou excomunga Galileu, ora lhes pede desculpa séculos mais tarde.

Nem sequer da imbecilidade despropositada de meia dúzia de cretinos que se arrogam o direito de determinar a vida das pessoas – católicos e não católicos – e de friamente influenciar por esse mundo fora a sua vida e a sua morte.

Nem sequer quero falar do próprio reconhecimento de que a simples mudança da política da Igreja Católica perante o preservativo «poderia trazer uma nova esperança a milhões de pessoas», num planeta que conta já com 40 milhões de infectados e com 13.000 novas infecções todos os dias.

Mas é interessante realçar que para a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, e para os nababos de saias que vivem à sua sombra, os dogmas religiosos e uma encíclica anacrónica e imbecil continuam a ser mais importantes que as vidas dos milhões de seres humanos que «os restantes casos» não abrangidos pela «excepção» ainda representam.

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

3 de Maio, 2006 jvasco

O homem só podia ser maluco!

Um dos comentadores do nosso blogue deixou a referência de uma notícia bizarra: «Virgem Maria era um extraterrestre».

A notícia fala de uma tese sustentada por Santiago Camacho, que após muito investigar terá concluído que os eventos que tiveram lugar na Cova da Iria em 1917 não foram mais do que sucessivas aparições de OVNIs extraterrestres.

Parece quase anedótico. O investigador acredita mesmo numa tolice dessas? Foi ao ponto de escrever uma tese sobre isso? E escrever um livro? E há quem compre? Sem ser para se rir às gargalhadas? Em que é que ele se baseia para afirmar tal coisa? Os indícios referidos na notícia parecem tirar qualquer réstia de credibilidade que o homem pudesse ter…

Mas esta é uma atitude arrogante e desagradável. Então não existem milhões de pessoas em Portugal que acreditam numa história ainda menos plausível? Que acreditam que a Senhora de Fátima apareceu aos três pastorinhos para lhes anunciar a conversão da Rússia e a tentativa falhada de assassinato do Papa? Que acreditam que o Sol se mexeu para uns milhares de Portugueses enquanto ficou parado para todo o resto do mundo? E que o seu movimento não foi visto pelos descrentes que lá estavam, uns tantos crentes que lá estavam? E também não foi registado pelas centenas de jornalistas que se encontravam no local?
Que Deus, podendo comunicar a cura para o cancro e solução para a dependência do petróleo, prefere comunicar com os seres humanos para lhes dizer que o Papa não vai morrer num atentado, só deixando revelar esse segredo décadas depois do mesmo ter acontecido? E que rastejar de joelhos pela EN1 fora pode beneficiar a saúde de enfermos doentes por fazer aquela pressão que vai mudar a postura e a atitude de um Deus alegadamente perfeito, omniponte, omnisciente e infinitamente bom?

Santiago Camacho já não parece tão maluco assim…

3 de Maio, 2006 Carlos Esperança

Opus Dei – Al-qaeda do catolicismo

O número 666 é o número da Besta do Apocalipse, um número tão detestado pela Igreja Cristã Ortodoxa que pretendeu opor-se a que uma deliberação da União Europeia com o referido número fosse transcrita para a ordem interna da Grécia.

Todavia, há uma seita católica, fundada por um admirador de Franco, um entusiasta da ditadura que derrubou a República espanhola e assassinou centenas de milhares de adversários, que elaborou um manual com 999 máximas.

Não digo que o ora Santo Escrivá, o morto que logo desatou a fazer milagres, é a Besta do Apocalipse de patas para o ar. A superstição é apanágio dos beatos que percorrem de joelhos e língua de fora o espaço que os separa do cálice e da patena donde recolhem a rodela de pão ázimo convencidos de que o corpo e o sangue de Cristo aí foi parar pela alquimia dos sinais cabalísticos de um padre.

O Opus Dei está para a fé como os bordéis estão para o amor. Interessa-lhe o dinheiro, o poder e a influência. A «santificação pelo trabalho» é a forma de infiltração nos centros do poder e a tentativa do seu controlo.

«O Mundo Secreto do Opus Dei» de Robert Hutchison e «Uma vida na Opus Dei» vivida «do lado de dentro» pela autora, Maria del Carmen Tapia, que trabalhou directamente com Escrivá, são dois livros imprescindíveis para se conhecer a «associação secreta» que actua «ocultamente, com um máximo de opacidade nos seus assuntos», como reconheceu o Tribunal Federal Suíço, com sede em Lausanne.

Escrivá foi elevado a beato graças à cura miraculosa de um cancro da freira Concepcion Boullón Rubio, prima de um ministro de Franco ligado ao Opus Dei, e cuja doença era desconhecida da madre superiora do convento.

O processo de canonização foi aprovado em 20 de Dezembro de 2001 graças à intercessão num milagre na área da dermatologia.

A cura do médico Mário Nevado Rey, que sofria de radiodermite, confirmou a preferência que Monsenhor Escrivá, já em vida, nutria pelas classes mais favorecidas.

2 de Maio, 2006 Palmira Silva

Espírito Opus Dei em São Paulo

Geraldo Alckmin, governador de São Paulo e pré-candidato tucano à presidência, cedeu uma fazenda de 87 hectares, 54 vezes maior que o parque Ibirabuera, para uma fundação católica que mantém a rede de comunicação Canção Nova, com assumidos fins de evangelização. Gabriel Chalita, secretário de educação de SP, é o menino de ouro dos projectos da rede Canção Nova e quer ser o próximo governador de SP.

O jornal Folha de Sao Paulo noticiou em 21 de Janeiro último a cedência generosa de Geraldo Alckmin, filho do primeiro supranumerário do Brasil e ele próprio pelo menos com fortes ligações à Opus Dei, informando ainda que a referida fazenda tinha sido solicitada para projectos de inquestionavel interesse público ligados a instituições públicas. O Instituto de Terras do Estado de SP avaliou a área e solicitou-a para reforma agrária e a Faculdade de Engenharia Quimica de Lorena pedia a área para expansão do seu campus. De igual forma a Faenquil, ligada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Económico e Turismo do Estado, requereu em 2004 o terreno da fazenda para a ampliação de um dos seus campi, vizinho à propriedade do Estado.

No entanto o governador ignorou tais pedidos e arbitrariamente cedeu a fazenda Centri, localizada em Lorena, para a Fundação João Paulo II, responsável pela rede de evangelização Canção Nova, «uma comunidade católica que tem como objectivo principal ‘a evangelização através dos meios de comunicação’».

Alckmin, em campanha activa para a presidência, é conhecido pela sua visão católica da política, que inclui o esperado mui católico «apreço pelos Direitos Humanos» assim como subscreve de cruz o que diz Ratzinger na sua primeira encíclica, isto é, os governos não devem combater a desigualdade e exclusão sociais com medidas políticas que não sejam a educação, católica claro, como é evidenciado na resposta a um cidadão que procurou a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, para resolver um problema relacionado com uma bolsa de estudo, e recebeu a seguinte «oração» da Central de Atendimento (que não resolveu o problema em questão):

«No caminho de todos nós existem desafios e obstáculos que exigem empenho, dedicação, garra e perseverança. Por outro lado, esta mesma trajectória abre-nos a possibilidade de aprender, evoluir, enfrentar, ir além. Nessa jornada, tão importante quanto a chegada, é a beleza do caminho. Pois, é no transcorrer do caminho que nossa fé vai se fortalecendo, nossa esperança é renovada, nossos sonhos são embalados e as promessas positivas, mensageiras de novos amanhãs, se descortinam à nossa frente.

O Senhor caminha nessa direção, com esse olhar diferenciado. (…)

Que Deus a proteja e continue iluminando seu coração.»

O secretário da educação de SP, o encarregue da iluminação dos corações paulistas (e da manutenção das desigualdades sociais, necessárias ao fortalecimento da fé), Gabriel Chalita, é uma das figuras centrais da programação da rede Canção Nova, com destaque em todos os meios, inclusive na página de abertura do site, apresentando um programa diário de rádio e outro, semanal, na televisão, além de ter um livro publicado pela editora Canção Nova, ou seja, uma fazenda pública de 84 hectares foi doada para proselitismo católico ao grupo religioso do qual faz parte o piedoso autodenominado filósofo e escritor que integra o executivo que fez a (auto)doação.

O pseudo-filósofo Chalita é um prolixo (ou melhor pró-lixo) autor, cuja extensa (e mui publicitada) bibliografia inclui o livro «Seis lições de solidariedade com Lu Alckmin», uma elegia biografia da primeira-dama paulista, cujo primeiro casamento foi providencialmente anulado pelo Vaticano, com uma ajudinha da Opus Dei, depois de a dita dama ter começado a namorar o devoto candidato à presidência do Brasil.

Mário Sérgio Conti, um dos mais conceituados jornalistas brasileiros, que foi editor da «Veja» e do «Jornal do Brasil» entre outros, é o autor da melhor análise da dita prosa que encontrei. Isto é, Conti não conseguiu encontrar algo digno de análise nos ditos livros. Apenas selecionou trechos da vacuidade católica de Chalita para os leitores do seu blog No Mínimo. Na realidade não há muito para comentar. Talvez apenas uma única palavra: pavor! Ou nojo!

2 de Maio, 2006 Carlos Esperança

Coimbra – bênção das pastas

Não há evidência estatística que prove que a bênção das pastas traga benefícios aos proprietários ou que seja uma carta de recomendação para o primeiro emprego.

Não há ensaios duplo-cegos que provem a correlação positiva entre a fé e a preparação académica, entre a hóstia e o conhecimento científico, entre as orações e o domínio das sebentas.

Tirando o colorido fotográfico de um bispo paramentado a rigor e estudantes vestidos a imitar padres, não há nos borrifos de água benzida, arremessados a golpes de hissope, a mais leve suspeita de que a benta humidade conserve o coiro da pasta ou do próprio.

Há, todavia, no circo da fé, genuína alegria, uma absoluta demissão do sentido crítico, a força poderosa do «porque sim», que impele os universitários de Coimbra para a missa na Sé Nova a pedir a bênção da pasta e a prometer que vão espalhar a felicidade.

Vão ao confesso falar dos «pecados» para que se preparam, começam na eucaristia e continuam na cerveja, despacham umas ave-marias e mergulham na estúrdia de oito dias de todos os excessos.

Deus é um aperitivo amargo que a tradição manda, a festa é o ritual que o corpo e os sentidos exigem. O bispo leva Deus para o Paço episcopal enquanto os estudantes vão fazer a digestão da hóstia em hectolitros de cerveja ou acabar no banco do Hospital em coma – uma espécie de êxtase místico provocado por excesso alcoólico.

Até à data não há registo de qualquer lavagem gástrica por excesso de hóstias. Talvez a eucaristia tenha lugar no início dos festejos porque, no fim, não há estômago que ainda aguente.

Ontem, muitos alunos começaram a festejar o fim do curso, de joelhos. Vão acabar de rastos.

2 de Maio, 2006 Palmira Silva

O sucesso económico da Igreja de Inglaterra

O relatório financeiro anual da Igreja de Inglaterra indica-nos que de facto a religião é um dos ( se não o mais) negócios mais lucrativos existentes. Assim, o «valor» da Igreja, em propriedades e acções, saltou de 800 milhões de libras (aproximadamente 1 200 milhões de euros) no ano passado para cerca de 5 biliões este ano.

Os lucros da Igreja, que como as suas congéneres em todo o mundo não paga um cêntimo de impostos, servem essencialmente para manter o clero anglicano, isto é, é gasto quasi na totalidade em pensões e salários. Claro que a manutenção de um estilo de vida condigno com a condição eclesiástica, especialmente das cúpulas, não sai barato e são necessárias outras fontes de financiamento. Assim, não é de estranhar que embora a Igreja esteja mais «rica» o dinheiro disponível para «caridade» seja cada vez menos …

E que cada vez mais a Igreja venda a investidores sem… os escrúpulos «éticos» característicos das religiões, complexos de habitação social, muitos deles em localizações privilegiadas, anteriormente na sua posse. Que como consequência os inquilinos sejam praticamente expulsos das suas casas pelos novos donos é algo que certamente a Igreja nunca previu… e afinal é preciso dinheiro para manter o papel vital na vida britânica que a Igreja se autoproclama deter! Proclamação com que poucas pessoas concordam…

Enfim, pelo menos a Igreja de Inglaterra torna público o seu relatório financeiro. Nunca de tal ouvi falar em relação à Igreja Católica…

1 de Maio, 2006 Palmira Silva

Morreu John Kenneth Galbraith

I have managed most of my life to exclude religious speculation from my mode of thought.
John Kenneth Galbraith (1908-2006), «What I’ve Learned,» Esquire, Janeiro de 2002.

Humanista do ano em 1985, o seu primeiro bestseller foi «The Affluent Society», 1958, um aviso às (falta de) políticas sociais nos Estados Unidos, seguido de uma extensa lista em que se incluem títulos como «The New Industrial State», 1967, e «Economics and the Public Purpose» (1973).

A extensa bibliografia de Galbraith revela a sua preocupação com a exclusão social e com o papel que considera o Estado poder desempenhar no seu combate, problema que tentou debelar ao longo da sua carreira política.

Durante a II Guerra Galbraith foi responsável pelo controle dos preços nos Estados Unidos, tarefa pela qual foi galardoado com a Medalha da Liberdade em 1946. Uma figura importante no Partido Democrata colaborou na reconstrução da Alemanha e do Japão no pós-guerra, foi embaixador na Índia sob John F. Kennedy, de quem foi conselheiro e para quem escreveu discursos. Na Índia desempenhou um papel fulcral no desenvolvimento do país, nomeadamente ajudando a estabelecer uma das primeiras faculdades de ciências da computação no Instituto Indiano de Tecnologia em Kanpur, Uttar Pradesh.

Um dos fundadores da associação Americans for Democratic Action, uma associação fundada por aqueles que foram chamados «os ateístas de Niebuhr», foi um dos ideólogos da «Guerra à pobreza» de Lyndon Johnson, de quem se afastou devido à guerra do Vietname, da qual Galbraith foi um dos primeiros críticos. Foi recuperado para a vida política por Bill Clinton, de quem foi conselheiro. Recebeu a sua segunda Medalha da Liberdade em 2000.

Galbraith morreu sábado com 97 anos.

1 de Maio, 2006 Palmira Silva

Sex, Priests, and Secret Codes

Enquanto por todo o mundo se espera a estreia do filme inspirado no livro «O código de da Vinci», ficção que mereceu os mais inusitados protestos da hierarquia católica, é lançado um livro, «Sex, Priests, and Secret Codes: The Catholic Church’s 2,000-Year Paper Trail of Sexual Abuse», que expõe a realidade de um segredo até há poucos anos ciosamente guardado pela mesma hierarquia, que não se poupou a esforços para o esconder e, agora que é impossível o secretismo, se desdobra em manobras para o desvalorizar.

O segredo tão ciosamente guardado é a pedofilia em particular e o abuso sexual em geral, exposto pelo padre dominicano Thomas P. Doyle, despedido em 2004 pelo arcebispo Edwin F. O’Brien, um dos mais conhecidos críticos da actuação da Igreja Católica no encobrimento de casos de pedofilia no seu seio.

Doyle, que foi o representante do Vaticano nos Estados Unidos no ínicio dos anos oitenta, foi um dos autores de um relatório entregue aos bispos norte-americanos em Junho de 1985, que os advertia das dimensões do abuso sexual perpetrado por padres.

Muitos católicos ficaram escandalizados não apenas com as dimensões mas especialmente com a reacção da hierarquia católica. Não só com o facto de que a Igreja justifica as manobras de vale tudo dos advogados que contrata afirmando que tem obrigação de proteger o património da Igreja, isto é, mostrando-se mais preocupada com o dinheiro que sairá dos seus cofres em indemnizações do que com as barbaridades cometidas às vítimas, como com a recusa da hierarquia católica em admitir o problema real da pedofilia.

Usando as manobras de vitimização já conhecidas, as cúpulas católicas tentam fazer passar a mensagem que tudo não passa de manobras de anti-católicos que querem «prejudicar» a ICAR. Apenas como exemplos dessa reacção recordamos que o actual Papa afirmou «Estou convencido que as notícias frequentes sobre padres católicos pecadores [pedófilos] fazem parte de uma campanha planeada para prejudicar a Igreja Católica», o cardeal Justin Rigali, de Filadélfia, considera que o extenso relatório dos abusos sexuais compilado pelo Ministério Público local foi obra de anti-católicos e que o periódico jesuíta La Civiltà Cattolica resumiu a mensagem das cúpulas católicas escrevendo que o tratamento do escândalo da pedofilia pela imprensa norte-americana reflecte um crescente sentimento anti-católico nos Estados Unidos.

O livro, escrito em conjunto com dois ex-monges dominicanos, A.W.R. Sipe e Patrick J. Wall, desmente categoricamente todas as afirmações da Igreja e fornece documentação extensa -muita da qual nunca antes publicada – que mostra que o abuso sexual de menores e adultos vulneráveis não só abrange toda a história da Igreja católica como tem sido do conhecimento da hierarquia ao longo dos séculos.

O livro, e a documentação em que assenta, ilustra quão bem a Igreja conhece este problema e as suas tácticas, que resultaram durante séculos, para o manter em segredo.

Contrariamente ao que muitos dignitários pretendem, quando as manobras de desvalorização do problema não funcionam, o abuso sexual não tem rigorosamente nada a ver com pretensas consequências da secularização do século XX ou de quaisquer «revoluções» culturais/sexuais dos anos sessenta ou setenta. É um problema intrínseco e indissociável da Igreja católica desde a sua criação por Constantino.

Os autores começam a pesquisa no ano 60 e terminam com o escândalo contemporâneo. Os dignitários da Igreja clamaram então o seu desconhecimento desta conduta mas o livro agora publicado indica claramente que mesmo uma análise superficial dos documentos da Igreja prova que não só tinham conhecimento total do que se passava como recorreram a todas as tácticas disponíveis para proteger a imagem (e o bolso) da Igreja.