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Dia: 20 de Fevereiro, 2006

20 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Bento 16 e as caricaturas de Alá

O Papa B16, distraído com o breviário ou preocupado com o polimento dos sapatinhos vermelhos, só hoje se pronunciou sobre a polémica em torno das caricaturas de Maomé.

E que defendeu o velho censor? A liberdade de expressão? O direito dos não crentes à denúncia do que julgam uma fantochada? A liberdade religiosa?

«É necessário e urgente que as religiões e os seus símbolos sejam respeitados e que os crentes não sejam alvo de provocações que firam a sua iniciativa e os seus sentimentos religiosos» – disse B16 durante a audiência ao embaixador marroquino junto do Vaticano, Ali Achour.

Para o velho inquisidor, este é o código de conduta a que todos se devem submeter. Não há uma palavra de censura para quem lapida mulheres, degola infiéis, tortura reclusos, assassina apóstatas e faz do livro sagrado a fonte de direito que quer impor ao universo.

O silêncio, perante crimes cometidos em nome de Deus, é a cumplicidade de quem gostaria de iguais condições para atear fogueiras, queimar livros e cometer desmandos.

20 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

O funeral da Irmã Lúcia (Bis)

Foi um espectáculo pífio ver a fé de molho e os crentes a arremeterem contra o Céu, empunhando guarda-chuvas.

O padre Borga, refugiado no estúdio improvisado da RTP, exultava com a chuva e os pés enxutos. A seu lado estava o Sr. Duarte Pio, um reprodutor serôdio, que, até prova em contrário do ADN, se reclama descendente do senhor D. Miguel, católico trauliteiro que em Evoramonte renunciou ao absolutismo e ao trono de Portugal.

Fátima foi ontem mais do que lugar de ilusão, foi o penico do Céu com a base decorada com peregrinos, onde o Padre Eterno aliviou a bexiga e evacuou granizo, a pôr à prova a resistência dos crentes.

O Sr. Duarte dizia-se conde de Ourém, como se os títulos nobiliárquicos não tivessem sido extintos antes do nascimento da Lúcia e da sua pia obsessão de converter a Rússia. Debitou lugares-comuns e informou que tinha levado três filhos ao castigo.

O padre Borga e o Sr. Duarte estavam felizes enquanto a Irmã Lúcia, reincidente no seu próprio funeral, continuou morta durante o espectáculo para promoção da fé.

Dada a fraca afluência de peregrinos, prejudicada pela intempérie que se abateu sobre a Cova da Iria, com particular violência à chegada do féretro, a ICAR pensa na repetição do acto com as três vítimas da farsa, em cerimónia comum, num funeral colectivo.

20 de Fevereiro, 2006 Ricardo Alves

O delito de blasfémia em Portugal

«Um dos efeitos menores do caso dos cartoons dinamarqueses foi a descoberta das limitações à liberdade de expressão em Portugal, consignadas no Código Penal de 1995, muitas das quais parecem abusivas. Será que todos os partidos estão de acordo com aquelas limitações? O assunto mereceria, por si, alguma discussão

Assim termina, com o parágrafo acima reproduzido, um artigo de opinião de José Vítor Malheiros no Público de segunda-feira passada. Eu já chamara a atenção para os resquícios de «delito de blasfémia» que ainda existem no Código Penal português, e que poderão ser usados para limitar, por razões de sensibilidade religiosa, a liberdade de expressão. Vejamos quais são os artigos em questão.

Artigo 252º
Impedimento, perturbação ou ultraje a acto de culto
Quem:
a) Por meio de violência ou de ameaça com mal importante impedir ou perturbar o exercício legítimo do culto de religião; ou
b) Publicamente vilipendiar acto de culto de religião ou dele escarnecer;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

Na minha modesta opinião, a alínea b deste artigo nº252 deveria ser suprimida. Na prática, implica que quem troçar publicamente das missas católicas (e das procissões também?), dos rituais muçulmanos, satânicos ou outros se arrisca a uma pena de prisão por delito de opinião. Limita-se, assim, a liberdade de expressão sobre um tipo específico de actos, os actos de culto. Já a alínea a me parece razoável: o exercício do culto (da IURD, católico ou outro) deve ser respeitado. Mas vejamos também o artigo 251º…

Artigo 251º
Ultraje por motivo de crença religiosa
1. Quem publicamente ofender outra pessoa ou dela escarnecer em razão da sua crença ou função religiosa, por forma adequada a perturbar a paz pública, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2. Na mesma pena incorre quem profanar lugar ou objecto de culto ou de veneração religiosa, por forma adequada a perturbar a paz pública.

No essencial, o §2 do artigo nº251 não me incomoda: não desejo matar um porco dentro de uma mesquita ou de uma sinagoga, nem jogar futebol de salão dentro de uma igreja católica. Já o §1, mesmo com a ressalva da «forma adequada a perturbar a paz pública» (que pode ser difícil de avaliar), me parece desnecessário. Seria melhor que fosse também eliminado, prevenindo assim interpretações excessivas. A não ser eliminado, poderia passar a referir-se a «Quem publicamente ofender outra pessoa ou dela escarnecer em função da sua crença ou ausência de crença», uma vez que os insultos a quem não tem fé, por não a ter, são tão ou mais comuns do que os insultos a quem tem fé, por a ter (não faltam exemplos nas nossas caixas de comentários).

Recorde-se que a Constituição da República Portuguesa estabelece a liberdade de expressão como um direito fundamental, e que portanto os preceitos referidos até poderão ser inconstitucionais.
20 de Fevereiro, 2006 jvasco

A sondagem e a Sharia

De acordo com uma notícia do news telegraph, foi realizada uma sondagem na qual 40% dos crentes islâmicos que vivem no Reino Unido se manifestaram favoráveis à introdução da Sharia em algumas partes do país.

É preocupante.

É preocupante que o valor da laicidade, da separação entre a igreja e o estado, entre os valores religiosos e a justiça, não sejam valores abraçados pela esmagadora maioria dessa comunidade.

Creio que isto é fruto de um problema estrutural e conjuntural.

Estrutural porque o modelo de integração é laxista. Vai-se cedendo passo a passo, com leis anti-blasfémia, com leis feitas à medida das «especificidades culturais», que esquecem os valores da laicidade, da igualdade perante a lei, enquanto os guetos proliferam.
A integração tem de ser baseada numa verdadeira igualdade de oportunidades, não em cedências cobardes que escondem um paternalismo descriminador.

Conjuntural porque (esta sondagem também o confirma) as relações entre a comunidade islâmica e os britânicos têm piorado. Muito, tanto quanto entendo.
Isto vem reforçar a minha tese de que a invasão do Iraque foi do pior que poderia ter acontecido à laicidade. Não só no Iraque, como em todo o mundo.