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Mês: Abril 2012

29 de Abril, 2012 Carlos Esperança

É preciso erradicar o ódio religioso

Pelo menos 18 mortos num atentado contra universitários cristãos na Nigéria

Pelo menos 18 estudantes morreram este domingo num ataque com explosivos e armas de fogo contra um auditório da Universidade de Bayero, en Kano (norte da Nigéria), onde numerosos estudantes celebravam la missa dominical. Dezenas de estudantes ficaram feridos.

Comentário: O Diário Ateísta repudia com firmeza o ódio sectário que conduziu à violência e à morte. O proselitismo é um ato de demência que produz horrores e conduz ao crime. A civilização não pode permitir que, em nome de uma crença e do desejo de lhe submeter os outros, se absolva ou minimize a violência religiosa. Os crimes cometidos em nome de uma crença são duplamente repugnantes, pela violência que encerram e o sectarismo que promovem.

Sem a laicidade imposta à demência da fé não há paz nem pluralismo ideológico.

O Diário Ateísta sente-se solidário com os cristãos que hoje foram vítimas do fascismo islâmico como se sentirá com os muçulmanos que eventualmente vierem a ser vítimas dos desvarios cristãos.

29 de Abril, 2012 Ludwig Krippahl

Treta da semana: a Igreja social.

Nos comentários da treta da semana passada, o meu primo Luís Miguel Sequeira afirmou que «Se a ICAR fosse abolida em Portugal, o orçamento da Segurança Social teria de duplicar.»(1) Isto veio a propósito da possibilidade de Portugal denunciar a Concordata, o que não implicaria abolir religião nenhuma. Apenas deixaria a Igreja Católica ao nível de qualquer outra religião reconhecida pela Lei da Liberdade Religiosa. Mas a questão é interessante, e já ouvi muitas pessoas a dizer isto. No entanto, nunca com dados concretos que confirmassem tal estimativa. Por isso, pedi ao Miguel que apresentasse alguns números que fundamentassem. Segundo o Miguel, «O orçamento da ICAR tinha, em 2009, na parte das receitas cerca de 90 milhões de Euros; como todas as entidades sem fins lucrativos, isto significa que as despesas são sensivelmente as mesmas», e «59% [vem do Orçamento do Estado] (tal como acontece na maior parte das IPSS), o que significa que na realidade parte do orçamento da ICAR para acção social já vem do OE. Mas há 41% que não vêm.» O Miguel acrescenta que os custos da Igreja Católica são mais baixos do que os da Segurança Social porque «tem voluntários e membros que não são pagos de todo; e porque tem uma estrutura menos burocrática para administrar tudo», mas nota que há muitas instituições de solidariedade social que seguem o mesmo modelo.

Se estes valores estiverem correctos, o dinheiro envolvido na acção social da Igreja Católica equivale a menos de três milésimas dos 35 mil milhões de euros orçamentados para prestações sociais em 2012 (2). Mesmo assumindo que a Igreja Católica aplica o dinheiro de forma mais eficiente do que o Estado, dificilmente estas três milésimas irão equivaler a todo o resto, de tal forma que se tivesse de duplicar o orçamento da Segurança Social, de cerca de 21 mil milhões de euros, se a Igreja Católica fechasse as portas.

No entanto, é possível que estas contas subestimem os valores envolvidos. Em 2012, o Estado irá transferir 1.200 milhões de euros para as Instituições Privadas de Solidariedade Social, e é provável que uma fatia substancial desta verba vá parar a IPSS associadas à Igreja Católica. Ainda assim, o valor será uma pequena fracção das prestações sociais orçamentadas pelo Estado e, além disso, é dinheiro que o Estado dá à Igreja Católica, e não o contrário.

Outro problema é a questão da eficiência. Admito que, recorrendo a voluntários, se pode distribuir mais sopa aos pobres por menos dinheiro do que se tivermos de contratar profissionais para o fazer. No entanto, esse tipo de acção social é uma fatia muito pequena do bolo. Muito mais importante do que isto são as transferências directas para os beneficiários na forma de pensões, subsídios, abonos e outros apoios monetários. Para isto o voluntariado é irrelevante. Tal como é para outros serviços que o Estado garante e que são fundamentais para a sociedade. O voluntariado não serve para organizar a educação pública, serviços de saúde, justiça e infraestruturas de transportes, comunicações, energia e saneamento básico à escala nacional, e o impacto destes serviços é muito maior do que o da caridade. Caridade, aliás, que não é monopólio da Igreja Católica. É provável que, mesmo sem a Igreja Católica, houvesse outros dispostos a usar o dinheiro do Estado para financiar obras de caridade. Nem é claro que a Igreja Católica seja a melhor escolha, a julgar pela opinião de Jardim Moreira, padre e presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza em Portugal (3).

Portanto, pela diferença de duas ou três ordens de grandeza entre o investimento público e a caridade co-financiada pelo Estado, parece-me obviamente falsa a alegação do Miguel. A Igreja Católica tem um peso insignificante na acção social em Portugal e está longe de ser insubstituível.

Além disso, há um problema ético de fundo nesta transferência de dinheiro público para as instituições de caridade, por muito pouco peso que tenha no orçamento do Estado. Quando o Estado paga o nosso tratamento hospitalar, a nossa educação, a nossa pensão de reforma ou invalidez, o subsídio de desemprego ou o abono de família, está a dar-nos o que é nosso de direito. Quando contribuímos com os nossos impostos para redistribuir a riqueza que a sociedade produz em conjunto, estamos a cumprir o nosso dever. Isto é justiça. Mas quando o Estado dá dinheiro dos contribuintes a instituições de caridade transforma a justiça em esmola. Isto é injusto para o beneficiário, que recebe o que é seu de direito, ou até menos do que isso, mas como se lhe fizessem um favor. E é injusto para o contribuinte, que deu esse dinheiro por dever para agora ser distribuído como caridade em nome de um deus, dos santos ou do padre que os representa.

1- Comentário em Treta da semana: a Concordata.
2- Relatório do Orçamento do Estado para 2012 (pdf).
3- Visão, “A igreja não é uma sucursal do Estado”.

Em simultâneo no Que Treta!

28 de Abril, 2012 Ludwig Krippahl

Equívocos, parte 15. Fundamental e dramático.

O Alfredo Dinis explicou porque julga ser «Equívoco fundamental» do ateísmo «estar estruturalmente impedido de […] erradicar a religião»(1). Alegando que os ateus escrevem com «uma extrema agressividade», publicam muitos livros, dizem que a religião faz mal e acham que «os crentes são todos uns grandes ignorantes [e] a inteligência está toda do lado dos ateus», o Alfredo conclui que «A missão dos não crentes é só uma: anunciar a boa notícia de que Deus não existe» com o objectivo de «erradicar a religião». Como, segundo o Alfredo, as críticas dos ateus ou são irrelevantes ou são positivas para “a religião”, é um equívoco dos ateus criticar publicamente a religião «porque pensando que estão a destruir a religião com as suas críticas, a sua acção acaba por ter um efeito positivo ou neutro». Isto, acrescenta o Alfredo, é «objectivamente dramático»(2).

Antes de passar às premissas, começo pela confusão principal. “Ateu” designa quem rejeita as alegações sobrenaturais de todas as religiões, para o distinguir do crente, que rejeita as alegações sobrenaturais de todas as religiões menos uma. Isto não tem nada que ver com escrever livros, blogs, ou dizer que a religião faz mal. Se eu deixasse de escrever ou falar sobre religião continuava a ser ateu. Seria um ateu calado, mais ao gosto do Alfredo, mas um ateu à mesma. Portanto, a alegada incapacidade desta contestação “beliscar a religião” não poderia ser um equívoco fundamental do ateísmo. No máximo, seria uma falha de comunicação.

No entanto, a premissa de que os argumentos dos ateus nunca “beliscam” a religião é difícil de aceitar. Desde os posts do Alfredo a alegar que não há nada aqui para ver às homilias do José Policarpo apontando o ateísmo como «o maior drama da humanidade»(3), há muitos indícios de beliscadela. Além disso, “religião” é um termo demasiado vago. Julgo que o Alfredo concorda que muitos argumentos científicos, que não invocam qualquer deus, beliscam dolorosamente as teses religiosas dos criacionistas. Ou as teses de que Atena nasceu da cabeça de Zeus, o deus escaravelho Khepra rebola o Sol pelo céu e Thor causa trovoadas com o Mjolnir. Basta um pingo de cepticismo para pôr também em causa muitas teses centrais da religião do Alfredo, desde a ressurreição de Jesus à assunção de Maria, infalibilidade papal ou a convicção de que só homens, e nunca mulheres, podem deter o poder mágico de benzer, transubstanciar e celebrar missas. A insistência numa vaga “religião”, sem nunca defender dogmas católicos em detalhe, faz-me suspeitar que o próprio Alfredo teme um beliscão.

Segundo o Alfredo, os ateus julgam que «os crentes são todos uns grandes ignorantes [e que] a inteligência está toda do lado dos ateus». Mais do que falso, isto é absurdo. Se fosse essa a minha opinião de todos os crentes não discutiria com nenhum deles. Não valeria a pena. Faria apenas o que faço com alguns criacionistas, que é criticar os seus disparates sem encetar grandes diálogos com eles, visto ser claro que não querem considerar os factos nem ter conversas inteligentes. Com o Alfredo passa-se o contrário; só esta conversa sobre os equívocos já vai no décimo quinto post. Há pessoas com quem é possível ter conversas inteligentes, outras com quem não se consegue, e isso não é função de ser crente ou descrente. É até muito mais uma questão de atitude do que de formação académica ou inteligência.

O Alfredo também está enganado acerca dos objectivos de discutir religião e ateísmo. O que me motiva, principalmente, é gostar de escrever o que penso, seja sobre copyright, astrologia, criacionismo ou catolicismo. O facto de os meus posts, por si só, não levarem a Maya a abandonar o negócio, o Mats a rejeitar o criacionismo ou a RIAA a aceitar a partilha de ficheiros não torna a minha liberdade de expressão num equívoco. Também não fico desmotivado por o Alfredo continuar padre depois de ler isto.

Em geral, os ateus não visam demover os crentes mais ferrenhos ou que tenham muito investido na defesa de alguma crença. É uma tarefa inglória e pouco motivadora. A motivação principal é que a escrita e o diálogo valem por si. Somos uma espécie exímia a comunicar e tiramos grande prazer disso, mesmo quando não traga consequências práticas. Quanto ao esforço de persuasão, esse é dirigido aos outros. Para qualquer crença, além dos defensores acérrimos e dos opositores declarados há uma maioria silenciosa que faz toda a diferença. Escrevo o que escrevo pelo prazer do diálogo, pelo alívio do desabafo e, também, para mostrar aos indiferentes que uma crença falsa não merece respeito só por fé ou insistência. É isto que o Alfredo confunde. Acabar com a fé religiosa não é um objectivo viável, mas é viável diminuir a reverência que a maioria concede a certos disparates só por virem de religiões, tradições ou fanáticos. E isso, parece-me, os ateus têm conseguido. Por exemplo, de Pio XII a Bento XVI, em seis décadas, nota-se uma grande diferença na arrogância com que os dirigentes católicos podem alegar representar o criador do universo e conhecer os seus milagres e mistérios.

A ideia destes textos não é converter o Alfredo. Tampouco me importa o que o Alfredo acredita. O que pretendo com isto, além do gozo que me dá a escrever, é contribuir, por pouco que seja, para que as alegações de bruxos, padres, videntes e afins sejam avaliadas apenas pelo mérito que tiverem em vez de aceites como autoritárias simplesmente por virem de quem vêm. Isto não me parece um equívoco. Parece-me um objectivo meritório, mesmo que não seja possível atingi-lo, porque sem um esforço constante neste sentido só vamos escorregar no sentido oposto. O importante não é que a sociedade acabe com as religiões e demais superstições. O que importa é que a superstição não nos impeça de ter uma sociedade livre, justa e esclarecida.

1- Alfredo Dinis, Grandes equívocos do ateísmo contemporâneo
2- Alfredo Dinis, um dramático equívoco
3- DN, Cardeal diz que maior drama é a negação de Deus

Em simultâneo no Que Treta!

27 de Abril, 2012 João Vasco Gama

Pensamento analítico tende a erodir crença em Deus

Devido à forma como o cérebro evoluiu por selecção natural, os seres humanos tendem a atribuir intenções, e propósito ao que os rodeia. É por isso que muitos ficam «furiosos» com a cadeira na qual iam tropeçando, porque o cérebro está primeiramente adaptado para lidar com situações sociais, e isso reflecte-se na forma como interage com a natureza.

No entanto, para compreender a natureza o espírito crítico e o pensamento analítico são ferramentas essenciais, e quem as desenvolve tende a menorizar a tendência para atribuir intenções, personalidade e estados mentais ao que não tem.

Será então que o pensamento analítico tende a diminuir a crença no sobrenatural em geral, e em Deus em particular? De acordo com um estudo recente, a resposta é afirmativa: a 93 estudantes universitários foi pedido que classificassem a sua crença em Deus e noutros agentes sobrenaturais (tais como anjos). Algumas semanas mais tarde os estudantes foram chamados para desempenhar uma série de tarefas pretendiam suscitar a capacidade de pensamento analítico. O grupo de controlo desempenhou outras tarefas que não tinham este objectivo. Os estudantes que não faziam parte do grupo de controlo relataram consistentemente um grau de crença inferior ao inicialmente relatado, independentemente de qual tivesse sido. Isto também foi verdade para os 142 adultos testados online.

O desenvolvimento do pensamento analítico, concluiu a equipa responsável pelo estudo, é uma (mas não a única) causa para a descrença no sobrenatural e em Deus.

27 de Abril, 2012 Luís Grave Rodrigues

Clero

26 de Abril, 2012 Carlos Esperança

Em homenagem a Abril

Há quem, antes, não tivesse precisado de partido, quem não sentisse a falta da liberdade, quem se desse bem a viver de joelhos e a viajar de rastos.

Houve cúmplices da ditadura, bufos e torturadores, quem sentisse medo, quem estivesse desesperado, quem visse morrer na guerra os filhos e nas prisões os irmãos, e se calasse. Houve quem resistisse e gritasse. E quem foi calado a tiro ou nas prisões.

Uns pagaram com a liberdade e a vida a revolta que sentiram, outros governaram a vida com a vergonha que calaram.

Houve quem visse apodrecer o regime e quisesse a glória de exibir o cadáver e a glória da libertação. Viram-se frustrados por um punhado de capitães sem medo, por uma plêiade de heróis que arriscaram tudo para que todos pudéssemos agarrar o futuro.

Passada a euforia da vitória, ninguém lhes perdoou. Os heróis da mais bela revolução da História e agentes da maior transformação que Portugal viveu são hoje proscritos e humilhados por quem lhes deve o poder.

Uns esqueceram os cravos que lhes abriram a gamela onde refocilam, outros reabilitam os crápulas que nos oprimiram, outros, ainda, sem memória nem dignidade, afrontam o dia 25 de Abril com afloramentos fascistas e lúgubres evocações do tirano deposto.

Perante os ingratos e medíocres deixo aqui a TODOS os capitães de Abril o meu eterno obrigado.

Não quero saber o que fizeram depois, basta-me o que nesse dia fizeram.

Não foram culpados pelo regresso das sotainas às cerimónias políticas.

26 de Abril, 2012 José Moreira

Ateus e citações

De vez em quando, e à míngua de melhores argumentos, alguns crentes colocam, nos seus comentários, como argumentos imbatíveis, citações de cientistas e/ou filósofos e/ou autores considerados ateus que, em dado ou dados momentos das suas vidas, proferiram frases ou cometeram actos aparentemente contraditórias relativamente ao seu ateísmo. Algumas dessas frases são cirurgica e convenientemente retiradas dos respectivos contextos. Um dos mais citados é Darwin.

É preciso que se compreenda uma coisa: existe, apenas, um único ponto filosófico que é comum a todos os ateus: Deus não existe. Todas as outras filosofias que derivem desse ponto, são da responsabilidade de cada um. Os ateus não têm catecismos, cartilhas, livros de instruções ou calhamaços de embustes, como os crentes, que os obriguem a seguir este ou aquele caminho. No fim da vida não há recompensas nem castigos que nos esperem, não temos de cumprir este ou aquele preceito. Quando morrermos iremos para o sítio onde estávamos antes de nascermos.

Se um ateu acha que, apesar de tudo, há uma inteligência superior… que lhe faça bom proveito, mas essa afirmação é da sua responsabilidade. Se outro ateu acha que, em nome do seu ateísmo não deve ser solidário – ou que deve sê-lo, pois bem, são atitudes pessoais, que não obrigam nem desobrigam os restantes ateus. Há tempos, servi de cicerone, na minha cidade, a um ateu australiano, que se recusava a entrar nas igrejas (acabou por entrar numa, para confirmar, com os próprios olhos, a existência da chamada Roda dos Engeitados). Pois bem foi uma atitude que respeitei, mas que não é a minha: não tenho qualquer problema em entrar numa igreja, do mesmo modo que já entrei em mesquitas e sinagogas. Outros, ainda, aparecem a enviar ligações para portais onde se fala em neo-ateísmo, embora eu nunca tenha percebido duas coisas: com que intenção o fazem, e o que é essa coisa de neo-ateísmo. Mas ainda não perdi a esperança de que alguém me explique, e a esperança é a penúltima a morrer, como sabemos.

Inserir citações ou enumerar actos aparentemente contraditórios, com o intuito de tentar catalogar todos os ateus do mesmo modo, ou sugerir que todos pensam igualmente, é desonesto. Na melhor das hipóteses, é manifestação de ignorância. Uma das grandes diferenças entre ateus e crentes, é, precisamente, essa: a liberdade de pensamento e de raciocínio. Os crentes, quando alguém da hierarquia religiosa pronuncia uma barbaridade, ou aponta um caminho, aplaudem vigorosamente e seguem, encarneirados, por esse caminho. É a sua obrigação, e não fazem mais do que cumpri-la.

Os ateus não têm hierarquia, não recebem instruções colectivas, e não se comportam como carneiros. E têm, como obrigações, aquelas que a sociedade e a consciência impõem. Só.