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Dia: 3 de Agosto, 2013

3 de Agosto, 2013 Carlos Esperança

Salazar e a cadeira – Forte de santo António, em 3 de agosto de 1968

Há 45 anos, por ironia do destino, uma velha cadeira, interpretando os ventos da história e o sentir dos portugueses, depois de aguentar longos anos o lento corroer do caruncho, não suportou a infâmia de se ver calcada pelo eterno ditador e desfez-se num derradeiro ato de dignidade, em patriótico haraquíri, numa abnegada dádiva ao país que a ignorava.

Aguentou paciente, durante décadas, o lento desgaste a que o mais xilófago dos insetos a sujeitou. Sentiu o seu interior reduzir-se a pó e esperou pacientemente que o sinistro ditador deixasse cair o corpo, com a displicência com que a polícia política desprezava a liberdade e os direitos humanos, viu o pulha a aproximar-se, sofreu o odor do velhaco e a raiva de quem já tinha sido tantas vezes calcada pelo biltre amigo do peito e da hóstia do cardeal Cerejeira.

Quando o corpo do miserável se preparava para relaxar, a cadeira, consciente do serviço que na sua decrepitude podia prestar, não hesitou, desconjuntou-se num ápice e arrastou com ela o algoz. Este nunca se recompôs e a cadeira ficou como símbolo heroico de um ato que os portugueses deviam e não puderam. O velho seminarista deixou de perseguir os democratas e os que designava por inimigos de Deus, do deus dele e do cardeal.

Nunca tantos deveram tanto a uma cadeira. À falta da venera que merecia, fica aqui esta homenagem que um eterno admirador partilha com os seus leitores. Bendita cadeira. Menos de 6 anos depois a liberdade política e a religiosa haviam de chegar. A catequese deixou de ser obrigatória, o catolicismo não voltou a ser imposto como até aí. Os padres perderam o poder e deixaram de ser perseguidos os ateus, agnósticos e todos os livres-pensadores.

3 de Agosto, 2013 David Ferreira

APARIÇÃO

nesse mundo alucinado

descrito pela crendice

há um ser afeminado

que surge desesperado

a incentivar a doidice

 

se das cidades se aparta

é no ermo que fulgura

se ao douto não escreve carta

porque o delírio o enfarta

ao ignaro aduz a cura

 

e ei-lo que parte luzindo

esse ser hermafrodita

os olhos de luz ferindo

a quem anda desavindo

com sua própria desdita

 

com sussurros se escrevinha

do engano a inocência

traço a traço linha a linha

se  alicia e se adivinha

uma anuente audiência

 

cega-se o espírito ao pobre

com votos de salvação

nega-se o sossego ao nobre

e todo o logro se encobre

comerciando a absolvição

 

os olhos cegos de Sol

não vêem mais que clarões

são espelhos de um farol

com que se engoda o anzol

que naufraga em emoções